Não faz muito tempo, a influenciadora e empresária Gessica Kayane, conhecida como Gkay, era mais famosa pelo seu humor e personalidade escrachados e, claro, pela sua farofa – não a comida, mas a festa anual que organiza desde 2017 para comemorar seu aniversário. Até que, em junho deste ano, a internet veio abaixo quando a também comediante apareceu com um look completo da marca francesa Schiaparelli, com direito a repost no Instagram da própria maison. Na sequência, veio mais uma enxurrada de grifes, com nomes como Balenciaga e Mugler.
“Foi tudo muito orgânico. Nunca sentamos para traçar um plano ou uma nova imagem de moda para ela”, diz o stylist Daniel Ueda, responsável pelos looks de Gkay. “Ela sabia muito bem o que queria, só não sabia exatamente como chegar lá e eu a tenho ajudado nisso”, completa o stylist, que também veste outras celebridades, como Bianca Andrade (a Boca Rosa).
“Ao mesmo tempo que tenho muitos anos de moda, o universo das influenciadoras digitais é muito novo para mim”, conta Daniel. Ele começou seu trabalho com Gessica há alguns meses, depois da criação de um look para um baile de Carnaval fora de época (pandemia, né?). “Ela é uma freak de moda, pesquisa e se informa muito sobre todas as marcas, novidades e tendências. Ela está de olho em tudo! E todo mundo quer traçar um caminho dentro da moda, ainda que cada um à sua maneira. Mas é, de fato, um novo momento”, opina.
Quando o Instagram surgiu, em 2010, não tínhamos a menor perspectiva do impacto que ele teria na moda 12 anos mais tarde. Ou mesmo de como a relação da moda com as redes sociais seria tão codependente. Entre idas e vindas e promessas de um fim, a cultura da influência se manteve constante. E seu marketing se tornou um dos pilares da comunicação das empresas do setor.
“A moda, para o influenciador, faz parte de como ele comunica seu posicionamento, seja empoderamento feminino, sustentabilidade, luxo, ou qualquer outro nicho de público”, diz Fátima Pissara, CEO da Mynd, uma das principais agências de influencer marketing do Brasil. “Serve para mostrar que aquela pessoa é antenada, ligada às tendências. É interessante para o influenciador estar associado ao mercado de moda e a certas marcas, até mesmo para se vender para outras.”
Se, por parte dos influenciadores, há interesse em ganhar algum tipo de respaldo ou validação de grandes grifes de luxo, por outro, sua capacidade de comunicação, engajamento e abertura para um público diferente é um forte atrativo para as empresas da área. É uma relação de mão dupla, ainda que, segundo Fátima, com pesos diferentes. “As marcas de moda não se associam a muitas pessoas, pois elas já têm valores muito fortes e uma comunicação centralizada para um público-alvo”, explica.
O caso (ou case) de sucesso fashionista de Gkay é especialmente interessante para esse ponto de vista. Duas das marcas que Géssica mais usa – Schiaparelli e Balenciaga – são, não por acaso, etiquetas empenhadas em propor uma nova forma de comunicação e percepção do luxo.
A Balenciaga, por exemplo, é fonte constante para a produção de memes e sátiras com suas criações. É só lembrar do tênis sujo e rasgado, da bolsa em formato de saco de lixo e, principalmente, das suas versões de Crocs. De forma similar, muitas fotos de Gkay acabam viralizando – nem sempre com bom humor.
“Fico tentando entender de onde vêm tantas críticas ao trabalho da Gkay. Se é mesmo preconceito, xenofobia ou o que for”, diz Daniel sobre a reação negativa de muita gente em relação ao novo visual da influenciadora. “Essa nova imagem de moda é uma construção a longo prazo e pode causar estranheza no primeiro momento. Mas, enquanto muita gente tem medo de virar meme, ou virar piada, ela não se importa. Ela entra de cabeça, com um bom senso de humor e muita liberdade, sem se preocupar em se levar tão a sério ou ser demais”, explica.
Em um episódio do podcast PocCast, Gkay afirmou que parte de sua escolha por grifes de luxo vem para popularizar essa imagem e possibilitar que as pessoas tenham mais conhecimento sobre esse tipo de moda. Ela conta que, antes de sua ascensão financeira e social, seguia diversas blogueiras de moda e, mesmo sem poder consumir as marcas, adorava ver e ter acesso a esse tipo de informação.
Apesar de parecer ter pegado a internet de supetão, a trajetória de Gkay não é exatamente inédita. Quem tem boa memória deve se lembrar de uma Sabrina Sato dançarina do Faustão e ex-BBB. Hoje, ela é empresária, apresentadora, rosto da Balenciaga no país e uma das principais influenciadoras de moda por aqui.
Mas nem sempre foi assim. Pós-Faustão e BBB, a paulista caiu logo na categoria de subcelebridade e foi, aos poucos, construindo sua fama no programa de rádio Pânico e, depois, no Pânico na TV. Porém raramente era um lugar de destaque, cercado pelo humor escrachado (e um tanto problemático) do programa e por estereótipos machistas forçados sobre ela.
Foi ao longo dos anos, com a conquista de programas próprios, um canal no YouTube – onde ela tinha controle sobre sua própria imagem pública – e uma repaginada de estilo, que Sabrina Sato mostrou seu verdadeiro talento e desenvoltura com as telas e como uma empresária.
A moda foi um fator importante nessa reconstrução, ainda que, no início, as críticas tenham sido duras – quase sempre vindas de um tal elitismo do qual alguns comentaristas e profissionais do meio teimam em não desapegar. Por trás de seus primeiros looks em carreira solo, estava o stylist Yan Acioli. Hoje, quem coordena seu visual é Pedro Sales, stylist também responsável por vestir uma lista de nomes importantes e colaborador de ELLE.
E, já que estamos falando em opiniões divididas, como não falar de Julia Fox? Alguns a chamam de camps, outros de desastre fashion e alguns de “ela só é magra”. Fato é que, desde que foi alçada ao estrelato fashion ao lado de Kanye West, Julia Fox se tornou a rainha da controvérsia, movimentando a internet a cada novo look absurdo que publica em suas redes sociais.
Seus visuais compostos de variações de tops estilizados com calças de cintura baixíssima, olhos pretos marcados com delineadores gráficos e irregulares e sua obsessão com o próprio corpo com certeza já cruzaram seu feed do Instagram, TikTok ou Twitter. Assim como boa parte das outras celebridades que citamos, Julia também usa suas roupas para viralizar e se tornar meme com bastante frequência.
Seus dois meses sob styling de Kanye West moldaram uma personalidade fashion extremamente emblemática para a contemporaneidade, com poder de influência até sobre outras celebridades. No Twitter, internautas compararam os recentes looks de Rafa Kalimann aos de Fox, e a maquiagem de Gkay, em sua empreitada fashion, também traz claras alusões à ex-musa de Ye.
No Brasil, quem também viraliza com frequência é Malu Borges. A influenciadora conta com mais de 2,6 milhões de seguidores no TikTok, onde seu principal conteúdo são aqueles no estilo “arrume-se comigo” e unboxing de produtos de moda. Seus vídeos recebem milhões de views e comentários, nem todos elogiosos. Algumas de suas mais – ou menos – populares escolhas incluem saias cargo, looks com balaclavas de tricô e Crocs Balenciaga.
Se ela se incomoda com os haters? Nem um pouco. “Eu me divirto. Em alguns vídeos, já aviso que as pessoas vão odiar! Um look meu que divide opiniões vai ter muito mais visibilidade e engajamento do que um look mais simples que todo mundo gostou”, diz Malu. “Gosto de brincar com a moda. Acho superdivertidos os memes no Twitter. Para que tantas pessoas se engajem com um meme meu e riam de mim, isso significa que todas elas conhecem meu trabalho e foram alcançadas por ele de alguma forma.”
Com um repertório extenso de itens polêmicos de grifes de luxo, a influenciadora faz combinações com irreverência ímpar e que torcem o nariz de muita gente. “Se fôssemos analisar só as pessoas que gostam do que eu faço, talvez eu não tivesse a visibilidade de hoje. Se você leva aqui na brincadeira, na esportiva, vai haver haters que podem até virar fãs depois.”
Tudo isso diz um tanto sobre a nova relação de influenciadores com a moda e com seu público. Se antes havia a obrigação por uma imagem perfeita, imaculada, como que incapaz de errar, agora é quase que o oposto. Perder o medo das críticas tem feito com que boa parte desses profissionais aprenda a dialogar mais com seus haters – e ainda se beneficie de alguma forma.
Assim como para a Balenciaga, para Gkay e para Malu Borges, virar meme na internet ou ser feito de piada não é sinônimo de algo negativo. O humor atinge milhões de pessoas e consegue furar a bolha do nicho de seus próprios públicos, levando o conteúdo para outras audiências.
Parte de como esses influenciadores têm lidado com isso é criando looks “duvidosos”, brincando com a moda e com a ideia do que é naturalizado como belo. Afinal, se qualquer publicidade é boa publicidade, por que não fazer algo divertido e transformador com isso? É o bom e velho falem bem ou falem mal, mas falem de mim. Ou melhor: falem bem ou falem mal, mas falem do meu look – e não esqueçam do like.