A patricinha de Beverly Hills

Anastasia Soare é romena, mas foi em um glamouroso bairro de Los Angeles que ela começou, 25 anos atrás, a sua marca de maquiagem, que hoje é um império global. Revisitamos sua trajetória em uma entrevista tête-à-tête, direto de Paris.

Quando imigrou para os Estados Unidos, Anastasia Soare jamais imaginaria que, 25 anos depois, ela estaria sentada no restaurante de um dos hotéis mais caros e famosos de Paris comemorando o aniversário da sua marca de maquiagem, rodeada de influenciadoras gigantes de todos os cantos do mundo. Romena, Anastasia chegou a Los Angeles sem saber uma palavra da língua. Começou a trabalhar em um salão de beleza e não demorou para que seu faro empreendedor a levasse para o caminho do sucesso. Ao perceber que havia pouquíssimos produtos para a sobrancelha, ela tornou popular uma técnica de maquiagem baseada na proporção áurea e correu para lançar produtos que facilitassem a reprodução do efeito em suas clientes. Direto do Le Maurice, na Cidade Luz, brindamos o primeiro ano da Anastasia Beverly Hills no Brasil e conversamos sobre o papel crucial que as redes sociais tiveram em sua expansão global.

O que você sente que mudou na indústria da beleza desde que começou a Anastasia Beverly Hills?

Bom, para começo de conversa, quando eu comecei, a maquiagem em si não era tão popular. Hoje em dia, as pessoas se maquiam para ir ao mercado, à padaria. No dia a dia dos anos 1990, as pessoas usavam no máximo uma máscara de cílios. Quando muito, um batom. A maquiagem era reservada para momentos especiais, noites importantes. Na minha opinião, o que fez com que esse cenário mudasse foram as redes sociais. Elas trouxeram conhecimento sobre o tema – que até então não era um assunto entendido como relevante –, de modo que, mesmo sem ser um maquiador profissional, você é capaz de resolver a sua própria maquiagem. Nós fomos a primeira marca nos Estados Unidos a investir de verdade na presença digital e ter percebido que era isso que faria o mercado virar 180º foi crucial para a evolução e o crescimento da ABH.

Queria conversar com você sobre o pioneirismo. É claro que seus produtos para a sobrancelha revolucionaram a categoria (que, antes disso, nem sequer existia), mas como é se manter pioneira? O que é preciso para continuar surpreendendo em um mercado ultracompetitivo?

Acho que isso está nos pilares da marca, na verdade. Se você parar para pensar, desde o começo associamos o nosso DNA ao uso combinado de arte e ciência. A proporção áurea, a partir da qual eu penso no desenho das sobrancelhas, é exatamente isso. Talvez o grande trunfo da Anastasia Beverly Hills seja o de aproveitar técnicas que já existem no mundo e democratizá-las. A proporção áurea sempre existiu, mas nós criamos produtos que ajudam a usá-la a seu favor, em suas sobrancelhas. No caso das nossas paletas de contorno – também muito famosas –, é praticamente a mesma coisa. Enquanto todo mundo lançava os produtos separados – iluminador, contorno, corretivo etc. –, a gente colocou tudo dentro de uma paleta. É claro que os maquiadores profissionais já faziam isso manualmente, mas levar isso pronto para as pessoas comuns foi conquista nossa.

E vocês têm um comprometimento com a performance dos produtos da marca que não se vê com tanta frequência no mercado.

Sim, até hoje eu testo pessoalmente todos os lotes que despachamos. Por exemplo, se a gente começa a produzir em outro lugar, com outros produtos, ainda que usemos os mesmos ingredientes, alguns deles vêm do solo e o solo muda conforme o clima, a geografia, a história biológica de onde ele está. Isso implica que o amarelo que eu produzo na França não é necessariamente o mesmo amarelo que encontro no Brasil, por assim dizer. Ainda que você use a mesma fórmula, os mesmos ingredientes, o produto ainda pode sofrer variações de um lote para o outro. Por isso, sinto que é minha obrigação olhar tudo de perto, provar, e devolver qualquer coisa que fuja do nosso padrão.

Como é sua relação com a Norvina (a.k.a. Claudia Soare, filha de Anastasia) e como é trabalhar com ela?

A Claudia já trabalhava comigo desde muito jovem. Primeiro, ainda pequena, ela me ajudava na recepção do salão. Eu queria muito que ela entendesse já ali a importância da nossa clientela. Eles estão no centro do nosso negócio, e é para eles que criamos tudo o que criamos. Conforme a empresa foi crescendo, ela passou por vários departamentos: marketing, vendas etc. A questão é que foi ela, em 2012, que insistiu que a gente entrasse no Instagram. Daí por diante, tudo mudou. Ela levou a marca para o mundo, alcançou pessoas que nunca achávamos que seria possível. Não tínhamos comunicação alguma com o Brasil antes disso, por exemplo. Depois de anos, finalmente conseguimos entrar nesse mercado e, em grande parte, devemos tudo isso às redes sociais, que nos conectaram com esse público.

No começo, havia muito preconceito com quem fazia conteúdo nas redes sociais. Como foi para a ABH esse primeiro momento por lá?

A verdade é que ninguém prestou atenção quando começamos. Éramos os únicos que tinham alguma presença. Aos poucos, começamos a conhecer influenciadores e a enviar produtos da nossa marca para eles. E mais, fui para a China e descobri as hoje tão populares ring lights. Mandava os produtos e uma dessas para eles arrasarem não só na maquiagem, mas nas fotos também. Até orientações de como conseguir um clique melhor a gente dava. Com isso, fomos construindo uma comunidade muito forte. Demorou para a concorrência perceber que grande parte do nosso sucesso meteórico se devia a isso. Hoje, contudo, as coisas são bem diferentes. A autenticidade é mais difícil de encontrar. Tem muito “publi-post”, e o consumidor já não confia tanto nas redes sociais. A minha aposta é de que os clientes continuem indo atrás de quem se mantém pioneiro. Nesse sentido, tenho a sensação de que seguiremos prosperando.

A ABH completou 25 anos em 2022 e também comemora o seu primeiro ano no Brasil. Quais são as suas percepções sobre o mercado de beleza no país?

Você sabe que minha filha tinha um namorado brasileiro, né? Ela costumava ir com frequência para Brasília. Queria até mudar para o Brasil! Eu nunca fui, infelizmente. No Instagram, sempre tivemos muitos seguidores brasileiros. E eles amam maquiagem, beleza, cores e prezam a qualidade daquilo que consomem. Você não imagina a força-tarefa que fizemos para conseguir entrar no país. Foi difícil, mas agradeço muito à Sephora pela parceria maravilhosa que temos. No Carnaval, estarei lá. Vamos eu e Claudia e estamos ansiosas! Somos muito fãs da nossa comunidade brasileira.

Vocês compuseram por um bom tempo parte do prêmio de RuPaul’s Drag Race. É muito legal ver uma marca reconhecendo desde cedo a população LGBTQIA+ como sua clientela. Quando surgiu a ideia de se associar ao programa e como aconteceu?

Quando eu vim para os Estados Unidos, eu não falava uma palavra de inglês. No salão em que eu trabalhava, havia muitos cabeleireiros que, por sua vez, me apresentaram a muitos maquiadores. Nessa época, vale lembrar, não existiam maquiadores de salão. Era mais raro. Os maquiadores profissionais trabalhavam no cinema. Então foram eles que me levaram até clientes muito importantes. E, claro, eram todos homens gays. Eles me adotaram, viraram minha família nos Estados Unidos. Além dessa relação, sou apaixonada pelas drags! Fico impressionada com a capacidade delas de criar ilusões com maquiagem. Acho que foi um privilégio poder mostrar a potência e a capacidade dos nossos produtos por meio delas na televisão. 

O que você espera para o futuro da ABH?

Queremos continuar inovando e expandindo globalmente. Afinal de contas, a paixão pelo que fazemos ainda persiste e vamos continuar explorando todas as possibilidades em termos de tendências que vão despontando. O Brow Freeze, que criamos, por exemplo, foi uma resposta à explosão das sobrancelhas laminadas. A gente nunca sabe com certeza qual será a próxima trend a bombar, então temos que ficar sempre de olhos muito abertos.