Quebrando o tabu

Com apenas 20 anos, a modelo Maju de Araújo já é embaixadora de duas marcas internacionais, desfila em passarelas de vários países e faz questão de levantar a bandeira da diversidade e do respeito por onde passa.

O maior desafio na hora de conversar com a modelo Maju de Araújo é não deixar escapar um sorriso ou uma risada durante o papo. Com apenas 20 anos, Maju é uma pessoa com deficiência: tem síndrome de Down, algo que a sociedade enxerga como um fator limitante para fazer muitas coisas. Para ela, no entanto, o desafio de ir contra a sociedade não foi nada se comparado à vontade de realizar seus sonhos. 

“Desde pequena, em qualquer evento que nós fôssemos, de festas de família a lugares em que ela não conhecia ninguém, ela falava para a mãe: ‘Avisa que eu estou chegando e quero entrar desfilando’”, lembra Larissa, irmã de Maju, que hoje a acompanha na atribulada rotina profissional.

Quando dizemos que a agenda da modelo é disputada e muito corrida, não é força de expressão. Quando conversou com ELLE View, Maju estava prestes a embarcar em um cruzeiro para o Qatar, país que vai sediar a Copa do Mundo 2022, dias antes do início do megaevento, para divulgar uma das rotas da MSC, uma gigante internacional do turismo e líder em viagens de navio na Europa e na América do Sul.

 O motivo? Seus mais de 700 mil seguidores – são 650 mil no Instagram e quase 60 mil no TikTok. Em suas redes, a carioca compartilha conteúdos relacionados a moda, autoestima, inclusão e lifestyle. “Gosto de trabalhos assim, pois acabam sendo uma mistura de trabalho e férias, porque eu amo o que faço”, ela completa.

Além das publicidades, o sucesso nas redes sociais também ajudou Maju a conquistar espaço no mundo da moda. Ela foi a primeira influenciadora com síndrome de Down a desfilar na semana de moda de Milão – em 2022, inclusive, foi o segundo ano consecutivo em que ela desfilou para marcas como Vestô, Libertees Brasil e Catarina Mina. Além disso, este ano também marcou sua estreia na São Paulo Fashion Week ao cruzar as passarelas para a marca Ponto Firme, do estilista Gustavo Silvestre.

“Participar do SPFW foi muito importante e me ajuda a cumprir meu propósito, que é inspirar as pessoas. Quero que outras meninas também se sintam lindas e saibam que podem sonhar. Eu amo ser Down e acredito que todo mundo pode realizar o que deseja”, pontua.

 

Entrevista Maju

 

Eu sou uma pessoa real”

Fora das salas de desfile, ela brilha também como embaixadora da Lancôme e da L’Oréal Paris, gigantes do mercado de beleza que, cada vez mais, se interessam em encontrar aliadas e garotas-propaganda que representem a diversidade. Os números comprovam a preferência das marcas a investir em pessoas como Maju. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, 17,3 milhões de brasileiros com 2 anos ou mais de idade (8,4% dessa população) têm algum tipo de deficiência entre as condições investigadas. O Censo, a maior pesquisa de demografia populacional do país, vai além ao apontar que cerca de 1/4 da população do Brasil possui alguma deficiência – o equivalente a pelo menos 45 milhões de brasileiros.

“Pessoas com Down também são um público consumidor. Não faz sentido existirem propagandas em que as pessoas não se enxerguem. Você quer consumir o que é feito para você. E isso vale não só porque eu sou PcD, mas por ser uma mulher não tão magra, mais baixa”, Maju detalha. “Mais do que uma pessoa com deficiência, ela é uma pessoa real. Quando ocupa esse espaço, todo mundo vê que ela tem o poder de comunicar beleza”, completa Larissa. 

O respaldo dos dados e o apoio de gigantes do varejo não significam, no entanto, que a caminhada até aqui tenha sido fácil. Mesmo como um dos principais nomes quando o assunto é diversidade e tendo o rosto estampado em campanhas no Brasil e no mundo, os bastidores ainda podem trazer obstáculos. “Estou muito fora do padrão das passarelas, que têm modelos muito altas e muito magras. Isso traz problemas com a adaptação de roupas, principalmente, que nem sempre vestem bem e me deixam constrangida na hora de entrar na passarela”, explica Maju.

Além disso, a adaptação da linguagem e o cuidado no geral também podem causar problemas para a modelo na hora de exercer sua profissão. “Por ser uma pessoa com deficiência, falta cuidado na hora de falar com ela ou passar alguma mensagem. Também já aconteceu de deixarem ela de pé, esperando durante muito tempo. Sabemos como funcionam os bastidores de um desfile ou de uma campanha, mas, ao trabalhar com uma pessoa com deficiência, isso requer mais atenção e paciência”, completa a irmã. 

 

Entrevista Maju

Da semente aos frutos do trabalho

Se hoje, aos 20 anos, Maju conquistou seu lugar sob os holofotes e consegue aproveitar uma carreira na moda e na publicidade, muito do mérito é de sua família. Filha da empresária Adriana de Araújo (que também faz a função de assessora e empresária de Maju) e do analista de sistemas Orlando Pereira Dias, são eles que incentivaram a garota e escutaram suas vontades desde pequena. 

Os ouvidos ficaram ainda mais atentos quando, na adolescência, Maju contraiu uma meningite e ficou alguns dias em coma devido à doença. Quando acordou, disse para a mãe uma frase que ficou marcada em sua memória: “Quero ser uma modelo famosa”.

O talento para tal sempre esteve presente, é bom lembrar. Além do episódio que abre esta reportagem, sobre a obsessão de Maju por desfilar, suas caras e bocas para as câmeras – inclusive durante nossa entrevista, que aconteceu por videochamada – acabaram se tornando sua marca registrada e datam de antes da fama. 

Foram elas, inclusive, somadas ao carisma inegável da modelo, que fizeram com que Maju se destacasse no Projeto Passarela, do Grupo MGT, em 2018. Considerada uma descoberta promissora, ela se matriculou em um curso de modelos logo na sequência para, apenas um ano depois, desfilar profissionalmente pela primeira vez. Maju se lembra da sensação como se fosse ontem: “Orgulho e muita, muita alegria”.

O sentimento de felicidade em fazer o que sempre amou continua até os dias de hoje. A única coisa que desanima a modelo são os haters, que, de vez em quando, aparecem nos comentários de suas redes sociais para falar coisas cruéis.

“A gente sempre se posiciona e expõe quando ela sofre algum ataque. A parte emocional é bem difícil, mas os ataques vieram muito antes da fama. Não foi só quando ela se tornou modelo. Infelizmente isso acontece desde a infância”, pontua Larissa. Quem administra as redes sociais de Maju são ela e a mãe, Adriana, que entendem a importância de usar esse espaço também para comunicar às pessoas que, além de socialmente errado, xingar ou diminuir uma pessoa com deficiência é crime. 

“Tentamos ver isso da forma mais prática possível. Reclamar e ficar triste não resolve o problema. Os ataques na internet mostram que as pessoas não têm medo de destilar maldades. Temos acesso à informação hoje, e não dá para pôr esse hate na conta da desinformação, do ‘não saber lidar’. Quem dissemina ódio faz isso porque sente vontade”, afirma a irmã.

A maneira de reduzir os danos, nesse caso, é fazer o que a família sempre fez: trabalhar a autoafirmação e a autoestima de Maju. “Eu fico triste, mas não duvido de quem eu sou. Eu me acho linda e quero que todo mundo se sinta assim também”, diz a modelo.

Dentro ou fora dos padrões, é natural que quem tenha uma vida profissional cheia como Maju precise de tempo para desopilar. É muito comum, aliás, que a família precise lembrá-la de descansar e reservar alguns momentos para si, já que a paixão da vida dela são as passarelas. Workaholic? Talvez, mas muito satisfeita com tudo que tem feito. 

“Quando não estou desfilando, gosto muito de ver filmes e séries, de cantar e também de namorar”, ela diz, rindo, com uma piscadinha para a câmera. O coração, por enquanto, não tem dono, mas Maju é categórica quando perguntamos sobre os sonhos que ainda quer realizar: “Viajar para a Disney com a minha família e casar”. A viagem, a que tudo indica, está nos planos para 2023. O casamento ainda não tem data ou pretendente, mas, se depender de Maju, muito em breve será mais um check na lista de desejos realizados.

 

Entrevista Maju