J’adore Doré

Garance Doré está em busca de uma conexão cada vez mais verdadeira com seus seguidores. À ELLE View, ela fala sobre influência, internet, e claro, sua mais nova empreitada: a marca de skincare que leva seu sobrenome.

Há 16 anos, a jovem designer francesa Garance Doré decidiu criar um blog na internet. A ideia do site era publicar as belas fotos que ela clicava dos melhores looks desfilados pelas calçadas de Paris. Não demorou para seu olhar ficar conhecido no mundo todo e, uma vez descoberta pelas grandes marcas, Garance começou a sentir que algo estranho estava acontecendo. Em 2019, ela falou sobre essa sensação em uma palestra no #BoFVOICES.

Esse sentimento foi crescendo cada vez mais e culminou em um abandono do mundo da moda. Garance não frequenta mais os desfiles, não clica mais as editoras das principais revistas do mundo, não faz as campanhas das marcas que antes ela celebrava… A principal razão (entre tantas) por trás desse afastamento é a perda da possibilidade da autenticidade quando tudo na moda parece poder ser comprado pelas grandes labels: inclusive sua opinião, seu estilo, seu jeito de pensar. E, para preservar-se de tudo isso, Garance foi embora. Mas não foi para longe: ela veio para perto.

Em sua newsletter, a “garance.world”, ela encontrou uma maneira de falar diretamente com quem se interessa pelo que tem a dizer. Independentemente do sistema da moda ou de algoritmos perversos das redes sociais, Garance vem escrevendo uma história diferente para si e para o que se entende por influenciador digital – uma vez que ela é uma das pioneiras da profissão. Sua mais nova empreitada? Uma marca de beleza inspirada nas farmácias francesas: eficácia, minimalismo, honestidade, fórmulas limpas e sustentabilidade estão no eixo da Doré. Com apenas três produtos (um balm, um creme e um limpador), a empresa que leva o sobrenome de Garance quer fazer você gastar menos tempo em frente ao espelho e mais tempo vivendo a sua vida da melhor maneira possível. A seguir, confira nossa conversa com a protoinfluenciadora, designer, fotógrafa e agora empresária.

Na sua palestra no #BoFVOICES2019, você disse que a semana de moda não é mais onde o pulso da moda bate mais forte. Onde você sente que pode encontrá-lo hoje em dia?

Sempre na rua! Eu moro em Londres atualmente e as ruas continuam sendo uma fonte inesgotável de estilo. Eu amo profundamente! Adoro reparar em como as pessoas se vestem de formas diferentes em bairros diferentes. Há quem diga que as redes sociais criaram um novo streetstyle dentro de si mesma, mas acho que o que é publicado por lá, o que ganha muitos likes, em geral, é muito irreal, pré-fabricado. Fico meio desconfortável vendo essas imagens. Acho que a beleza da vida real é você poder furar a bolha do algoritmo. Você vê coisas que não imagina!

A autenticidade é algo que você mencionou bastante naquela palestra e é realmente um tópico bem quente nos dias de hoje, em especial quando se fala do mercado de influencers. Minha pergunta é: existe alguma maneira de ficar grande na internet sem perder a autenticidade? O que ela significa para você e qual a sua importância hoje em dia?

Hoje em dia, sinto que tenho menos certeza a respeito da definição de autenticidade. Acho que todos nós, em alguma medida, criamos um avatar digital que não nos representa de verdade. É uma versão de nós mesmos que queremos apresentar para o mundo, mas que também é pensada para funcionar na lógica das redes, dos algoritmos, dos likes… Há muita autenticidade fabricada, de mentira. O lado bom é que, quanto mais essa falsidade se populariza, mais fácil de perceber ela fica. É difícil descrever exatamente como fazer essa divisão, mas tenho a sensação de que uma vez que você a aprende, ela simplesmente se impõe.

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Garance Doré e os três primeiros produtos de sua marca de skincare.Foto: Divulgação


Como surgiu a ideia do garance.world?

Minha newsletter e a comunidade surgiram da necessidade de me expressar sem ter que fazer parte das métricas das redes sociais. Eu precisava de um formato que me deixasse ter mais espaço para a autoexpressão. Queria escrever e me conectar com as pessoas do jeito mais real possível.

Antes do blog e da sua trajetória na internet, como era a sua relação com a beleza? Você sempre foi fã de skincare?

Sempre fui muito apaixonada por beleza. Venho de uma família em que isso é assunto o tempo inteiro. Lembro de sempre ler revistas e de me manter muito consciente do que estava ou não passando no meu rosto. Comecei a passar protetor solar todos os dias aos 15 anos e não parei nunca mais, por exemplo. Cresci na era das supermodels e lembro de ficar maluca para descobrir as dicas de beauté delas na ELLE. Queria ser como elas! Também sempre fui muito fã de farmácias. Tendo crescido nos anos 1990 – tempo de Helmut Lang e Martin Margiela –, minha ideia de luxo sempre foi bem desconstruída. Por isso eu adoro esses produtos franceses de farmácia, sabe? Acho que carregam o mesmo tipo de elegância. Amo a eficácia e a simplicidade deles.

Depois do blog, como isso mudou? Imagino que, a partir dessa experiência, você deva ter ganhado acesso a muitos produtos. Isso tudo transformou a maneira como você pensa sobre o assunto?

Acho que mudei muito. Testei muitos produtos no decorrer da minha carreira e, ao mesmo tempo, vivi na pele a pressão de estar o tempo inteiro “impecável”. Então senti que, em dado momento, pesei a mão nos produtos e minha pele começou a sentir. Ela ficava irritada e, quando fui ao dermatologista, descobri que estava misturando ingredientes muito agressivos de uma vez só. Foi aí que começou a minha busca pelo creme perfeito. Com essa experiência, eu também percebi como a gente paga muito por marketing. Via muitas marcas anunciando as mil maravilhas de um produto, que, no limite, não fazia nada demais. Acho que se gasta tanto em marketing que, por vezes, ao comprar um produto eu sentia que estava pagando pelo anúncio. Não acho que há nada de errado com o marketing, mas essa percepção me ajudou a escolher produtos com mais sabedoria.

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Um hidratante, um limpador e um balm: o trio de skincare rápido e eficaz da Doré.Foto: Divulgação


Quais são os pilares da Doré e o que você aprendeu com ela?

Eu aprendi tanto nos últimos anos… Primeiro, sobre a importância de um produto verdadeiramente bom. Seja lá qual for o conceito dele, esse tem que ser um pilar, sabe? No fim do dia, o que faz a sua marca ir para a frente são as pessoas comentando entre si como o seu produto as ajudou. Até porque, se você não acredita de verdade no seu produto, as pessoas logo percebem e lá se foi a sua credibilidade. Em segundo lugar, é fundamental ter um ponto de vista objetivo. A Doré não quer tentar ser tudo ao mesmo tempo. A gente escolheu o nosso espaço no mercado e tiramos da nossa frente as ideias que pudessem fazer com que nos desviássemos desse rumo. Não é fácil, mas é um compromisso que fechamos entre nós. Por fim, é preciso ter uma missão. Claro, eu e a Emily criamos essa marca para nós mesmas, como consumidoras. Mas é evidente que somos muito motivadas pelo que podemos oferecer ao mundo com ela. Estamos falando de padrões de qualidade mais altos, beleza limpa, honestidade e uma busca constante por sustentabilidade.

“Acho que todos nós, em alguma medida, criamos um avatar digital que não nos representa de verdade. É uma versão de nós mesmos que queremos apresentar para o mundo, mas que também é pensada para funcionar na lógica das redes, dos algoritmos, dos likes…”


Eu assisti ao vídeo em que você conversa com a Emily Yeston, sua sócia, sobre a Doré e por lá você disse que, quando a Emily te chamou para criar essa marca, você imediatamente disse não. Por que essa foi sua primeira reação?

Nunca lancei produtos antes porque não queria entrar naquela montanha-russa de ter que, o tempo inteiro, ficar lançando novos itens, sabe? E, claro, também fiquei pensando: mais uma marca de beleza? Será que a gente realmente precisa disso? Mas, a visão da Emily sempre foi muito clara. Acho que ela soube usar as palavras perfeitas para me convencer de embarcar junto dela nessa aventura. Tudo fez sentido para mim. A gente acredita que pele boa é pele saudável. Acreditamos em restaurar as defesas naturais da pele, em pele bem hidratada. A missão é entregar o essencial para a gente gastar cada vez menos tempo cuidando da pele.

O que é o “jeito francês” de pensar beleza que você menciona no site da Doré? Quão importante é que a Doré seja uma marca “made in France”?

Isso, dos essenciais, é muito francês. É bem parecido com a moda. Nosso Crème é como o jeans perfeito ou a camiseta branca perfeita. Você pode usar de dia e de noite, não é muito caro, mas tem uma qualidade impressionante e nunca vai te desapontar. Nós também puxamos muito das farmácias francesas. Como já disse, priorizamos muito a eficácia dos nossos produtos, acima de tudo. Queríamos criar e desenvolver nossos produtos na França para poder dividir nossas raízes com o mundo e também porque é um país muito rigoroso quando se fala sobre a segurança das fórmulas.

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Beleza limpa e viço natural na campanha da Doré.Foto: Divulgação


Como foi o processo de desenvolver produtos de beleza limpa?

Você tem que se esforçar por todos os lados para conseguir o que quer nesse sentido. E esse trabalho realmente ficou nas mãos da minha sócia maravilhosa, a Emily. Eu jamais teria conseguido fazer tudo isso sem ela. Em nenhum momento, a Emily dobrou os seus valores, pois é muito correta, muito justa, e espero que a nossa marca faça jus à postura dela. Criar produtos legais de beleza limpa não é tarefa fácil. Demanda paciência, dedicação e acho que essa paixão da qual eu falei que as pessoas precisam perceber em torno da marca.

A Doré faz parte de uma geração de marcas que promete minimizar a rotina de skincare das pessoas. No entanto, imagino que vocês pretendem crescer e lançar mais produtos no futuro. Como lidar com esse paradoxo?

Que pergunta boa! É muito importante para nós respondermos isso enquanto marca. Sinto que existem muitas categorias no mercado de beleza que precisam ser repensadas. São muitos setores, com muitos produtos, de modo que é difícil se situar, entender o que, de fato, você precisa. A missão da Doré é ser como um guia no meio dessa bagunça toda. É um pouco o paradoxo do paradoxo. (risos) Ainda tem muitos produtos que merecem uma versão simplificada, mais prática e mais eficaz. Esse é o nosso objetivo.

O que podemos esperar do futuro da Doré e quais são os seus planos pessoais daqui para a frente?

O sonho é que a Doré seja uma empresa que mantenha um ritmo saudável em sua caminhada e possa tocar pessoas de todas as gerações e de diferentes backgrounds. Queremos criar produtos que amamos e precisamos dividir com o mundo. Nosso lema é este: se tem amor, você consegue sentir. E, se der para se divertir no meio do caminho, ainda melhor. Pessoalmente, quero continuar escrevendo e explorando o que eu entendo ser uma vida bem vivida. Venho de uma família de imigrantes que tem uma mistura de culturas muito rica e bela, mas que, por vezes, te deixa meio perdida quando precisamos definir o que é bem-estar. Estou tentando escrever do meu jeito!