Saia jeans longa: do conservadorismo ao hype

A peça, que por um bom tempo pertenceu a guarda-roupas específicos, agora invade o streetstyle e os desfiles mais cobiçados.

Alguns meses atrás, fazendo o meu rolê diário pelo TikTok, reparei, vídeo após vídeo, que uma peça específica de roupa estava caindo no gosto geral: a saia jeans comprida. A febre é curiosa, mas, diferentemente do que argumentam alguns veículos, não pode ser chamada de comeback. No Brasil, pelo menos, ela sempre esteve no radar – embora fosse valorizada mais por alguns grupos específicos, entre eles o de mulheres evangélicas de denominações tradicionais.

“Talvez ficasse mais para esses grupos porque eles não têm tanta variedade de peças”, argumenta Valeska Nakad, coordenadora do curso de design de moda no Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo.

Ainda no exemplo do evangelicalismo, igrejas mais ortodoxas não permitem o uso de calças por mulheres – o traje é considerado um item do guarda-roupa masculino – e, por isso, roupas tradicionalmente entendidas como femininas, como vestidos e saias que não marquem o corpo, são preferíveis.

Um parênteses aqui: é importante ressaltar que isso não é uma realidade para todas as igrejas e que mulheres evangélicas são diversas. Aliás, existe hoje um movimento que busca quebrar os estereótipos da moda gospel, mostrando suas diferentes facetas.

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À esquerda, Beyoncé usa saia jeans em look combinado com as Destiny's Child. À direita, desfile do verão 2023 da Altuzarra.

 

“Algumas lojas evangélicas são especializadas em saias e, como só vendem este tipo de peça, precisam fazer variações dela. E o jeans é versátil: combina com diferentes roupas e pode receber lavagens e tonalidades distintas”, continua a professora, que já prestou consultoria para marcas do setor. Além da versatilidade, de poder ir com tudo, o denim confere uma leitura atual às produções de comprimentos longos e silhuetas soltas – elementos importantes mesmo nas igrejas que aceitam mulheres de calça.

É uma combinação interessante de histórias: enquanto a saia existe desde os primórdios do vestuário (os egípcios e gregos já faziam suas próprias versões na Antiguidade), o jeans é um fenômeno recente, criado no século 18 para o trabalho nas minas de ouro e fortalecido no mainstream hollywoodiano pela juventude da década de 1950. Quando James Dean aparece de camiseta branca e calça jeans em Juventude transviada, existe todo um choque entre gerações: os mais velhos acham o estilo banal, sem elegância, quase vulgar. E é exatamente esse afastamento da geração anterior que os jovens buscavam. O denim é radical “de nascença”, ou melhor, desde sua popularização, diferentemente das saias compridas.

Embora o contexto mude de acordo com as regiões, no Ocidente as saias longas foram encaradas por centenas de anos como a única roupa apropriada às mulheres. Se hoje sua imposição acontece principalmente em respeito aos costumes não só do cristianismo evangélico, mas de diferentes religiões, nos séculos anteriores sua onipresença era uma norma geral – mas com algumas variações, que indicavam o status social de quem as vestia.

“Uma rainha da Espanha não tem pernas”, dizia um ditado que imperava durante o reinado de Isabel I de Castela. As pernas não deveriam ser visíveis, permanecendo escondidas sob camadas e camadas de tecidos. Afinal, pernas para quê? As mulheres – e a nobreza em geral – não se ocupavam de ofícios manuais e atividades intensas, e peças pomposas, de difícil mobilidade, enfatizavam isso.

 

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À esquerda, a Diesel apresenta versão volumosa da saia jeans comprida na sua coleção de verão 2023. À direita, o modelo de cintura baixa da Masha Popova.

 

O conservadorismo em relação à saia comprida é amplo e também delimitou os gêneros. Com o crescimento da burguesia e do modus operandi do capitalismo, os homens se apropriam de um guarda-roupa mais simples e objetivo, mas as mulheres, num primeiro momento, continuavam ostentando peças volumosas e enfeitadas.

Até que a força de trabalho feminina se fez necessária e o resto é história: as saias vão ficando levemente mais curtas, e suas silhuetas, mais retas e compactas, facilitando a mobilidade. Na década de 1920, por exemplo, as saias já estavam abaixo dos joelhos e, 40 anos depois, a minissaia imperava entre a juventude, que buscava se libertar das convenções. É o curto como oposição a todos esses apelos – status, moralidade e papel de gênero –, atrelados ao longo dos séculos.

É só lá nos anos 1970 que as saias compridonas, que vão até o tornozelo, retornam. “Chega uma onda mais relax com o movimento hippie e os grandes festivais. A saia longa proporciona mais conforto: a pessoa senta, levanta e não precisa de grandes cuidados. Já a saia mais curta exige um maior cuidado em como se portar”, conta Valeska. É nessa época também que a customização ganha força e o jeans, geralmente vendido no formato de calça, vira shorts e saias. “Se pegarmos a saia jeans longa, ela é uma calça com as costuras do cós aberta”, adiciona a coordenadora.

 

Quando a febre do jeanswear acontece na década de 1990, as mulheres já se livraram de muitas pré-concepções, não só em seu vestir, mas em todo seu existir – pode calça, pode saia, pode vestido, pode longo, pode curto, pode trabalhar e pode ficar em casa. Calvin Klein, Diesel, True Religion, Guess, Levi’s e outras marcas especializadas eram muito desejadas mundo afora. Todos queriam desfilar com um par de jeans por aí, assim como faziam as principais celebridades, como Brooke Shields, Cindy Crawford, Kate Moss e Julia Roberts.

 

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À esquerda, Bella Hadid na passarela. À direita, sua irmã, Gigi, no streetstyle.

 

A saia jeans longa, por outro lado, pega força mesmo na virada do milênio e no começo dos anos 2000, existindo em tudo quanto é tipo de variação: mídi ou até os pés, retas e pontiagudas, lisas ou com bordados, pedraria e cristais. Christina Aguilera a combinava com regatinhas e bandanas e Michelle Williams, do Destiny’s Child, a usava com cropped de borboleta e escarpim de brilho.

Com o boom do Y2K, encabeçado por Bella Hadid, fica fácil entender por que ela está no hype de novo. A modelo, que é a referência máxima para muitas meninas, vira e mexe aparece com a peça por aí. Sua irmã, Gigi, também incorporou o look algumas vezes. Kylie Jenner é outra que não abre mão da tendência. Mas a febre não é só entre as famosas: ela é forte no streetstyle e nas passarelas. De Alaïa a Altuzurra e Stella McCartney, não faltaram opções entre as coleções desfiladas na primavera de 2023.

Essa está aí para mostrar que, apesar de ter sido interpretada por um tempo como conservadora, a saia jeans comprida é até que bastante democrática. Para fazer como Bella e seu séquito de seguidoras, vale apostar no combo tênis (ou mocassim) + meia esportiva, regatinha branca e, talvez, algo xadrez. Ah, óculos de sol com lentes amarelas ou shape esportivo também fazem parte da fórmula.