Na beleza de Bridgerton

Em entrevista à ELLE Brasil, Erika Okvist, maquiadora-chefe da nova temporada da série, conta os bastidores por trás dos looks mais comentados do momento.

Assinar a beleza de uma série de TV requer habilidades especiais, que vão além das técnicas de maquiagem e cabelo propriamente ditas. O desafio se torna ainda maior quando a tarefa consiste em assumir tal processo criativo em uma das produções mais populares da história da Netflix. Foi esse o trabalho de Erika Okvist, maquiadora-chefe da segunda temporada de Bridgerton. Para criar os looks icônicos dos episódios, a sueca precisou levar em consideração a estética dos anos 1800 no Reino Unido, período e local nos quais os personagens estão inseridos, mantendo-os modernos e interessantes para os jovens espectadores.

Em entrevista à ELLE Brasil, Erika conta sobre sua trajetória no mundo da beleza, compartilha os bastidores de Bridgerton e fala sobre seus produtos e looks favoritos da série.

Como sua relação com a maquiagem começou?
Na verdade, eu sempre gostei de pintar mais do que qualquer outra coisa. Acho que tudo veio daí. Eu sempre enxerguei a maquiagem mais como a possibilidade de fazer uma pintura do que aplicar uma base na pele. É sobre conhecer as cores e saber onde colocá-las no rosto. As cores, acredito, foram meu ponto de partida para esse universo: com as primárias em mãos, além do preto e do branco, somos capazes de criar qualquer coisa. Eu acho isso simplesmente fantástico.

Quando a beleza se tornou uma carreira?
As coisas aconteceram de maneira bastante peculiar porque, na verdade, eu comecei minha carreira trabalhando com figurinos. Basicamente, eu escorreguei em uma casca de banana e caí na maquiagem. (risos) Eu não decidi começar a trabalhar com beleza. Foram as circunstâncias da vida que simplesmente me levaram a esse lugar. Para mim, a construção de um personagem não para no pescoço – ele precisa ser pensado dos pés à cabeça. Inclusive, eu amo poder criar o visual inteiro, por isso continuo trabalhando com figurino também.

Qual foi seu primeiro grande projeto?
Para mim, todos eles são grandes. Eu me apaixono por todos os trabalhos que faço – realmente vivo casos de amor com eles. (risos) Acho que o tamanho deles tem mais a ver com isso do que com qualquer outra coisa. O que eu posso dizer é que os dois mais divertidos foram Cursed – A lenda do lago, também da Netflix, e Bridgerton, claro.

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Golda Rosheuvel, como a rainha Charlotte: referências também vêm de campanhas de moda.Netflix/Divulgação

Como é trabalhar na indústria cinematográfica?
Fazer filmes e séries é sobre trabalhar com muita gente e deixar que todos participem do processo. Nós estamos o tempo todo nos comunicando com todas as áreas: direção de arte, figurino, luz, produtores e roteiristas. É basicamente sobre fazer um grande caldo com vários ingredientes e ir adicionando os temperos certos para criar algo único e especial.

Qual é o processo de criar a beleza para essas grandes produções?
Antes de tudo, eu leio o roteiro. Depois, vou direto para a parte de pesquisa: não existe uma foto no Pinterest, uma revista ou um livro que eu não tenha olhado. (risos) A partir daí, penso em como todas essas referências se encaixam dentro do universo para o qual eu estou criando. Para Bridgerton, por exemplo, tentei mesclar referências de looks editoriais (como campanhas antigas da Dior) com o que já sei sobre a estética da época para criar algo novo. Quando já temos essa ideia formada, começamos a experimentar essas formas e cores nos atores. É muito divertido! Aqui, os detalhes são muito importantes, porque com uma pequena mudança a gente transforma um look inteiro – pentear as sobrancelhas para baixom em vez de para cima, por exemplo, deixa o olhar caído e a expressão mais triste. Lembre-se de que as câmeras estão ali, coladas no rosto dos atores! Por isso, as decisões precisam ser sempre muito inteligentes e estarem de acordo com a história, a personalidade e o momento de cada personagem. Quem comanda tudo isso é a narrativa, por isso também me considero uma contadora de histórias.

Podemos dizer que Bridgerton é uma representação moderna do período regencial no Reino Unido. Como foi unir esses dois pontos em uma só beleza?
Nós estamos contando uma história que acontece naquele período, mas ela está inserida em seu próprio universo. Bridgerton é uma marca na qual nós acreditamos – da mesma forma que, quando assistimos Game of Thrones, acreditamos na existência de dragões. Quando criamos esses mundos e as pessoas começam a acreditar neles, não é mais sobre apenas colocar glitter nos olhos: é sobre a possibilidade de criar coisas diferentes para eles.

Qual o maior desafio de fazer maquiagens em um set de filmagens?
Consistência. Toda vez que um ator senta em sua cadeira, mesmo que você já o maquie há meses, a pele pode estar de um jeito diferente – um dia está mais brilhante, no outro, mais ressecada. Então, ainda que estejamos criando o mesmo look, a maquiagem é sempre diferente: às vezes, precisa de mais corretivo, outras, pede mais pó finalizador. Sem contar que os atores acordam às 3 da manhã e precisam estar impecáveis por muitas horas, o que exige muitos retoques. (risos) Uma mesma cena pode ser gravada durante vários dias e a maquiagem precisa se manter igual. Muitas vezes, por exemplo, começamos as gravações em ambientes internos e terminamos do lado de fora, o que muda completamente o visual. Para determinado episódio, nós gravamos três dias dentro do palácio. No quarto, fomos para o jardim – além do sol forte, o espaço era cercado por pedras brancas, que refletiam no rosto dos atores e deixavam a maquiagem sem vida. Então, nós precisamos aumentar a quantidade de produto e trazer mais cor para as peles. No final das contas, não é sobre o que eu vejo. É sobre o que a câmera capta. Conseguir manter a consistência, apesar de tudo isso, é o que torna você um bom maquiador.

Você tem um look favorito nessa temporada?
Todo mundo ri de mim, porque, depois que terminamos uma maquiagem, eu sempre digo: “Nossa, essa é a minha favorita”. (risos) Eu realmente me apaixono por cada uma delas. E acho que os grandes responsáveis por isso são as pessoas do meu time, que fazem com que as ideias se concretizem de maneira tão inteligente e criativa. Mas a personagem que me deixa sempre empolgada é a rainha, com certeza. Ela é o elefante na sala. É impossível ignorá-la. Ela mal consegue passar por uma porta, porque sua peruca é enorme! Então, era importante que nossas criações continuassem a empolgar a audiência. Na verdade, tudo isso tirou minhas noites de sono. Eu, literalmente, sonhava com os looks dela. (risos)

Qual foi o produto-herói dessas criações?
Os iluminadores em stick da Pat McGrath. Eles dão um glow natural à pele. Nós usamos nas maçãs do rosto, para fazer um efeito lifting, mas também nas clavículas e em outras partes do corpo, para realçá-las. Aliás, esse é um ótimo produto para ter sempre por perto, porque dá um ar de vida instantâneo ao rosto.

Para fechar, o que é beleza para você?
É o que vem de dentro. Um bom coração é capaz de deixar qualquer pessoa mais bonita. Às vezes, nós nos esquecemos da nossa própria beleza e não enxergamos o que os outros veem de bonito em nós. Olhamos o espelho e nos focamos apenas no negativo – precisamos parar com essa merda! Se a maquiagem for capaz de lembrar o que tem de mais bonito na gente, então, acho que isso é o mais importante. Se algo faz com que você se sinta bem, é nisso que você deveria apostar. A indústria da beleza não deveria tentar fazer com que as pessoas fiquem iguais, com o mesmo nariz e a mesma boca. Isso é chato demais! O legal mesmo é usar essas ferramentas para encontrar a beleza em quem nós somos.

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Nicola Coughlan, como Penelope Featherington: a maquiagem precisa ser alterada de acordo com a luz do ambiente.Netflix/Divulgação