Feliz sem roupa

Especialistas defendem que a nudez é uma das armas mais eficazes na guerra contra o ódio ao próprio corpo.

“Quando morei fora do Brasil, percebi que o nudismo é visto aqui de uma forma muito específica e contraditória. Ao mesmo tempo que somos o país que samba e rebola, dos corpos expostos no Carnaval, temos um tabu que sexualiza o corpo nu, tirando toda a naturalidade e liberdade que o conceito abrange”, diz Alexandra Gurgel, influenciadora digital, ativista e uma das fundadoras do Movimento Corpo Livre. “Em muitos países da Europa, por exemplo, as pessoas simplesmente tiram a roupa em clubes, parques e praias, e isso não quer dizer que estejam sensualizando”, completa. 

Sim, ficar pelado, para muita gente, é ainda sinônimo de sentir vergonha. E não estamos falando apenas de lugares públicos, com outras pessoas olhando. A nudez pode muitas vezes ser aterrorizante mesmo quando estamos a sós, de frente ao espelho, sob um único e exclusivo julgamento: o nosso. Mas o conhecimento pode contribuir para que a gente entenda – sobretudo as mulheres – que o mal-estar que sentimos com nosso corpo vem de uma inadequação construída historicamente. “Somos seres sociais e, portanto, muitas vezes o coletivo se sobrepõe ao individual. Podemos nos sentir mais ou menos inseguros, a depender da sociedade e da cultura em que estamos estabelecidos”, afirma Maria Carolina Medeiros, doutora em comunicação e pesquisadora da socialização feminina. 

Somam-se a repressão e, ao pudor atribuído à nudez, o tal padrão de beleza, que influencia diretamente aquilo que enxergamos como ideal – e também no que é imperfeito. “Enquanto muitas vezes usamos roupas como artifício e truques específicos para disfarçar uma ‘imperfeição’ aqui, outra ali, é no corpo nu que nos deparamos com a nossa verdade. Esse é um questionamento muito importante porque estar bem com essa imagem real seria um passo essencial para o caminho da autoaceitação”, aponta Alexandra. 

Foi justamente enfrentando aquilo que ela mais repreendia em seu corpo que a influenciadora e ativista conseguiu dar o pontapé inicial no processo de se olhar com mais carinho. “Eu odiava meu braço e só usava roupas compridas para cobri-lo, mesmo no verão. Passava calor, me sentia mal, mas não deixava a pele à mostra de jeito nenhum. Certo dia, resolvi tatuar meu corpo justamente na parte que eu mais detestava e foi libertador. A partir dessa ressignificação, passei a exibir o meu braço sem vergonha”, conta. 

Se é justamente isso que você anda buscando para enfim conseguir se sentir bem pelado – e consequentemente de roupa também –, reunimos, a seguir, as melhores dicas de especialistas, ativistas e estudiosos da imagem corporal para atingir o sucesso nesse caminho da autoaceitação. Spoiler: passar mais tempo nu é uma das mais importantes formas de chegar lá. Confira.

1. Olhe para você verdadeiramente 

Existem duas atitudes extremas quando nos vemos pelados no espelho: ou a gente passa rápido (ignorando nossa imagem para não ter que ver e observar coisas que incomodam), ou acabamos nos olhando demais para criticar e encontrar defeito em cada detalhe. O caminho da autoaceitação está justamente em um meio-termo pautado por um olhar sem distorção de imagem, livre de autojulgamento ou da tentativa de encaixe dentro de algum padrão. “A questão complexa da nudez se dá, principalmente, quando ela é ativada por sentimentos de vergonha, quando se trata da falta de amor-próprio, uma crítica muito negativa sobre o próprio corpo”, explica a psicóloga Daniela Faertes, do Rio de Janeiro. Fazemos isso principalmente porque fomos ensinados a ver outra imagem como um exemplo de perfeição. “O primeiro passo seria, portanto, tirar essa lente do patriarcado da sociedade e conseguir se despir de tudo que já falaram sobre o seu corpo para começar a ter uma relação mais gentil e mais verdadeira com ele. É sobre se olhar com mais carinho e amor para perceber que o seu corpo não é imperfeito. Ao contrário, é o que você tem para curtir, expor e sentir prazer”, defende Alexandra.

2. Passe mais tempo sem roupa 

Pode parecer óbvio, mas uma das melhores formas de você se acostumar e aceitar a sua própria imagem é simplesmente ficando pelado. “Para isso, acostume-se com a liberdade de não precisar usar roupas, pelo menos dentro de casa. Tente naturalizar esses momentos tanto quando estiver a sós como quando estiver na frente de alguém que deseje compartilhar essa intimidade”, sugere Daniela Faertes. “Quanto mais você ficar nu, andar dessa forma pela casa, fazer atividades domésticas dentro da sua própria possibilidade de privacidade, mais acostumada você ficará com a sua imagem em outras situações”, concorda a psicóloga e neurocientista Marília Leocádio, pesquisadora da consciência corporal. Aos poucos, vai se tornando mais fácil conseguir assimilar suas formas, suas cicatrizes e se aceitar cada vez mais. 

3. Filtre suas referências 

Se você ainda não fez isso pela sua saúde mental, está mais do que na hora de realizar uma verdadeira limpa nos perfis que você segue nas redes sociais. O poder de fazer a curadoria do conteúdo que consumimos está literalmente em nossas mãos – e os efeitos são surpreendentes. Uma pesquisa encomendada pelo Projeto Dove pela Autoestima, feita pela consultoria global Edelman Data & Intelligence, mostrou que 35% das jovens brasileiras revelam se sentir “menos bonitas” ao verem fotos de influenciadores/celebridades nas redes sociais. “Deixe de acompanhar pessoas que afetam sua autoestima e passe a buscar mais referências de gente real, com diferentes tipos de corpo, livres de imagens distorcidas. Ver corpos, medos, rotinas e dificuldades parecidos com os nossos em outras pessoas é muito importante para perceber que não estamos sozinhos”, sugere Marília.

4. Invista em rituais de autocuidado corporal

Criar momentos – por mais breves que sejam – para você olhar para o seu corpo nu com carinho é uma forma e tanto de se conectar profundamente com ele e aumentar a autopercepção. Isso inclui um banho mais demorado, um ritual mais caprichado com aromaterapia ou produtos de skincare que promovam o toque e despertem os sentidos, uma automassagem… Prepare um ambiente relaxante com estímulos de novas sensações, cheiros e texturas. “Então, tente perceber cada ponto do seu corpo, onde dói, se está tensionado. Tudo isso é importante para aumentar a consciência corporal”, explica Marília. Muitas vezes, não sabemos o real motivo pelo qual não gostamos de alguma parte do nosso corpo. Questione se isso de fato não agrada, se se trata apenas de uma influência externa do que deve ser visto como o ideal. “A autoaceitação não é sobre amar tudo em você, mas sobre não deixar que algo imposto pela sociedade como perfeito tire a sua liberdade de viver como quiser”, arremata Alexandra Gurgel.