Os terrenos não existem – de forma física pelo menos. Ainda assim, investidores experientes estão desembolsando valores milionários em busca de um pedaço da próxima Quinta Avenida ou de um cantinho na área que promete ser a nova Avenue Montaigne, dessa vez virtual. Pois é, a disputa pelo pioneirismo no metaverso gerou um boom não só nos preços de NFTs, criptomoedas e wearables para os avatares, mas também no valor de terrenos nesse mundo. Quer saber como funciona esse mercado? Nós explicamos.
Em novembro de 2021, um lote no jogo Decentraland, espécie de sucessor do Second Life, foi vendido por 2,4 milhões de dólares, no hype da mudança de nome do Facebook. Uma semana depois, uma propriedade no The Sandbox, metaverso de estética pixelada inspirada no Minecraft, foi adquirida por 4,3 milhões de dólares, o equivalente a 22,5 milhões de reais, na cotação atual. Mesmo depois de uma queda considerável nos preços nos últimos meses, o valor total dos imóveis nas principais plataformas ainda é avaliado em 1,5 bilhão de dólares, segundo a plataforma WeMeta.
Sem imobiliárias ou cartórios, esses imóveis são vendidos como NFTs pelas próprias plataformas ou por outros jogadores, com os pagamentos sendo processados em criptomoedas. Um espaço pequeno nas principais plataformas começa por volta de 1 ETH, ou cerca de 7 mil reais.
De posse desses terrenos, os donos podem desenvolver os espaços, criando shopping centers, cassinos ou galerias de arte, por exemplo, ou simplesmente esperando uma eventual valorização futura, em uma versão futurista da especulação imobiliária.
Condomínio de ultraluxo da EveryRealm na Sandbox.
Imagem: Divulgação
Por trás da transação recorde de 2021 está a EveryRealm, empresa especializada na aquisição, gestão e desenvolvimento de imóveis virtuais. A CEO da empresa, Janine Yorio, explica que atuava com o mercado imobiliário tradicional – de tijolo e cimento – antes de começar a experimentar com os ativos do metaverso. Deu tão certo que a empresa acabou se tornando independente em abril do último ano.
Atualmente, a EveryRealm é dona de terrenos em mais de 30 plataformas diferentes, com mais de 4.000 NFTs. Alguma das propriedades são o Metajuku, shopping fashion no Decentraland inspirado no distrito de Harajuku, em Tóquio, e o The Row, série que imagina como seriam as casas no metaverso, realizada em parceria com artistas como Daniel Arsham e Andrés Reisinger.
Uma espiadinha no Metajuku, área da EveryRealm inspirada no distrito de Harajuku, em Tóquio.Imagem: Divulgação
A CEO explica que, para transformar os espaços vazios em mundos interativos, a empresa conta com um time de designers, arquitetos, desenvolvedores de jogos e animadores – Yorio cita Brasília como um exemplo das possibilidades de um espaço guiado pela imaginação dos arquitetos.
Ainda assim, qual é a utilidade real de um imóvel que não existe de forma física? E por que esses terrenos são tão caros, chegando aos milhões de dólares?
A ideia não é se mudar para o metaverso – pelo menos por enquanto. Janine explica que, apesar de a nomenclatura sugerir uma semelhança com ambientes físicos utilizados para trabalhar ou dormir, esses imóveis têm uma utilidade mais próxima a um velho conhecido da web 2.0, os banners.
“É um pouco como possuir um banner num website. Se você é o dono do banner, pode trocar o conteúdo, fazer propagandas ou botar uma foto de sua família se quiser. Você é o dono daquele espaço. É isso que é um imóvel no metaverso: é possuir espaço em um website, mas, nesse caso, o site é um videogame 3D interativo.”
Alguns dos usos populares são ativações de marcas, exposições de arte ou coleções de NFTs, mas a moda é um dos principais motores dessa ocupação inicial. Um dos espaços mais caros do metaverso é o Fashion District do Decentraland, palco da primeira semana de moda do metaverso, ocupado por lojas de marcas como Forever 21, Dundas, Dolce & Gabbana e Elie Saab. No The Sandbox, Adidas e Gucci já garantiram seus terrenos para o futuro.
Baladinha durante a Metaverse Fashion Week 2022, na Decentraland.Imagem: Divulgação
Como nos banners, o valor daquele espaço estaria ligado ao tráfego total que recebe, algo influenciado diretamente pela localização do terreno. No The Sandbox, por exemplo, os terrenos mais valorizados são aqueles vizinhos ao do rapper Snoop Dogg, um early adopter da plataforma.
“O metaverso ainda está no começo. As pessoas estão pagando um preço hoje baseado no que elas acham que vai valer no futuro”, afirma Janine. “O que dá valor à terra é a escassez e a percepção de que só uma quantidade limitada será feita.” Apesar de não haver limites físicos como no mundo real, essas plataformas possuem um número limitado de lotes. A Decentraland foi dividida em 90 mil terrenos, já o The Sandbox possui 160 mil lotes.
“No mundo real, a oferta é limitada. No mundo virtual, podemos ter inúmeros metaversos e de tamanhos distintos. Porém, atualmente, há uma limitação do número de metaversos e da oferta de terrenos virtuais nesses ambientes”, diz Leandro dos Santos Maciel, professor de finanças da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP). É essa percepção que faz os terrenos serem vendidos por milhões de dólares.
“A precificação é feita de maneira subjetiva, ou seja, com base na demanda, na disposição de alguém a pagar certo valor por qualquer um desses ativos digitais”, diz Edemilson Paraná, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro
Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico. “Não há uma base em ativos fixos, em custo de produção, bens materiais concretos, nenhuma base mais tangível dessa natureza. Essa diferença aponta para um caráter especulativo muito mais intenso, volátil e imprevisível para esses ativos em relação a outros.” Ou seja, a variabilidade de preços pode ser gigante, assim como o risco envolvido. “Se essa variabilidade é maior, potenciais de ganho e perdas também são maiores”, afirma Maciel.
O lado negativo dessa variação já é sentido. Apesar da projeção de um mercado potencial de 5 trilhões ligado ao metaverso até 2030, divulgada pela consultoria McKinsey em junho, os criptoativos estão em queda brusca. Se em novembro de 2021 o Sandbox movimentou 44 milhões de dólares em uma semana, em setembro de 2022, esse valor ficou em 350 mil. O número de jogadores simultâneos também despencou, indo de 2.500 para cerca de 500.
Ainda assim, os investidores continuam acreditando no potencial desses espaços. “Há uma geração massiva que prefere espaços de videogames ao Instagram. Essa é a tendência de longo prazo que estamos observando”, conclui Janine.