De Britney a Billie: as mudanças de estilo das cantoras pop

Em algum lugar entre a imposição e a vontade pessoal, um visual se torna memorável também nos palcos.

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Algumas semanas atrás, em uma noite de sábado sem programação, um dos meus grupos de amigas se reuniu em casa na esperança de nos animarmos para ao menos um jantarzinho. Quando nos demos conta, porém, já estávamos entretidas demais em um de nossos rituais prediletos 一 o qual o TikTok descobriu recentemente ser uma experiência universal. Trata-se de sentar no sofá da sala, ligar a televisão e assistir clipes de divas pop em looping enquanto tomamos drinques e analisamos com minúcia as eras completas de cada artista. 

Começamos com Rosalía, uma das poucas unanimidades entre todas do grupo. A cantora espanhola, que se tornou querida na moda por direito próprio, sentando-se na primeira fila dos desfiles da Jacquemus e Burberry, incorpora os sons tradicionais do flamenco em sua música pop, entre influências do reggaeton e hip-hop. Você, provavelmente, já sabe: a sonoridade mista também é traduzida em seu estilo. No entanto, ao cairmos em algumas performances de sua turnê mundial, a Motomami, foi outro fator que me chamou a atenção. 

Fotos Texto Janet 1

O figurino, projetado pelo designer australiano Dion Lee, acompanha a mesma estética do álbum. No imaginário coletivo, a imagem motociclística costumava incluir materiais pesados, quase duros, o que, nesse caso, poderia prejudicar a mobilidade no palco. No passado, isso não seria um problema. Ao longo da história da cultura pop, por muitas vezes um look foi o responsável por idas ao chão, erros de dança e imprevistos desenrolados ao vivo. 

Em 2004, por exemplo, Janet Jackson teve o seu seio exposto para os milhões de pessoas que assistiam ao show televisionado do Super Bowl. Embora haja indícios de que esse tenha sido um movimento intencional planejado por Justin Timberlake, na época, o acidente foi creditado ao mau funcionamento do corset usado pela cantora. Pouco mais de dez anos depois, Madonna despencou de alguns degraus durante a cerimônia do Brit Awards. “Armani me fisgou! A minha capa estava muito apertada”, explicou, em um post no seu Instagram, após a repercussão da queda.

São casos como esses que Rosalía parece querer evitar. Em entrevista à imprensa, Dion Lee conta que a funcionalidade das peças foi uma exigência da espanhola. Para garantir que estaria inteiramente confortável e segura em cada movimento, o estilista precisou visitá-la em Barcelona uma série de vezes para provas, testes e ensaios. As soluções de design foram encontradas no jérsei e na malha, manipulados para reproduzir a imagem motociclística sem colocar a mobilidade da artista em risco. 

Fotos Texto Rosalia 1

Voltando ao ritual de um sábado sem programação, após a dose enérgica dos hits Saoko e Despechá, o algoritmo do YouTube avançou para Billie Eilish. Embora, em sua era Happier than ever surja em um estilo um pouco mais atrevido que os anteriores, a estadunidense mantém um senso de autoconsciência admirável para uma jovem de 21 anos. “Sou a única pessoa que precisa gostar de mim… Do que visto, de quem sou e do que digo”, afirmou em vídeo para a Vanity Fair, um dos quais assistimos. 

Em seu trabalho, Billie investiga as novas tecnologias e os ajustes de voz, o que inclui manipulações orgulhosas no Auto Tune. As suas composições, por sua vez, não são inocentes ou suaves, como costumam esperar das princesas do pop. Mas não se trata somente disso. A silhueta urbana extralarga, que recebeu sua adesão, também quebra todos os protocolos que, um dia, existiram em torno das estrelas musicais. Ela prefere as camisetas grandes aos tops justos, as calças de moletom às minissaias e a pouca maquiagem à superprodução. 

Sem restrições de gênero, as roupas da cantora 一 vegana desde a infância 一 ainda são produzidas por meio das tecnologias mais sustentáveis do mercado atual. Essa é uma de suas exigências às marcas com quem colabora, como Gucci e Nike. “Trabalhamos muito para fazer os tênis sem nenhuma matéria-prima de origem animal e com reciclagem”, disse ao WWD, em setembro de 2021, sobre a sua parceria com a etiqueta esportiva. 

A noite continuou ao som de SZA, Olivia Rodrigo e Doja Cat. À medida que os clipes seguiam, conversávamos sobre as novas configurações da indústria musical: a duração de vida de um hit se tornou mínima, a espontaneidade parece às vezes planejada demais e a própria cultura do videoclipe se fragilizou. No entanto, a ascensão das mídias sociais também colocou jovens artistas no controle de suas próprias identidades, fazendo com que elas construíssem relacionamentos honestos com os seus fãs, os quais as gravadoras não podiam enfraquecer. Os seus visuais, como dissecados acima, fazem parte disso. 

Essa, porém, não parece ter sido uma escolha para as gerações anteriores. Britney Spears tinha apenas 17 anos quando, em 1998, cantou Baby one more time vestindo uma roupa colegial decotada. Ela foi apresentada à mídia como uma mulher virgem: marca cruel, que convidada a lascívia do público e colocava uma bomba-relógio em contagem regressiva para a sua queda inevitável. 

Fotos Texto Britney 1

Durante as entrevistas, a adolescente era interrogada sobre a sua vida sexual e o seu corpo em tom de normalidade. Comediantes, jornalistas e os que hoje conhecemos como haters a difamavam por suas roupas reveladoras. A indústria a transformou em um sex symbol antes de ela sequer completar a maioridade. O mesmo molde foi usado para outras que surgiram em seguida, como Christina Aguillera e Jessica Simpson.

A misoginia na música é ainda anterior, claro. Nos anos 1970, Cher, na década seguinte, Madonna e, depois, grupos femininos, como Destiny Child e Spice Girls, também foram vítimas de ataques. No entanto, quando se trata da hipersexualização, um estudo da pesquisadora Erin Hatton constatou um aumento agressivo em sua intensidade. 

Ao se debruçar por quatro décadas da edição estadunidense da revista Rolling Stone, Erin notou que, nos anos 1970, apenas 1% das capas com homens eram hipersexualizadas. Na década de 2000, essas representações chegaram a 2%. As capas hipersexualizadas estreladas por mulheres, por sua vez, saltaram de 6% na década de 1970 para 61% na de 2000. 

A máxima publicitária diria que “sexo vende”. Nada pessoal, apenas negócios. Só que, como consequência óbvia, as jovens mulheres que vislumbravam sucesso no entretenimento foram praticamente obrigadas a aparecer em capas de revista, eventos e performances vestindo peças de roupa reveladoras, quando não estavam quase nuas. 

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Você deve se lembrar: depois, em uma tentativa de criar novos arquétipos, rejeitando as suas garotas anteriores, a imagem de uma estrela pop se tornou um tanto bagunçada. Lady Gaga vestia pedaços de carne crua, Miley Cyrus se rebelava contra o estereótipo de cantora da Disney e Rihanna recuperava os símbolos até então restritos aos homens. 

As suas recusas, porém, não significam que o controle das cantoras femininas havia ficado no passado. Não dá para subestimar as gravadoras e os grandes empresários. Eles certamente também aprenderam a fazer a engenharia reversa de artistas reais, sujeitas a um roteiro. Ainda hoje, há as que suportam de forma silenciosa as pressões e durezas da indústria. 

Para outras, agora se trata de uma escolha. Beyoncé é um exemplo. Em seu atual estágio de carreira, ela não está mais cercada por homens brancos engravatados que dizem o que deve fazer. Entre canções sobre o antirracismo e o amor pelos filhos, a estrela também apresenta a sexualidade como uma parte normal de sua vida que merece celebração, escolhendo como look, para a capa de seu álbum Renaissance, apenas alguns cristais posicionados estrategicamente pelo corpo. 

Fotos Texto Billie 2

A solução mais próxima é rastrear a autenticidade. Para isso, Billie Eilish cumpre o seu dever como integrante da juventude e confunde os adultos. Quando os críticos elogiaram o seu estilo e a ausência de hipersexualização em suas roupas, a cantora os denunciou por tentar envergonhar as suas colegas. “Não quero que me apoiem, enquanto diminuem o visual das outras artistas”, declarou em entrevista à V Magazine.

Embora a cultura pop costume abusar de suas estrelas, o binarismo da cantora do bem e a do mal luta para entrar em colapso no vazio moral. Esse é o resultado daquelas que buscam pelo controle, ignorando os antigos arquétipos limitados da música. Garantir que vontades próprias, inclusive as de estilo, estão sendo respeitadas é fazer melhor 一 não apenas pelas mulheres que recebem a bênção e a maldição da fama, mas também por todas que estão assistindo.