A quem interessa o tamanho dos meus seios?

Se antes o silicone era visto como a salvação das mulheres que não se encaixavam no padrão, hoje a ascensão dos explantes é a representação mais evidente dessa falácia. Afinal de contas, de que tipo é essa autonomia que temos sobre a percepção de nossos próprios corpos?

Meu ex-namorado me convenceu a não colocar silicone. Escrever essa frase é tão estranho para mim quanto imagino que seja para você, que está lendo. Mas vou explicar. Desde os 13 anos, quando vi todas as minhas amigas ganharem volume na camiseta e eu comprava o sutiã com o maior bojo possível para me igualar a elas, tive vontade de fazer a cirurgia. Quando cheguei aos 18 e o desejo poderia finalmente se tornar realidade, mudei de ideia. Não devo isso a uma grande epifania em relação ao meu corpo, a uma visão crítica adquirida sobre padrões estéticos ou muito menos ao fato de eu não desejar mais ter seios maiores. O motivo era apenas um: a opinião do meu namorado na época, que disse que eu “não precisava”.

Recentemente, ao conversar com amigas sobre o assunto, percebi que a relação com os nossos seios, apesar dos recortes particulares, tem em comum a aprovação do outro como principal objetivo. Ingrid me conta que, diferentemente do que aconteceu comigo, seu primeiro namorado insistia para que ela colocasse silicone, 400 ml para ser mais exata, afirmando que, “quanto maior, melhor” – algo parecido aconteceu com Mariana e Fernanda, que, depois do término de seus relacionamentos, se arrependem de terem passado pela cirurgia. 

Recentemente, a atriz britânica Florence Pugh (foto abaixo) cruzou o tapete vermelho com um belíssimo vestido de tule transparente da Valentino. Na internet, homens não demoraram a comentar o tamanho dos seus seios. Em resposta, ela escreveu nas redes sociais: “Eu estava empolgada de usar o vestido, nenhuma parte de mim estava nervosa. Nem antes, durante ou mesmo depois. O que tem sido interessante é assistir e testemunhar o quão fácil é para homens destruírem o corpo de uma mulher publicamente e com orgulho, para todo mundo ver”, rebate. “Moro no meu corpo há muito tempo. Tenho plena consciência do tamanho dos meus seios e não tenho medo deles”, conclui.

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Foto: Getty Images

Depois de ler o depoimento de Florence, lembrei do termo “male gaze”, cunhado pela crítica de cinema Laura Mulvey em 1975. Ele fala sobre a representação de mulheres na cultura pop ocidental, sempre criada a partir do desejo masculino heterossexual, o que explica a sexualização dos nossos corpos na literatura, na televisão, no cinema e também na publicidade. Esse olhar masculino, com o qual somos expostas diariamente em todos os lugares por tanto tempo, é responsável por configurar a forma como nós nos enxergamos – e também orienta as decisões sobre nossos corpos. 

Esse conceito não é nenhuma novidade. Em O segundo sexo, a filósofa Simone de Beauvoir já havia escrito que a menina, desde a puberdade, é ensinada a se fazer objeto, sempre definida pelo olhar alheio. “Os seres humanos se fazem no contato com o outro, desde o começo da vida. E o olhar do homem em relação à mulher é culturalmente objetificante. Não somos ensinadas a nos apropriarmos dos nossos corpos e, por isso, esperamos esse olhar – somos socializadas para atrair”, explica a psicóloga Luiza Assumpção Alves. 

Ainda que isso marque as dinâmicas dentro dos relacionamentos heterossexuais, o atravessamento é social. Por isso, não é preciso que um homem diga diretamente para uma mulher como ele gostaria que o corpo dela fosse – essas ideias se apresentam em um sentido cultural mais amplo. A influenciadora Thai de Melo conta que sua decisão de colocar silicone aos 24 anos partiu dessa influência. “Sempre ‘quis’ a prótese, mas hoje tenho clareza de que coloquei sem pensar, não medi as consequências. Coloquei para me enturmar. Quando acordei da cirurgia, senti uma dor enorme e ali mesmo me perguntei: ‘Por que fiz isso comigo?’”, lembra. 

Dez anos após a cirurgia, ela decidiu fazer o explante das próteses. “Pesquisei muito sobre o tema e encontrei poucas informações. Quase não havia relatos com os quais eu me identificasse de alguma forma. Por sorte, encontrei uma amiga que aos 50 anos realizou o procedimento e compartilhou o resultado e o processo comigo. Foi quando tive a certeza de que era aquilo que queria para mim”, compartilha. 

Thai não está sozinha nessa decisão. Desde 2018, o explante de prótese mamária tem crescido no Brasil. De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, foram 14,6 mil cirurgias naquele ano. Em 2020, o número chegou a 25 mil. Outras celebridades, como Manu Gavassi, Giovanna Antonelli, Fiorella Matheis e Carolina Dieckmann, fazem parte desse número. Sobre a decisão, Dieckmann falou nas redes sociais: “Apesar de ter ficado satisfeita com o resultado externo, ele nada tinha a ver com quem eu era internamente. Não me representava”. 

Essa fala da atriz parece ser o ponto central da questão aqui colocada: se nos despirmos do olhar do outro, qual é a nossa verdadeira vontade? “A cultura nos atravessa enquanto seres humanos, mas às vezes isso se instala dentro da gente como se fosse natural ou imutável. Para muitas mulheres, a relação com o silicone, depois de mais conscientização e pensamento crítico, não vem mais como uma imposição, mas sim como algo verdadeiro”, comenta Luiza.

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Foto: Getty Images

É o caso de Ísis Vergílio, repórter da ELLE Brasil, que apesar de olhar de forma crítica para os padrões de beleza, ainda tem vontade de fazer a cirurgia. “Depois que engravidei pela primeira vez e meus seios cresceram, me senti mais bonita. A vontade vem e vai, mas gosto da possibilidade de me enxergar de outra forma”, comenta. O mesmo aconteceu com Greyce e Simone, que depois de muito refletirem sobre esse desejo, decidiram fazer a cirurgia – ambas se sentem muito mais confiantes e felizes após o aumento dos seios.  

“Infelizmente, vivemos em uma sociedade extremista, que não avalia o indivíduo. Nós, mulheres, não precisamos de mais uma imposição: ‘Coloque silicone! Tire silicone!’”, argumenta Thai. O importante é que tenhamos acesso ao máximo possível de informações para que possamos tomar decisões mais conscientes, de acordo com o que faz mais sentido para cada uma de nós. “Não sou contra cirurgias plásticas ou procedimentos estéticos. Porém, por não ter ponderado muito antes de decidir fazer, acabei me arrependendo. Falar sobre o que eu vivi ajuda outras mulheres que podem estar se sentindo dessa mesma forma. É importante tomar nossas próprias decisões, sejam elas quais forem.”