Na vida ou na moda, o que haverá no terror que parece, a um só tempo, tão repulsivo, angustiante e sedutor? Inspirações vindas da literatura e do cinema povoam nossa imaginação com seres e situações sobrenaturais, que, se nos assustam, também nos fazem questionar os limites da realidade e de nossas crenças, mesmo que só enquanto durar o filme, mesmo que só até virarmos a última página antes do fim.
Freud dizia que o mais assustador é aquilo que está suficientemente próximo. Para isso, usou uma palavra que já foi traduzida como “inquietante”, “estranho” e, talvez com maior precisão, como “infamiliar”. Infamiliar como o pai que se revela assassino em
O iluminado. Infamiliar como o parente que se transforma em zumbi, como o aparelho eletrônico que se revela passagem a outro mundo, como as muitas festas de amigos que se transformam em carnificinas.
Essa ideia do terror como inimigo íntimo está em boa parte das produções e, na moda, foi brilhantemente acessada por Raf Simons em suas coleções para a Calvin Klein. Se a partir dos anos 1950 muitas produções cinematográficas foram lidas como alegorias políticas, que se referiam a inimigos externos, fossem aliens invasores ou zumbis e serial killers, o que Raf faz é mostrar que a ameaça pode estar na sala, no quintal.
Outras marcas como Rick Owens e Comme des Garçons colocam essa questão bem perto do corpo, do como podemos ser e somos esquisitos em nossas relações mais íntimas com nossa própria existência, com os próprios limites da matéria de que somos feitos, da pele que habitamos e que nos habita.
Em cada closet, moram esqueletos mais ou menos bem vestidos.
O terror nos coloca diante de monstros que podem mudar aquilo que somos, que mexem com nossas identidades e ameaçam destroçá-las, o que muitas vezes parece pior do que um golpe fatal. Nos angustiamos diante deles e, ao final da jornada, nos sentimos aliviados, como se nos permitissem entrar em contato com algo que escapa às conversas de rotina e mesmo aos papos e análises puramente focados na racionalidade.
Quando queremos domesticar o terror, recorremos a coisas que parecem torná-lo mais mundano. Em geral, recorremos a certa ideia de sexy: vampiras, bruxas, mortas-vivas, todas elas com roupas justas, curtas, retratadas com curvas generosas, peitos e bundas de fora. Embora possamos ler isso como algo ousado ou talvez contrário à ideia de submissão, também podemos pensar que é uma estratégia de enquadrar o desconhecido em uma imagem conhecida, na linha gostosa e perigosa.
O que o terror pode nos dizer do sexual em geral é bem mais assustador que um feminismo do além, talvez porque tenha a ver com um mistério que de fato não pode ser visto. Sabe como o monstro ou a ameaça são bem mais aterrorizantes antes de aparecer? Assim mesmo.
Mesmo em um registro mais cômico, digamos, de um look assustador de tão feio ou cafona, podemos observar esse efeito, ainda que mais enfraquecido. Até que o primeiro shade apareça, até que o primeiro membro da fashion police se manifeste e coloque aquilo em palavras descritivas ou depreciativas, paira no ar certo terror da pura presença do infamiliar.
Fato é que não adianta fechar os olhos e fingir que essa sensação não existe. Em cada closet, moram esqueletos mais ou menos bem vestidos que, mais cedo ou mais tarde, cada um de nós terá de encarar na calada da noite.