Em um vídeo de 30 segundos publicado no TikTok, Tiago Valente resume a trama de Dom Casmurro e interpreta os diferentes personagens do romance de Machado de Assis. Foi criando conteúdo rápido, divertido e com uma linguagem simples, que fisga a atenção da geração Z, que o escritor, de 25 anos, se tornou um dos maiores influenciadores de literatura na rede social, ou melhor, um BookToker.
Mestre em letras pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele recebe diariamente mensagens de pessoas que se aproximam dos livros graças ao seu perfil, criado em 2017. Para ele, o BookTok, como é chamada a comunidade virtual, ajudou a romper algumas barreiras no debate sobre a literatura. “Conseguimos ter conversas mais diretas e dinâmicas. Acredito que esse seja o principal motivo pelo qual os jovens estão mais interessados em livros hoje em dia”, disse.
Apaixonado por histórias desde a infância (seus pais tiveram uma livraria), Valente conta que falar sobre o tema para mais de 450 mil seguidores não apenas transformou seu hábito de leitura, como também se tornou seu ganha-pão. “O BookTok mudou a minha vida completamente. É minha principal fonte de renda e me fez repensar toda a minha carreira. Trabalhar com livros, produzir vídeos e ter minha mãe comigo nisso me deixa extremamente feliz. Além disso, foi com o BookTok que conheci meu namorado e alguns dos meus melhores amigos.”
@otiagovalente qual booktoker faz seu coração parar? 👀 obrigado @editoraseguinte por esse cristalzinho literário 🤧 *ad #livros #booktok #AprendaNoTikTok
O senso de pertencimento proporcionado pela comunidade também fisgou Leoni Lane, 26 anos, que vive do BookTok há quase um ano e possui quase 430 mil seguidores. “Fiz mais amigos no BookTok do que em toda a minha vida e finalmente sinto que encontrei pessoas com quem me identifico”, diz ela. Fã de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, e Orgulho e preconceito, de Jane Austen, Lane presenteia um seguidor com livros todo mês e até criou seu próprio clube de leitura. “Tenho uma conexão muito próxima com quem me segue e participa do clube. Realizamos reuniões (virtuais) mensais para discutir as obras e falar sobre a vida.”
O vídeo mais assistido no perfil de Leoni, com mais de 5 milhões de visualizações, mostra a influenciadora quebrando a lombada de um livro, o que facilita seu manuseio, mas divide opiniões. Para ela, o bom humor e a autenticidade são fundamentais para o crescimento orgânico na rede. “Procuro abordar a literatura de forma leve e descontraída, porque nem tudo precisa ser tão sério.”
@leonilane
Quem também aposta no humor para falar de livros é Rodrigo Roque, 22 anos, que lança vídeos no TikTok desde 2021 e conta com quase 630 mil seguidores. Uma das trends que mais viralizam em sua conta são as “caixas misteriosas”, repletas de livros, que ele distribui regularmente para jovens em livrarias e eventos. O projeto começou em uma edição da Bienal do Livro e nunca mais parou. “Hoje, alcanço lugares que jamais imaginei graças a esse trabalho. É surreal perceber que tenho tantas pessoas me acompanhando. Falar sobre literatura, com muito humor, no meu caso, também contribui com a educação e o conhecimento.”
Foi durante a pandemia que a hashtag #BookTok cresceu exponencialmente e hoje soma mais de 143 bilhões de visualizações no TikTok. Por meio dela, são compartilhados resenhas, reacts, indicações ou simplesmente livros que os BookTokers acabaram de comprar. “No Brasil, o movimento ganhou tanta visibilidade que a hashtag #BookTokBrasil já conta com aproximadamente 14 bilhões de visualizações, mostrando que a rede não apenas molda a cultura da nova geração como também exerce uma grande influência nos hábitos diários das pessoas”, defende Kim Farrell, diretora geral de operações do TikTok na América Latina.
Segundo Farrell, a plataforma incentiva os criadores oferecendo novos recursos e ferramentas, encontros de relacionamento, workshops de boas práticas e também participando de eventos do gênero. “Além disso, estamos buscando estar cada vez mais próximos de diversas instituições importantes para a literatura nacional, como as bienais do livro ao redor do país e até o Prêmio Jabuti, que transmitiu a cerimônia do ano passado ao vivo pela plataforma.”
@digaoroque eu me certifiquei de que ela era fã hahaha #booktokbrasil #fy #livros
O BookTok também pauta editores e autores. Hoje é comum encontrar em livrarias seção dedicada aos “livros do TikTok”, o que mostra a procura por títulos populares na plataforma. Um dos melhores exemplos desse fenômeno é Colleen Hoover, escritora estadunidense que se tornou a mais vendida no Brasil e nos Estados Unidos em 2022, de acordo com a Amazon, com 15 best-sellers já publicados.
É assim que acaba (2018), seu maior sucesso, ficou no topo dos títulos mais vendidos pela plataforma no ano passado. O livro, que aborda temas como violência doméstica e abuso psicológico, vai virar um filme, com Blake Lively (Gossip girl) no papel principal. “Com o TikTok, o patamar de vendas da autora subiu de 30 mil exemplares por livro para mais de 1 milhão de cópias no Brasil”, afirma Rafaella Machado, editora-executiva da Galera Record, o selo focado em literatura juvenil, que publica Collen. Apenas no mês de julho, quatro dos seus livros estão entre os dez mais vendidos no ranking da revista Veja. Para Rafaella, uma premissa cativante e fácil de explicar, reviravoltas e muito drama ou romance são a receita para um livro fazer sucesso na rede.
Representatividade
No catálogo da editora também há outros queridinhos do TikTok, como a série Sangue e cinzas, de Jennifer L. Armentrout, que vendeu mais de 200 mil exemplares em um ano, e A toca das raposas, de Nora Sakavic, que esteve entre os mais vendidos durante o seu lançamento, em maio deste ano. A ficção dá ênfase à representatividade LGBTQIAP+, um fator que a Record leva em consideração ao selecionar novos títulos para publicar. “O BookTok democratizou o espaço para conversas sobre literatura, e cada vez mais os leitores demandam se enxergar nas obras que publicamos. Se no Twitter e no YouTube a nova geração de leitores já clamava por mais representatividade negra, indígena e LGBTQIAP+, esses movimentos ganharam mais força no TikTok. Felizmente, as editoras têm investido cada vez mais em obras com diversidade”, diz Rafaella.
“A geração Z quer ir além do protagonismo cis-hétero, que por tanto tempo dominou as narrativas”, destaca Thiago. “Eu mesmo me encontrei quanto à minha sexualidade por causa de um livro que saiu do BookTok”, conta Rodrigo, que leu Vermelho, branco e sangue azul, de Casey McQuiston, um romance sobre o filho da primeira mulher presidente dos Estados Unidos, que vive uma história de amor com o príncipe da Inglaterra. O título é outro que vai ganhar adaptação para as telas, com lançamento marcado para agosto no Prime Video.
Além da representatividade, autores nacionais também sentem o efeito e as demandas do BookTok e estão cada vez mais presentes na comunidade, criando perfis para se conectar diretamente com o público e discutir seus livros. Elayne Baeta, autora de O amor não é óbvio, Pedro Rhuas, de Enquanto eu não te encontro, e Clara Alves, de Conectadas, são alguns nomes que estão sempre em alta na plataforma. “Mais do que qualquer outra rede social, o TikTok foi muito feliz em construir uma comunidade de leitores que dialogam e engajam”, finaliza Rafaella.
Conheça cinco livros favoritos do TikTok, segundo os BookTokers:
Os sete maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid
“Acompanhamos uma jovem jornalista que é convidada para escrever a biografia de uma grande estrela de Hollywood. Mas sua história tem desdobramentos inesperados e se conecta de um jeito muito improvável com a vida da jornalista. Foi um dos primeiros livros a se popularizar por meio do BookTok no mundo todo”, conta Tiago Valente. Para Leoni Lane, a construção da ficção, a partir de entrevistas com nomes de Hollywood, como se o personagem fosse real, é “genial”.“Se você nunca leu nenhum livro famoso do BookTok, comece por esse”, diz Rodrigo Roque.
Manual de assassinato para boas garotas, de Holly Jackson
“Esse é um dos vários livros de mistério para jovens leitores que se tornaram populares na plataforma e uma das minhas melhores leituras de 2023”, diz Valente.
Amanhã, amanhã e ainda outro amanhã, de Gabrielle Zevin
“Para todos que foram salvos pelos jogos de videogame. Eu fui. É um livro avassalador”, diz Roque sobre a trama, que gira em torno de dois amigos que abrem uma empresa de videogame.
Foi assim que tudo explodiu, de Arvin Ahmadi
“É sobre um garoto que teme que seus pais descubram que ele é gay e decide fugir para a Itália, numa viagem para conhecer melhor a si mesmo. Meu livro favorito da vida”, diz Valente.
Um lugar bem longe daqui, de Olivia Newman
“É um dos meus preferidos. Com ele, você vai rir, chorar, se apaixonar e não vai conseguir parar de virar a página”, diz Lane sobre o livro, que narra a vida de uma garota que cresceu sozinha nos pântanos da Carolina do Norte e foi adaptado para o cinema em 2022.