Meta-morfose

Navegando na Web 3.0, mapeamos artistas e iniciativas que vão da criptoarte a mundos virtuais.

A implicação da tecnologia sobre a vida cotidiana só cresce. Da maneira de pedir uma pizza a todo o sistema de transporte nas grandes cidades, o impacto do digital perpassa todos os campos, inclusive o da arte. Se a conversa entre arte e tecnologia já dura quase quatro décadas – datam do início dos anos 1980 as primeiras experiências usando a computação gráfica –, a chegada da realidade aumentada e da chamada Web 3.0 deixa uma interrogação sobre um novo capítulo dessa história, em que blockchain e metaverso passam a figurar no vocabulário.

Desde a introdução dos Non-Fungible Tokens (NFTs), uma nova leva de artistas passou a vender obras e exibir seus trabalhos em galerias virtuais. Com cores, composição e comportamento das formas regidos por códigos, criadores passam a ostentar habilidades de programadores (ou trabalhar em parceria com eles). Mesmo que o mundo em que as pessoas atuam como avatares ainda pareça distante (e bizarro) para a grande maioria, espaços dedicados à arte em universos virtuais, como Decentraland, Roblox e Sandbox, começam a tomar forma, assim como a posse de terrenos virtuais, roupas digitais e obras de criptoarte. Apresentamos aqui nomes e projetos para quem quer se aventurar um pouco nessa nova (e ainda muito volúvel) cena.

BRASILEIROS NA ÁREA:

Monica Rizzolli

Com uma carreira de artista convencional em andamento, Monica partiu para uma temporada na Alemanha em 2012. Foi na faculdade de artes da cidade de Kassel que se interessou por softwares de programação específicos para artistas visuais. De volta ao Brasil, ajudou a criar um encontro regular sobre arte e programação (Noite de Processing), no Garoa Hacker Clube, um hackerspace no bairro de Pinheiros, em São Paulo. No ano passado, sua série de NFTs gerativos Fragmentos de um campo infinito, formada por 1.024 imagens, foi vendida por 1.623 ethers, cerca de 5,38 milhões de dólares, em um leilão na plataforma Art Blocks. A obra foi inspirada pelo universo das plantas e sua relação com o meio ambiente – estações do ano, movimento das folhagens, diferenças sutis e ação do tempo. O trabalho tinha ainda um adicional: as paisagens criadas por software só eram geradas/reveladas no momento da compra.


Ottis Ots

Artista por trás do Purple Valley (um filtro de realidade aumentada que transforma o verde em roxo), Aberto Brant – que usa o nome Ottis Ots como designer – criou uma estética de florestas, arbustos e todo tipo de vegetação em tons violeta. Para além de seu próprio trabalho artístico, ele atua como arquiteto de mundos virtuais, construindo edifícios dentro de plataformas como a Voxels. “Metaverso é quase uma religião. Quase uma filosofia. Cada pessoa vai definir de uma maneira diferente”, explica na palestra de introdução que costuma oferecer sobre o tema, enfatizando a importância da participação ativa dos usuários para a criação das regras e o funcionamento desses novos ambientes.

“Metaverso é quase uma religião. Quase uma filosofia. Cada pessoa vai definir de uma maneira diferente”

 


@geanc

Morador do Morro de Santo Amaro, no Rio de Janeiro, Paulinho perdeu sua casa em um incêndio. Para ajudá-lo a arrecadar fundos, uma peça colecionável em NFT intitulada O barraco foi desenvolvida pelo artista @geanc com a colaboração de diversos outros artistas. @Geanc, ou Gean Guilherme dos Santos Lopes, é o nome por trás de diferentes iniciativas envolvendo cultura, tecnologia, criptoarte e ação social, como a @socialcryptoart. Morador da mesma comunidade de Santo Amaro e estudante de design de produto na PUC-Rio, ele procura conectar a realidade da favela ao território de metaversos, somando as forças dos dois territórios.


ALGUMAS (DAS MUITAS) EXPERIÊNCIAS PELO MUNDO

KAWS

Oriundo da street art, o artista apresentou em fevereiro deste ano sua exposição New fiction na prestigiosa galeria Serpentine, em Londres, com uma versão digital paralela do programa lançada simultaneamente no videogame Fortnite. Todas as pinturas e esculturas da exposição, bem como uma versão em miniatura de toda a mostra, foram feitas como obras de realidade aumentada. Em uma das peças mais contundentes, seu famoso personagem aparece como um faxineiro esquelético que faz uma limpeza por entre as telas de uma elegante galeria de arte.

 

Nick Knight

Tido como um dos fotógrafos mais visionários do mundo da moda, Knight coleciona colaborações com Yohji Yamamoto, John Galliano e Alexander McQueen. Em agosto, seu estúdio estreou no blockchain com o lançamento de obras na fronteira entre arte e a moda – colecionáveis de roupas, cabelos e unhas estilizados por ele em colaboração com a modelo Jazzelle Zanaughtti (@Uglyworldwide).

 

UM PASSEIO PELAS GALERIAS NO DECENTRALAND E VOXELS

Sem vontade de ir aos Jardins ou à Barra Funda, onde estão concentradas as principais galerias de arte paulistanas? Voxels e Decentraland, dois dos mais conhecidos mundos virtuais que podem ser acessados via navegador, concentram galerias. Embora a qualidade do que é apresentado seja bastante discutível, vale ver o que está surgindo e vislumbrar novas possibilidades que começam a se desenhar. Plataformas de venda de NFTs, como KnownOrigin e SuperRare, por exemplo, ostentam galerias próprias nos dois mundos. Mas é no Voltaire Art District, da Decentraland, que a famosa casa de leilões Sotheby’s resolveu abrir sua unidade virtual. Quando você entra no espaço, o avatar do leiloeiro da Sotheby’s em Londres, Hans Lomulder, cumprimenta todos os visitantes digitais, como sempre faz na vida real na Bond Street, na capital inglesa.

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INSTITUIÇÕES TRADICIONAIS ENTRAM NA DANÇA

Ainda entendendo como a cena 3.0 vai se articular, os museus e centro culturais procuram modos de integrar as novas tecnologias à sua programação. O Itaú Cultural, por exemplo, criou no último mês de julho uma exposição com 16 obras de artistas consagrados – Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Berna Reale, Regina Silveira, Sandra Cinto, Vicente de Mello e Vik Muniz, entre eles – e lançou paralelamente um chamado para financiar projetos de arte e cultura no metaverso, com o resultado a ser divulgado em breve.

Sem saber como navegar nos novos mares, essas instituições não raro convidam parceiros especializados no digital. No Rio, o Sesc Tijuca criou a Ocupação Metaverso e Arte, uma série de oficinas criadas com o Museu.XYZ, vinculado, por sua vez, à pós-graduação em mídias criativas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Já a plataforma Aarea, fundada em 2017 por Marcela Vieira e Livia Benedetti, comissiona e exibe trabalhos de arte concebidos especialmente para a internet e já desenvolveu parcerias com instituições como Jeu de Paume (Paris), Bienal de São Paulo e CCA Wattis Institute (São Francisco, EUA). Atualmente, está em cartaz na plataforma uma obra da artista mineira Cinthia Marcelle desenvolvida em parceria com o Macba (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona), onde a artista tem exposição em cartaz até janeiro de 2023.