Pense na vontade de produzir de quem acaba de concluir a universidade, na dedicação de quem está decidido a reduzir o desperdício na cadeia de moda e nas assombrações que atormentam lugares profundos do subconsciente. Some os elementos e, como resultado, você irá encontrar
Liza Keane, Anika Leila e Mayari Jubini. Entre referências ao apocalipse e aos símbolos melancólicos, as designers investem tempo e energia para imaginar uma união profana entre a moda e o terror. Seja bem-vindo ao lado sombrio da força. Aposto que você não o imaginava tão glamoroso.
Liza Keane
Look da coleção da estilista Lisa Keane.Divulgação
Em sua coleção de pós-graduação, que despertou a atenção das mídias sociais, havia alguma espécie de cólera. Enquanto algumas peças possuíam uma aparência machucada, outras se agarravam ao corpo como se estivessem encharcadas de suor. Cada minúcia observada era reveladora, dilacerada e, às vezes, até perturbadora. Sobretudo, porém, se destacava a coragem da estilista de 26 anos, que faz de seu processo criativo um lugar seguro para a autodocumentação.
Criada em Londres, Liza imergiu em sua psique a fim de desenvolver um trabalho entranhado em seus próprios pensamentos, em resposta a tudo o que em um dia já ignorou em si. Foi assim que os seus segredos, antes bem guardados, viraram peças de roupa, agora já usadas por FKA Twigs e Julia Fox. Inspirada pela psicanálise e pelo Tumblr na mesma medida, a designer ultrapassa limites sem voltar atrás. Afinal, como a mesma diz, é tudo orgulhosamente sobre “uma garota se transformando em uma fera”.
Look de Lisa Keane em construção.Divulgação
Quando se deu o seu interesse por moda?
Sempre me interessei por esculturas. Ainda criança, aprendi a desenhar e comecei a fazer obras com barro, mas não entendia que a arte poderia se tornar um trabalho real. Então, sinceramente, hoje percebo que caí na moda só porque eu tinha medo de não conseguir ganhar dinheiro como artista. E acho que as referências do Tumblr de 2010 também desempenharam um papel importante.
(risos)
Como você chegou até a estética de seus designs?
Nos meus projetos, todas as ideias são conduzidas emocionalmente, partindo das minhas experiências pessoais. No início, eu odiava o que criava porque sempre era muito honesto e vulnerável. Era doloroso de olhar. Mas aos poucos passei a me orgulhar de fazer isso. No ano passado, o material foi inspirado nas teorias existencialistas de Jung. O meu cuidado é fazer com que esse conceito não tome conta. Acredito que boa parte dos estudantes de moda desenvolve peças que, em algum momento do processo criativo, deixam de ser roupas. Não quero ser esse tipo de estilista. Fazer uma roupa usável não precisa ser chato.
Os símbolos de terror são uma resposta a algo?
Sim. Meu trabalho está repleto de simbolismo. Graças a meu interesse por psicanálise, hoje o conceito básico é a recuperação do meu lado mais sombrio. Porém confesso que achei engraçado quando alguém me disse pela primeira vez que minhas roupas eram apocalípticas. Eu não enxergava assim. Mas depois me toquei que as fiz em um momento de raiva, o que acho positivo. Há algo de produtivo nisso. Não é sobre ser um desabafo. É mais sobre a visão de como a mulher pode agir e o tipo de autonomia e poder que pode ter. É como se uma garota se transformasse em uma fera.
Modelo da coleção de Lisa Keane.Divulgação
A moda precisa ser bela?
A moda precisa ser desejável. A interpretação da beleza é vaga. Em boa parte, ela é subjetiva. Eu suponho que o trabalho de um designer seja investigar isso, entendendo que esses são conceitos diferentes.
O quanto a experimentação é importante no que você faz?
Todo o meu processo é a partir de tentativa e erro. Não há fim. É trabalhoso, pois lido com questões complexas na construção e fabricação. Misturamos várias técnicas tradicionais a materiais vanguardistas para inventar novas maneiras de fazer as coisas. Pode ser algo visualmente notável, como as peças de couro esculpidas, ou menos óbvias, como um tipo específico de acabamento. Seja como for, o mesmo nível de atenção é dado em todos os aspectos. Eu gosto de manter as coisas divertidas.
Como você espera que uma pessoa se sinta ao vestir sua roupa?
Em casa, em seu próprio corpo, como se estivesse usando uma segunda pele protetora, uma espécie de armadura psicológica.
Qual o seu filme de terror favorito?
Anticristo, de Lars Von Trier.
Quem você convidaria para uma festa de Halloween?
Talvez Francis Bacon. Ele deveria ser divertido em festas.
Qual seria a sua fantasia?
Um gato bem fidedigno.
Qual será o seu próximo passo?
No momento, estou trabalhando em algumas peças para as lojas. Mas, quando eu finalizar, pensar em uma nova coleção será divertido.
Anika Leila
Look da coleção de Anika Leila.Divulgação
Seja o da modelo recém-descoberta, o da capa de revista ou o amedrontador da editora sentada na primeira fila, os rostos são há muito tempo uma obsessão permanente da moda. Ao longo da última década, por algumas vezes, eles chegaram até a ser estampados diretamente nos tecidos. Aos 23 anos, Anika Leila tem levado o movimento ao extremo, mas garante: as suas ideias em nada têm a ver com a era das selfies ou com o tal narcisismo inofensivo.
Recém-formada na Central Saint Martins, em Londres, a estilista, nascida no sul da Ásia, apresenta retratos surreais, ora macabros, ora hipnotizantes, impressos em vestidos sensuais. Ali nada é à toa: as bocas abertas, os olhos fechados e as proporções distorcidas são uma referência aos monstros de sua infância, resgatando as suas memórias mais antigas e evocando a sua criança interior, então adormecida. À medida que os lançamentos se esgotam em poucos segundos, Anika olha para trás para seguir em frente.
Modelo veste criação de Anika Leila.Divulgação
Quando se deu o seu interesse por moda?
Eu e meus irmãos passávamos os verões com a nossa avó em Birmingham. Ela tinha um estúdio de costura improvisado em sua sala de estar. Era costureira e modelista e confeccionava roupas para muitas famílias da cidade. Foi a minha primeira referência. Eu era curiosa e a observava. Isso gradualmente se transformou no desejo de ir além. Lembro de trabalhar duro no Creams Cafe para conseguir comprar a minha primeira máquina de costura, e depois um manequim.
Como você chegou até a estética de seus designs?
Olhando para trás, sinto que a minha estética está diante de mim desde a infância. Sempre tive a visão ruim e, quando criança, não usava meus óculos, então colocava um foco extra no rosto das pessoas. Eu tinha um fascínio por isso. Era repreendida por rabiscar rostos em mesas, no caderno de lição de casa, no livro de matemática. Depois continuei experimentando e desenvolvi técnicas, o que me levou até onde estou agora.
Os símbolos de terror são uma resposta a algo?
Muito do meu trabalho tem a ver com memórias. Sinto um senso de urgência para extrair e documentar lembranças, sejam elas boas ou ruins. Quando eu tinha 6 anos, descobri um jogo ao qual por alguma razão me mantive apegada. Ele era sobre a jornada de uma garota que enfrenta criaturas e monstros para recuperar seu coelhinho. Usei os elementos desse videogame para contextualizar a minha vida. Cada pessoa que se depara com as peças enxerga um significado diferente. Mas um rosto, de um monstro ou humano, será sempre um rosto.
A moda precisa ser bela?
São conceitos capazes de se misturar perfeitamente. Vejo ambas as palavras sob uma identidade gigante e coesa. Elas se complementam bem, mas não precisam suprir as expectativas alheias.
O quanto a experimentação é importante no que você faz?
Ter a capacidade de experimentar é uma bênção para mim. Não gosto de depender de máquinas. Até as minhas estampas são feitas inteiramente à mão. Quando estava na escola, os tutoriais de maquiagem no YouTube estavam explodindo e eu passei a coletar as maquiagens vencidas das minhas amigas para, nas aulas de arte, brincar no papel. Depois, levei isso para o tecido. Hoje todos os rostos são pintados nas roupas por meio da maquiagem. Exploro quais cores posso usar, quais tons de base, quais tipos de máscara de cílios. A parte mais difícil do processo foi desenvolver uma fórmula não tóxica de selante para que os desenhos se tornassem laváveis e permanentes.
Estampa em camiseta de Anika Leila.Divulgação
Como você espera que uma pessoa se sinta ao vestir sua roupa?
Quando comecei a fazer peças para vender, me senti emocionalmente apegada, mas, depois de vê-las em outras pessoas, foi uma sensação insana de euforia. Quero que a minha roupa seja para todos. Quero que os meus clientes se sintam como os personagens principais de sua própria vida.
Qual o seu filme de terror favorito?
Coraline.
Quem você convidaria para uma festa de Halloween?
Há tantas pessoas. Bella Hadid seria uma delas. Eu também gostaria de vesti-la para a festa.
Qual seria a sua fantasia?
A de Coraline outra vez. Sem deixar de colocar botões como olhos.
Qual será o seu próximo passo?
Tenho trabalhado duro em alguns projetos, que serão lançados muito em breve. Estou empolgada! Além disso, pretendo continuar experimentando coisas novas. Agora que a faculdade acabou, também pretendo me dar um breve descanso. Quero ser uma estilista feliz.
Mayari Jubini
Modelo em look de Mayari Jubini.Divulgação
Anitta, Luísa Sonza, Iza, Pabllo Vittar e até Demi Lovato. Vestir artistas de uma lista estrelada como essa pode ser um sonho para muitos estilistas brasileiros. Para Mayari Jubini, porém, já é realidade. Nascida em Cariacica, Espírito Santo, a designer, de 27 anos, contrariou as estatísticas e, na prática, refutou as expectativas alheias. Hoje, à frente da Artemisi, impulsiona o que antes era apenas o seu trabalho de pós-graduação na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.
Mayari não é a primeira a encontrar inspiração em filmes de terror. Essa é, na verdade, uma fonte infiltrada na moda há pelo menos algumas décadas. No entanto, a capixaba rastreou a beleza no taciturno, ignorando as imagens preestabelecidas e surpreendendo pela excelência na técnica. Os símbolos sombrios, as cores ácidas e as influências elétricas acionam o alívio e o susto na mesma medida.
Demi Lovato em look Mayari Jubini.Divulgação
Quando se deu o seu interesse por moda?
Eu cresci em um bairro periférico. A moda era muito distante da realidade social que eu vivia. Para você ter noção, a primeira vez que comprei uma revista de moda na minha vida foi para ver uma roupa minha que havia sido publicada nela. Quando mais nova, eu não conhecia ninguém que trabalhasse com moda, mas sempre disse que seria estilista. Eu era uma criança afrontosa.
(risos) As pessoas falavam que esses sonhos não eram para mim, mas nunca me importei.
Como você chegou até a estética de seus designs?
O futuro sempre foi uma área de pesquisa minha. E, quando falo de futuro, não falo só sobre essa imagem já construída, mas sobre o que está à frente do seu tempo. Ao longo da história, existiram pessoas que criaram ideias muito marcantes. Visões inventadas décadas atrás, mas que até hoje enxergamos como futuro. Para mim, tem a ver com experimentação, exploração e inovação. Quero mostrar que a estética futurista não é só roupa prateada.
Os símbolos de terror são uma resposta a algo?
Eles vêm do meu afeto por cinema, literatura e arte. Eu sempre busquei enxergar a moda não apenas por sua ligação com a roupa, mas por sua conexão com todas as outras esferas criativas. Quando eu crio, todas elas estão muito unidas na minha mente. Como sou especialmente aficionada por filmes de terror, foi uma referência que surgiu naturalmente para mim.
A moda precisa ser bela?
O conceito de belo vem de uma construção social. Teoricamente, a moda não deveria se limitar apenas ao que é agradável aos olhos. Mas dizer isso chega a ser ilusório, visto que algumas ideias são profundamente enraizadas. Eu entendo que a beleza varia de acordo com o meio, a época e a classe social. A moda não deveria precisar do belo, mas precisa e talvez sempre precisará.
Look de Mayari Jubini.Divulgação
O quanto a experimentação é importante no que você faz?
É totalmente importante. Faço questão de abordar as mais variadas técnicas. Já fiz roupa impressa em 3D. Já montei cristal manualmente. Já fiz pinturas e estampas localizadas… Uma infinidade de coisas. Sou apaixonada por isso. Sinto prazer em trabalhar com as mais diversas possibilidades.
Como você espera que uma pessoa se sinta ao vestir sua roupa?
A insegurança tem sido muito predominante, principalmente por causa do efeito causado pelas redes sociais. Então, a minha principal intenção é resgatar a confiança. Para cada cliente, eu analiso individualmente o que irá trazer de volta a sua segurança, seja uma cor agressiva, uma roupa sensual, um símbolo moderno ou os três juntos.
Qual o seu filme de terror favorito?
Essa pergunta é difícil, mas vou falar alguns.
Freaks, um filme de 1932, que é tido como terror, mas que para mim é lindo. Eraserhead, de David Lynch. Nosferatu, um clássico do expressionismo alemão. O bebê de Rosemary e Carrie, que até me inspirou uma roupa.
Quem você convidaria para uma festa de Halloween?
Pode ser alguém que já morreu, né? David Lynch seria uma companhia maravilhosa. Teríamos muito para conversar.
Qual seria a sua fantasia?
Iria com a estética de
Hellraiser, outro filme que adoro.
Qual será o seu próximo passo?
Na verdade, são os passos que já estou dando. Tudo que eu pretendo fazer tem a ver com o presente. Não gosto muito dessa coisa de sonho. Sou da ação.