A little help from my friends

Cada vez mais atuantes na indústria de criação, Inteligência Artificial e Machine Learning têm tudo para ser bffs de designers e artistas.

Você já deve estar acostumado com lançamentos de produtos desenvolvidos a partir de coletas de dados e sistema de Inteligência Artificial (IA). Nos últimos anos, afinal, o mundo digital passou por uma forte aceleração e popularização desencadeada durante os meses mais duros da pandemia de Covid-19. Desde então, as empresas têm buscado investir cada vez mais em tecnologias, com a intenção de aprimorar suas estratégias e ser mais assertivas nas ofertas de produtos.

Em 2020, o mercado de e-commerce, por exemplo, representou 30% das vendas de moda no varejo nos Estados Unidos. E, à medida que mais marcas começam a estabelecer uma presença online, um forte impulso para a implantação de IA e Machine Learning (ML) está sendo feito, com o intuito de personalizar a experiência do usuário e, claro, fazer o segmento crescer ainda mais – segundo um levantamento da Accenture, em 15 anos, a Inteligência Artificial nas organizações será responsável pelo aumento de 40% da produtividade.

O assunto ainda assusta muitas pessoas, principalmente profissionais operacionais, já que um dos conceitos mais difundidos sobre a Inteligência Artificial é o de que a automação do sistema irá substituir o homem. Mas não é bem assim.

Para a IA funcionar de acordo com as expectativas, ela precisa ser bem alimentada. Em outras palavras, requer um conjunto lapidado de dados para que os algoritmos implementados consigam realizar uma análise completa de interpretação e de possível execução. As imagens que têm viralizado nas redes sociais nos últimos tempos, por exemplo, demandaram que as IAs conseguissem segmentar cada pixel em classificações variadas, algumas que a mente humana também consegue discernir, como cores, texturas, intensidades de brilho, formas etc., e outras que fogem ao olho humano.

Quanto mais variáveis, melhor a compreensão e o aprendizado da máquina – é o cruzamento entre todas as variáveis que faz a mágica acontecer. O computador aprende a essência de toda a produção visual com a qual foi alimentada e consegue criar novas imagens a partir dessa inteligência.

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E como isso já está acontecendo?

Programas como o Midjourney, uma ferramenta que traduz textos em imagens abstratas através dos seus algoritmos, estão estourando a bolha do universo da tecnologia e viralizando em redes sociais, como Twitter. Em agosto, o TikTok lançou o filtro AI Greenscreen, um recurso text-to-image que possibilita ao usuário criar imagens com base em textos fornecidos por ele.

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Théâtre D’opéra Spatial, do artista Jason M. Allen.Foto: Divulgação

 

Em setembro, Jason M. Allen levou o prêmio de artista digital emergente, na Feira Estadual do Colorado, nos Estados Unidos. A obra vencedora é a hiperrealista Théâtre d’Opéra Spatial, gerada por IA. No mesmo mês, um vídeo do diretor cinematográfico estadunidense Paul Trillo viralizou na internet. Nele, podemos ver sua esposa interagindo lentamente com objetos digitais, enquanto, através de séries de composições em stop motion, é possível ver em 30 segundos 100 peças criadas com de prompts de textos que guiaram o aplicativo de Inteligência Artificial DALL-E.

AI fashion show using dall-e to generate hundreds of outfits of the day after tomorrow. An interesting way to brainstorm costume and fashion design ideas.

 


Em sua entrevista para a Fast Company, Trillo explicou que, para que o aplicativo pudesse realizar as criações, ele usou descritivos como “camiseta de malha cor fúcsia”, “macacão lavanda”, “macacão fashion futurista retrô roxo com gola alta simulada, ombreiras de penas, moda de vanguarda, minimalismo japonês de 2040, Barbarella”. Destacou também que outra maneira de criar a coleção seria através de criações em 3D, mas que com a função de texto do DALL-E o processo foi muito mais rápido e eficiente.

De quais formas a Inteligência Artificial beneficia o mercado da moda?

Alguns apps já ajudam os consumidores a encontrar roupas que deem match com o seu estilo. THE YES – que foi adquirido pelo Pinterest em junho deste ano – e a ferramenta Style Shuffle, da Stitch Fix, atuam como um Tinder fashion: peças de diversas marcas aparecem na tela do usuário, que dá o seu like ou deslike, fornecendo assim para a IA um catálogo de peças com as quais se identifica. O computador aprende o gosto do usuário e seleciona itens em lojas online cujos estilos podem agradá-lo, tornando a compra mais rápida e certeira.

Durante os primeiros meses da pandemia, ASOS, Macy’s e Adidas se juntaram à startup Zeekit para oferecer provadores virtuais realistas aos clientes e produzir photoshoots digitais. A inteligência artificial da empresa mapeava com precisão o corpo de modelos ou de consumidores e aplicava realisticamente sobre eles as versões digitais das roupas que eram vendidas.

Já a Amazon tem investido no GeoStyle, uma ferramenta de IA que a empresa aposta como o futuro do trend forecasting – sim, as IAs também atuam na previsão de tendências, ajudando a detectar novos nichos de estéticas e subculturas. CottageCore, Acid Pixie e o mais recente, o Barbiecore, são ótimos exemplos. No caso da Amazon, o objetivo é identificar as tendências de moda em 37 cidades ao redor do mundo, além do clima de cada uma delas, e entender quais peças combinam melhor com as especificidades regionais, comportamentos, etnias e situações socioeconômicas.

Na mesma linha, a Startup Finesse criou uma ferramenta similar, almejando conquistar consumidores que desejam as últimas tendências na moda. Para o varejo, reunir essas denominações, hashtags, geolocalização e até as próprias fotos em algoritmos de Machine Learning e Inteligência Artificial torna o processo de criação, teste e pesquisa mais acessível, tanto para grandes quanto para pequenas marcas.

Através da sua própria IA, por exemplo, a Finesse cria o design de peças que seguem a tendência detectada para rapidamente produzir pequenas tiragens delas. A empresa usa um software de modelagem 3D e todas as suas roupas são sem gênero.

As novas e infinitas possibilidades criativas

Calma, por mais que a Inteligência Artificial possua diversos recursos que facilitam os processos de construção e pesquisa, ela não tem como substituir a criatividade humana. Criatividade não é algo que você simplesmente consegue extrair de um arquivo Zip.

Josephine Miller, artista digital londrina que explora o universo da moda, é uma das entusiastas da dobradinha homem-máquina e afirma que o processo criativo existe e é potencializado pelas inteligências artificiais. No caso dela, as ferramentas entram em cena principalmente na etapa de conceitualização.

“Faço um esboço digital de uma roupa que gostaria de criar e uso a IA para gerar diferentes versões desse esboço”, explica a artista. A partir daí, Josephine utiliza as várias opções geradas para incrementar seus desenhos iniciais. E lembra que se esse processo fosse feito fisicamente, levaria muito mais tempo.

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No cenário brasileiro, Eris Soares, integrante do BR Immersive Fashion Week, semana de moda digital local, acredita que os conhecimentos técnicos das produções de roupas digitais e físicas serão complementares. “O artista adiciona Machine Learning ao seu trabalho para se livrar das limitações do mundo físico”, fala.

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Uma publicação compartilhada por Eris Soares (@erissnail)

É no hibridismo que Eris aposta seus projetos. Com inspiração no universo dos games, ele desenvolve peças que servem como uma espécie de passaporte, conectando através de sensores o universo físico a um universo projetado digitalmente. São roupas que possibilitam a integração entre as nossas vidas física e digital – que se tornará muito mais imersiva ao seguir os avanços de realidade aumentada, realidade virtual e metaversos.

Sua coleção, que será apresentada na próxima edição do BRIFW, intitulada Gravidade Disnomia, é uma boa síntese dessa ideia –conta com um planeta virtual com 16 km exploráveis, onde seu avatar viverá uma aventura roteirizada até achar a versão física de Eris. É nesse momento que tanto roupas físicas quanto digitais serão compartilhadas entre os dois, revelando a coleção. A interação será feita com chips parecidos com os usados em cartões de crédito, responsáveis por enviar informações do mundo físico para o avatar digital.

Durante o evento, o avatar do artista e o mundo onde ele está – criado especialmente para a coleção – será projetado para o público. Enquanto Eris se movimenta fisicamente, o magnetismo das peças feitas de malha de ferro capta a posição do artista e, quando ele se aproxima suficientemente de uma delas, o avatar veste a peça escolhida por Eris no mundo físico.

 

 

A exploração da moda através de IAs é um campo fértil para a imaginação que não esbarra em problemáticas de execução. “A razão pela qual eu amo a moda digital é porque você não precisa seguir as regras da moda convencional. Por que respeitar as leis da física? Por que trabalhar com apenas um material e cor?”, indaga Josephine. De fato, seus projetos evidenciam a grande experimentação que a artista realiza.

Em um vídeo que mostra seus amigos em rápidas trocas de roupa, Josephine também se dedica à exploração da simbiose entre o físico e o digital. E acredita que tais experimentações via IA podem ajudar designers a decidir quais criações realmente devem ser produzidas, além de também abrirem uma janela para explorar múltiplas personas de usuários através de roupas digitais.

Um longo aprendizado para humanos e máquinas

Por mais brilhante que o futuro possa parecer, ainda há algumas problemáticas envolvendo IAs que precisam ser mais bem discutidas. Uma delas é a questão de direitos autorais.

“No momento atual, por mais que ela (a IA) crie imagens que não existam, as referências são de outros artistas. Temos alguns exemplos de imagens geradas por IAs que tinham pedacinhos de assinaturas, por exemplo, ou até mesmo a marca d’água do Shutterstock”, diz Eris.

Mas a verdade é que o processo de criação de imagens das inteligências artificiais acaba se assemelhando ao processo humano – quando artistas e designers criam suas obras, possuem um repertório de referências preexistentes. É assim que as IAs trabalham, através de um banco de dados fornecido a elas. De um background.

“Como vou patentear uma imagem para me proteger contra IAs sendo que elas podem pegar apenas a paleta de cor da minha imagem ou um pedaço dela?”, indaga Eris, que também reconhece que ainda não há uma resposta para uma discussão tão complexa.

Outra frente importante quando se fala em IA é a democratização, tanto nas imagens geradas quanto no acesso à ferramenta. No primeiro caso, a beleza das IAs é que elas adequam suas criações a qualquer corpo. Como evidencia Josephine, “não há desculpas possíveis para a falta de representação, agora que as marcas estão se tornando digitais”.

 

Já no segundo caso, o livre acesso a ferramentas de Inteligência Artificial é essencial para a democratização de expressões criativas nessa nova era. E isso, segundo Eris, é algo que ainda depende do mundo físico.

A educação de artistas e designers a respeito das possibilidades digitais é essencial para nutrir o ambiente digital de criatividade. “O código é aberto, mas, além do artista não saber disso, ainda há um lobby das grandes empresas para impedir que as informações cheguem a ele. A educação nesse sentido é realmente emancipadora”, afirma.

Para a moda, ainda é difícil imaginar todas as possibilidades que tais ferramentas de fato possibilitam. Desde a compreensão do consumidor para negócios mais assertivos até a potencialização do processo criativo de designers, o que é possível evidenciar é que o impacto das inteligências artificiais no setor é promissor.

A união entre os universos físico e digital, afinal, já não é mais só uma opção, mas, uma oportunidade de explorar um campo criativo cujas possibilidades são infinitas.

As imagens desse artigo foram geradas a partir da inteligência artificial do aplicativo Dream, disponível para Android, iOS e também através do site oficial da ferramenta: https://app.wombo.art