A pandemia não foi de todo ruim para Alicia Vikander. Casada com o ator Michael Fassbender, com quem mora em Portugal, ela se tornou mãe de um menino. Mas teve tempo também de rodar alguns projetos, como Irma Vep, que estreou no início de junho na HBO.
Irma Vep é uma espécie de continuação em oito episódios do filme de mesmo nome, estrelado por Maggie Cheung em 1996 e dirigido por Olivier Assayas. O cineasta, que levou Kristen Stewart para trabalhar na França em Acima das nuvens (2014) e Personal shopper (2016), coloca Alicia no papel de Mira, uma atriz cansada de fazer blockbusters que aceita o papel de Irma Vep, a musa e líder de uma gangue de ladrões, em uma série chamada Os vampiros. Enquanto enfrenta problemas na vida pessoal, como o casamento da ex, Mira conhece novas pessoas e lida com os desafios e as alegrias de um set de filmagem.
Tanto a série quanto o filme de 1996 são uma homenagem a Os vampiros, um longa-metragem em episódios de 1915, que trazia Musidora no papel de Irma Vep. Com seu visual gótico e macacão colado ao corpo, Musidora se tornou uma referência para heroínas e vilãs a partir de então. Para Assayas, ela é como um fantasma que assombra o cinema, uma mulher perigosa vestida de preto que teve encarnações diversas ao longo do tempo.
Irma Vep | Official Trailer | HBO
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O macacão de Musidora era feito de seda. No filme de 1996, Cheung usou uma versão de látex, comprada em uma sex shop. Nessa versão, Assayas queria algo diferente, que ressaltasse a feminilidade de Irma Vep. Para isso, ele contou com Nicolas Ghesquière, diretor criativo da Louis Vuitton, de quem Alicia é musa – ela vestiu as suas criações na sessão de fotos oficial, entrevistas, festa e tapete vermelho de
Irma Vep no Festival de Cannes, em maio, onde a série fez sua pré-estreia. O modelo foi feito de veludo de seda, que reflete a luz de maneira interessante. Há uma cena inteira de discussão sobre o figurino logo no primeiro episódio da série.
Em entrevista com a participação de ELLE, em Cannes, Alicia, 33 anos, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante por A garota dinamarquesa (2015), falou sobre as semelhanças e diferenças com a sua personagem, o figurino e a alegria de interpretar um papel que mostra todas as facetas de uma mulher.
Sua personagem se confunde com o papel que ela está interpretando. Já viveu algo parecido ou teve medo de que isso pudesse acontecer?
Eu acredito nos espíritos do cinema, como Mira sente os de Musidora. É interessante quando você pega um personagem que está em uma foto e vive aquilo. Por isso, para mim, é um grande momento quando faço a primeira prova de figurino. É quando realmente sinto quem é a personagem que estou interpretando. Mas eu mergulho com amor no papel. Quando acaba o trabalho, sigo adiante.
Fazer um filme ou uma série é realmente como aparece em Irma Vep, com ataques de ansiedade do diretor, picuinhas entre atores e flertes também?
Em muitas das cenas, quando li pela primeira vez, eu ri, porque foram pequenos momentos de percepção de que tinha conhecido alguém assim. Tinha estado naquela posição. Já tinha visto aquilo. Mas é uma comédia, e cada personagem é levado ao extremo.
Alicia, vestindo Louis Vuitton, na pré-estreia da série no Festival de Cannes, em maio passado.Foto: Getty Images
Mira tem uma vida muito privilegiada, mas também sempre tem alguém dizendo aonde ela deve ir e o que fazer. Identifica-se com isso?
Eu acho que essa vida pode ser solitária. Mas lutei contra isso desde o princípio. Sempre tive um pé em uma esfera muito segura e privada. Quando você realmente ama seu trabalho, ele vira a coisa principal de sua vida. Nessa indústria, isso significa que você vai de um trabalho para outro, muda de país, troca totalmente o grupo de pessoas que vê e com quem sai. É muito fácil perder as raízes se você não se agarrar a elas. Mira está em uma idade e em uma fase da carreira em que está descobrindo quem ela é e quem é sozinha.
Sua personagem sente que precisa estar em blockbusters, mas tem desejo de interpretar papeis mais apetitosos. Viveu esse dilema em sua carreira?
Eu não faço determinado filme porque preciso, faço porque quero. Atuei em Tomb raider: a origem porque queria. E também quis trabalhar com Olivier Assayas, que é um dos grandes cineastas que fazem um trabalho autoral, com uma marca pessoal.
Mira é diferente, então, ela se sente um pouco presa.
Ela está frustrada com sua carreira. Com certeza, tomou certas decisões baseada no que achava que precisava fazer, em oposição ao que queria fazer.
A atriz como Irma Vep, com o macacão criado por Nicolas Ghesquière.
Como foi usar o macacão criado pelo Nicolas Ghesquière?
O macacão é bem impressionante. E foi interessante, quando eu estava no set, porque, quando cobri tudo, com o macacão e o capuz, menos os olhos, era como se a Alicia tivesse sido apagada. E eu senti como se ninguém pudesse me ver. Adorei o macacão.
Você foi bailarina e na série tem chance de fazer algumas cenas de dança. Como foi a experiência?
Eu não fazia uma aula havia 14 anos. Aí eu tive oportunidade de trabalhar com o (francês) Angelin Preljocaj, um dos maiores coreógrafos. E senti que estava trapaceando, porque não sei se conseguiria ter uma aula com ele se tivesse continuado minha carreira de dançarina. E agora eu entro por essa porta dos fundos, e Olivier me coloca na sala com ele. Foi muito incrível.
Seu personagem tem um humor muito descontraído. E ela parece levar até na boa as frustrações e humilhações. Como decidiu qual seria o tom?
É minha interpretação dela. Eu adoro a Mira, mas às vezes ela é meio vaca. Mas a gente vê pelo que ela está passando, suas dificuldades. Eu fiz questão de mostrar com o que ela se importa. Ela ama o mundo do cinema. E senti que deveria haver certa leveza nela.
“É muito bom ver mulheres com todas as suas facetas. Mulheres que sejam reais. Mulheres que não sejam a namorada feliz, linda, graciosa.”
Você acha estimulante interpretar uma mulher que, sim, às vezes é uma vaca?
Nós conversamos muito sobre como é bom ter cenas fantásticas com outras mulheres. Talvez eu não devesse ter usado a palavra vaca, mas é muito bom ver mulheres com todas as suas facetas. Mulheres que sejam reais. Mulheres que não sejam a namorada feliz, linda, graciosa. Mas que o espectador, mesmo vendo todos os seus lados, inclusive os menos bonitos, ainda goste delas.
Você disse que quer ver todos os lados das mulheres na tela. Mas isso é possível em uma época de politicamente correto, especialmente nos filmes e nas séries estadunidenses?
Acho que estamos avançando nesse aspecto. Quero dizer, é a HBO. Eles compraram uma obra do Olivier Assayas, que é um dos maiores diretores franceses do cinema autoral. Acho que essa é uma prova de que as coisas estão mudando.
Cena de “Irma Vep”. Foto: Divulgação
Esta edição do festival foi muito política. Acha que artistas precisam se manifestar sobre o tema?
Eu acho que as pessoas deveriam poder se expressar e não ter medo de falar. O perigo é quando a mídia só quer uma manchete, tirando coisas do contexto. Há uma tendência no nosso mundo hoje de focar aquilo que alguém disse, em vez do assunto em si. Isso para mim é preocupante.
No primeiro episódio, Mira diz que está cansada de zoom. Muitos atores ficaram felizes na pandemia por não estarem viajando o tempo todo e tendo de se arrumar e maquiar. Outros começaram a sentir falta de eventos ao vivo. E você?
Para mim, foi um momento muito bom, pois tive um bebê no ano passado. Então, eu estava meio ocupada. Mas estou feliz de voltar. Sou sociável. Gosto de ver as pessoas novamente.