No panteão de vestidos ilustres, há o preto básico, o envelope, o grego, o camisola e, no extremo mais sexy do corredor, o bandagem. Mesmo que você nunca tenha o usado, certamente já o viu, e não só nas Kardashian ou nas Lindsay Lohan e Victoria Beckcham da vida. É aquele modelo feito de várias faixas elásticas, bem coladas ao corpo, como que enrolado na silhueta. Foi hit na virada dos anos 1980 para os 90, teve um comeback na primeira década dos 2000 e agora é influência máxima numa série de looks adesivos, com ou sem recortes, que desenham corpos de todos os tipos. Bem diferente dos tempos em que ganhou fama.
O responsável pela popularização do bondage dress foi Hervé Leroux. Caso tenha pensado em um outro Hervé, espere. Leroux e Léger são a mesma pessoa. O estilista francês iniciou sua carreira na Fendi, onde viu de perto como a casa manipulava faixas de feltro para construir casacos de pele. Inspirado pela técnica, ele teve a ideia de tricotar tiras elásticas em busca da silhueta perfeita. Antes de se demitir, seu chefe, Karl Lagerfeld, o aconselhou a usar um nome mais fácil de pronunciar. E assim nasceu Hervé Léger.
De início, em sua marca homônima, o designer até se dedicou a outras silhuetas, mas foi o tal vestido cheio de faixas que fez seu legado. Independentemente de cor, corte ou comprimento, o modelo fica péssimo em manequins, mas fascinante em uma mulher real. É que, ao moldar o corpo sem remorsos, reconhece o óbvio: pessoas têm curvas, geometrias próprias, bem como carne, o fator humano. Quer você goste ou não, como fenômeno cultural, há algo de produtivo aí.
Chanel e Diesel. Fotos: Divulgação
Justamente por isso, foi frustrante quando, em agosto de 2015, Patrick Couderc, então diretor de distribuição da Hervé Léger no Reino Unido, em entrevista ao jornal The Mail on Sunday, definiu quem não poderia usar uma peça bodycon. A sua lista incluía as mulheres lésbicas, as acima dos 55 anos e as “com quadris largos e peitos achatados”. Em outras palavras, de acordo com um homem, para vestir uma peça da etiqueta, você precisava ser hétero, jovem e ter curvas, mas não muitas.
Após a declaração, a marca desligou o gestor e afirmou não compactuar com o pensamento. No entanto, mulheres do mundo todo já haviam garantido a repercussão do caso. É que há uma vivência comum experienciada por todas ao menos uma vez. Se trata daquele pânico pré-festa ao se espremer em um vestido justo e se sentir absolutamente insegura quanto à própria imagem. De várias maneiras, a sensação é amplificada quando etiquetas de moda são hostis com quem veste suas criações.
Embora Léger seja o nome mais associado à modelagem colante, o início do bodycon é anterior. Nos anos 1980, Azzedine Alaïa já possuía uma obsessão pela forma feminina que o levou ao ideal platônico de vestidos justos. Inspiradas nas amazonas da mitologia grega, as peças contornavam o corpo de tal forma que o estilista precisou investigar a arte da escultura até alcançar o efeito mumificado, com muita sofisticação, qualidade, apelo comercial e respeito a suas clientes – todas elas. Não à toa, ficou conhecido como “the king of cling”.
Coperni e Ottolinger. Fotos: Divulgação
Em entrevista ao The New York Times, Naomi Campbell, que o conhecia desde os 16 anos, declarou: “Nenhum outro vestido pode fazer uma mulher se sentir tão bem quanto um Alaïa”. O que a supermodelo quis dizer é que, nas criações do designer, parecia haver cuidado e consideração com o corpo feminino, infelizmente nem sempre predominante entre outras casas. Compreender proporções é um exercício que exige rigor, constância e, sobretudo, vontade.
Com várias décadas de atraso e, ainda entre alguns lapsos, a moda parece, agora, mais empenhada nesse estudo. Observe a temporada de verão 2023: a dinamarquesa Ganni fez uma ode ao sol, aproximando os tecidos do corpo e sinalizando que a estação é para todas. Na Coperni, Paloma Elsesser surgiu na passarela exibindo suas pernas em um vestido justíssimo. E a Ottolinger, um fenômeno nas redes sociais, amadureceu sua investigação sobre a nudez sem nenhum resquício de puritanismos.
O momento não poderia ser mais apropriado. À medida que o verão se aproxima, há uma tensão geral entre a necessidade de se vestir e o desejo de liberar os corpos. De acordo com o hit Hot girls summer, de Megan Thee Stallion, o arquétipo da garota gostosa está mais para um estado de espírito do que para uma forma corporal específica. Para uma estação feliz, confiante e, literalmente, justa, realce as curvas, em vez de cobri-las.