Yellow (e outras) jackets

No embalo da série que colocou as jaquetinhas amarelas quase como protagonistas, revisitamos a história de alguns dos modelos mais icônicos da moda e das telas.

Existem peças que transcendem seu propósito original e se tornam ícones de estilo. As jaquetas são um caso especial. Versões curtas dos casacos, de origem incerta – alguns dizem que foram criados na Idade Média, inspiradas nos jerkins (que lembram coletes), outros no Renascimento –, elas têm, assim como seus antecessores mais longos, os casacos, muita influência dos uniformes militares, especialmente os usados na Primeira e Segunda Guerra Mundial por marinha, exército e aeronáutica. Criada para os pilotos da força aérea, a jaqueta bomber é um bom exemplo.

Independentemente de sua origem, a verdade é que a bomber e outros modelos célebres viraram cidadãos do mundo da moda graças à contribuição da cultura pop – do cinema, da música e, nos últimos anos, dos seriados de streaming. O que seria da perfecto sem Marlon Brando e seu sex appeal para transformá-la num objeto de desejo com O selvagem? E a blouson jacket, que migrou da burguesia inglesa para os mods e punks graças a James Dean em Juventude transviada? Já a varsity jacket, de ar colegial e preppy, voltou aos holofotes agora graças ao elenco feminino da recente série cult Yellowjackets. A seguir, a história por trás de seis jaquetas imortalizada nas telas.

selvagem

1. A perfecto de Marlon Brando em O Selvagem (1953)
Uma das jaquetas mais famosas de todos os tempos, a perfecto foi criada em 1928 pelos irmãos russos Irving e Jack Schott, encomendada pela marca de motos Harley-Davidson – não à toa ela foi adotada por motociclistas e é conhecida também como biker. Sua origem já tinha uma aura transgressora, mas ela transpassou os limites das estradas graças a Brando, que elevou o modelo ao status de peça icônica em 1953, quando fez da perfecto seu figurino inseparável no filme O selvagem, em que interpreta o motociclista rebelde Johnny Strabler. Nos anos 1950, quando o filme foi lançado, o look do personagem foi considerado um choque estético e rapidamente associado à rebeldia juvenil. Isso porque a t-shirt branca, até então, era usada apenas como peça de baixo, e a perfecto, característica de um nicho. Depois do ator, outra estrela dos anos 1950 divulgou a jaqueta, embora não no cinema: James Dean adorava usar a peça, inspirado por Brando, de quem era fã. Mas acabou eternizando outro modelo mesmo…

juventude transviada

2. A blouson jacket de James Dean em Juventude transviada (1955)
O nome talvez não soe familiar, mas basta lembrar da jaqueta vermelha usada pelo ator nesse filme clássico para entender de qual modelo se trata. Parecida, mas não igual à bomber, a história da jaqueta Harrington (o modelo em versão de náilon usado por Dean no filme) começou na região de Manchester, no Reino Unido. Por volta de 1930, as marcas britânicas de roupas impermeáveis Baracuta e Grenfell tiveram a mesma ideia: uma jaqueta feita para golfe de tecido de algodão. Por duas décadas, essa peça, com forro xadrez tartan, acompanhou a burguesia nos campos de golfe, até que uma aparição cinematográfica mudou totalmente seu público na história da moda. Dean morreu aos 24 anos num acidente de carro, um mês antes de Juventude transviada chegar aos cinemas, em 1955. Vestindo jaqueta vermelha, camiseta branca e jeans puído, seu personagem, Jim Starck, transformou postumamente o ator na quintessência do bad boy da Hollywood dos anos 1950, símbolo da rebeldia dos adolescentes pós-Segunda Guerra Mundial. Longe das câmeras, ele também ajudou a difundir a dobradinha jeans e t-shirt branca, na época um divisor de águas entre a moda jovem e a adulta, algo que se consagrou nos anos 1960. Nos anos seguintes, a Harrington migrou do guarda-roupa burguês para as ruas nos looks dos mods, skinheads e punks. Subiu em palcos do The Clash (a banda inglesa usava vários modelos customizados da jaqueta) e se transformou em símbolo do britpop, vestida por um time de artistas que vão de Damon Albarn (Blur) aos irmãos Gallagher (Oasis).

grease

3. A perfecto de Olivia Newton John em Grease (1978)
No famoso musical ambientado nos 1950, um dos looks mais memoráveis e copiados em festas de Halloween da história – incluindo Gigi Hadid e Hailey Bieber – é o usado por Olivia Newton John na última parte do filme. Sua personagem, Sandy, que começa como uma garota certinha e obediente, muda radicalmente o visual para se adequar ao estilo do namorado Danny Zuko, interpretado por John Travolta. A transformação dela já foi criticada por feministas, que a interpretaram como representação da submissão da mulher, que muda completamente quem é para agradar ao homem (Danny também se veste “certinho” para satisfazer a namorada, mas é ela quem acaba mantendo o novo visual, inspirado nele). Por outro lado, o look dela simboliza a mulher empoderada. Usando calça justa, top, mules e jaqueta de couro, com o cabelo solto e um cigarro na mão, a personagem antecipa, segundo Kate Bailey, curadora sênior do Victoria and Albert Museum (Londres), a tendência da mulher independente e poderosa lançada por estilistas como Thierry Mugler na década de 1980. “Esse traje marca um momento na história de Grease, mas também é uma declaração de moda. Ela realmente está à frente de seu tempo.” O filme se tornou um sucesso instantâneo e um clássico do cinema, com sua trilha marcante e visual nostálgico, e a jaqueta, um ícone premonitório da power woman, cuja imagem seria construída pela moda anos depois.

yellowjackets

4. Os modelos varsity de Yellowjackets (2021-)
Mais de 100 anos separam a origem das varsity jackets e uma das suas mais recentes reaparições fashionistas. Cult quase imediato, a série, cuja segunda temporada estreou em março deste ano, traz no casting Christina Ricci, Juliette Lewis e Melanie Lynskey, atrizes que marcaram os anos 1990, e figurino assinado por Amy Parris (Stranger things), que reacende o desejo pelo apelo college das varsity – a jaqueta ganhou sua modelagem nas universidades estadunidenses da década de 1930. Mas a ideia de criar um uniforme que as equipes esportivas universitárias tivessem orgulho de usar surgiu bem antes, em meados do século 19, quando a Harvard fez uniformes com a letra de seu time de futebol bordada em cardigãs para serem usados por seus integrantes. Nos anos 1930, toda a Ivy League (que na época era uma conferência das equipes esportivas das oito universidades mais famosas dos EUA, incluindo, claro, Harvard) adotou as varsity, em seguida copiadas pelos outros times universitários estadunidenses. Imediatamente reconhecível graças ao mix localizado de cores, aos patches colados nas mangas ou nas costas e às letras do time bordadas no peito, mangas de couro e gola de malha canelada, o modelo, na interpretação de Yellowjackets, tem as mangas e gola amarelas e o logo do time de futebol da escola das garotas bordado no peito. A versão rapidamente esgotou na loja de merchandising da Paramount, mas não é difícil encontrar modelos parecidos. Afinal, graças ao enredo da série, que coloca o time de adolescentes preso na selva canadense depois de um acidente de avião, o estilo colegial da varsity ganhou contornos mais interessantes.

drive

5. A bomber de cetim branco em Drive (2011)
No filme protagonizado por Ryan Gosling, uma jaqueta se destaca e se torna parte essencial do visual do personagem. Gosling interpreta um dublê de cinema e um misterioso motorista de fuga de assaltos, conhecido apenas como “driver”. A jaqueta bomber de cetim branco que ele usa virou um símbolo do estilo cool e retrô do filme e tem origem nos uniformes de pilotos militares da Primeira Guerra Mundial. Também conhecida como jaqueta de voo, a bomber se destaca pelo design funcional, com gola alta, punhos e cintura elásticos e fechamento frontal de zíper. Ao longo do tempo, o modelo transcendeu seu propósito original e se tornou um item de moda masculina e depois feminina. A história da escolha da jaqueta de Drive é curiosa: Erin Benach, a figurinista do filme, se inspirou num modelo que Gosling usava para criar a da ficção. Na época, o ator andava curtindo jaquetas coreanas dos anos 1950 e apareceu em uma das reuniões do filme com uma delas. O escorpião bordado nas costas do modelo, feito especialmente para o longa (confeccionado em 13 versões idênticas para as trocas em cena), também foi sugestão de Gosling.

michael jackson

6. A jaqueta militar de Michael Jackson
Não dá para pensar em jaquetas icônicas sem lembrar de Michael Jackson. O cantor transformou em hit a jaqueta de couro vermelha. Primeiro, com o modelo com detalhes gráficos em preto usado no clipe do sucesso “Thriller”. Em seguida, com a jaqueta do vídeo de “Beat it” (ambos lançados em 1982). O modelo mais famoso e que inspirou releituras de grifes, porém, foi vestido por ele a partir dos anos 1990. Com bordados nos ombros e nos abotoamentos, em combinações com dourado, a inspiração militar de Michael é luxuosa, dos uniformes de oficiais condecorados, num estilo muito usado pela aristocracia inglesa na época vitoriana. Em 2008, menos de um ano antes de sua morte, o cantor foi ao desfile da coleção verão de 2009 da Balmain, que exibiu diferentes versões das jaquetas com o militarismo barroco à la Michael Jackson. Em 2019, a grife voltou a se inspirar nele, dessa vez numa coleção masculina também de verão. Já a Margiela evocou Michael em seu inverno 2008 masculino. A recíproca era verdadeira. Durante sua carreira, o cantor vestiu estilistas como Versace, Saint Laurent por Hedi Slimane e Riccardo Tisci, sem abdicar das peças-chave de seu visual: luvas, meias brancas, mocassim e calça slim com barra curta, além, claro, das jaquetas militares. E não é só o mundo da moda que rendeu homenagens aos looks de Michael. Em sua performance no Super Bowl de 2016, Beyoncé vestiu uma réplica da jaqueta que o cantor usou no show que fez no mesmo evento, em 1993.