Em 1938, uma invasão alienígena criou pânico entre os estadunidenses. Ela não era real, mas uma performance no rádio do ator e diretor Orson Welles, baseada no livro A guerra dos mundos, de H. G. Wells. Ali ficava claro o poder do entretenimento de massa – rádio, televisão, cinema – de embaralhar a realidade e a ficção.
Ao longo das décadas, essa mescla ganharia novos contornos. Por exemplo, o pseudodocumentário A bruxa de Blair, dirigido por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez e lançado em 1999, em que um trio de estudantes de cinema vai para uma região remota documentar uma lenda local. Eles desaparecem, mas, um ano mais tarde, o material filmado é encontrado – por isso, esse tipo de filme frequentemente é descrito como “found footage” (imagens descobertas).
Claro que é tudo simulado. A bruxa de Blair fez muito sucesso, com pessoas se apavorando por acreditarem que era tudo verdade graças a uma campanha de marketing esperta, que sugeria a veracidade das tais imagens encontradas na montanha. O longa deu origem a uma série de produções “found footage”, como Atividade paranormal e REC, ambos de 2007.
O gênero mais famoso, porém, é o mocumentário – em inglês, “mockumentary”, uma junção das palavras “mock” (falso, imitado, simulado) e “documentary” (documentário). Trata-se de comédias que satirizam alguma coisa e parecem ser verdadeiras.
Essas obras contam com a participação de pessoas comuns, que pensam estar em um documentário, e não em um mocumentário. Séries como The office, Abbott elementar, What we do in the shadows e Parks and recreation também tomam esse estilo emprestado, mesmo sendo 100% ficcionais, com atores fazendo todos os personagens.
A seguir, selecionamos alguns dos mocumentários fundamentais para dar play e, talvez, um bug na sua cabeça!
Borat e Brüno
O inglês Sacha Baron Cohen tem uma galeria de personagens fictícios – do gângster Ali G ao ditador Aladeen. Mas suas criações mais famosas são Borat, um repórter sem noção do Cazaquistão, e Brüno, um jornalista de moda austríaco que queria ser influencer antes mesmo de a palavra existir.
O primeiro foi astro de Borat – O segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América (2007) e Borat 2: fita de cinema seguinte (2020). Em ambos, ele viaja pelos Estados Unidos satirizando o modo de vida dos habitantes, que passam por situações embaraçosas.
No longa de 2020, ele chega a ir atrás de Mike Pence, então vice-presidente, e Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York e um dos apoiadores de Donald Trump. Giuliani acaba protagonizando uma cena constrangedora. Já o protagonista de Brüno (2009) busca a fama e o glamour no mundo da moda.
Jury duty
A surpresa da temporada televisiva, indicada a três Emmys (incluindo o de melhor série cômica), “documenta” o júri popular de um julgamento de Los Angeles. O detalhe é que todos ali são atores – há até um famoso, James Marsden (Westworld e Encantada), fazendo uma versão mais insuportável de si mesmo.
A exceção é o jurado número 6, Ronald Gladden, que não desconfia estar participando de um julgamento falso. Os jurados-atores fazem de tudo para provocar reações de Ronald.
Jury duty não chega a ser uma sátira, e por isso não se encaixa exatamente no estilo mocumentário, usando elementos de reality show e de pegadinha. Apesar de enganar o pobre Ronald, o resultado é tão engraçado quanto alentador.
Isto é Spinal Tap
O filme, dirigido por Rob Reiner (Conta comigo e Harry e Sally – Feitos um para o outro) e lançado em 1984, inaugurou uma nova era dos mocumentários.
Aqui, os corroteiristas Christopher Guest, Michael McKean (Better call Saul) e Harry Shearer são os membros da banda fictícia de heavy metal inglesa Spinal Tap. Ela é objeto de um documentário igualmente fictício de Marty Di Bergi (o próprio Reiner), que acompanha o grupo em turnê pelos Estados Unidos.
O filme faz graça com os clichês dos roqueiros e imita o estilo dos docs musicais.
O melhor do show
Christopher Guest, ator e roteirista de Isto é Spinal Tap, gostou tanto de fazer mocumentários que escreveu e dirigiu vários.
Neste aqui, de 2000, cinco cachorros e seus donos viajam à Filadélfia para uma competição. Os humanos são um casal sem grana da Flórida (interpretado por Eugene Levy e Catherine O’Hara, que depois fariam juntos a série Schitt’s creek), um casal de yuppies de Chicago (Parker Posey e Michael Hitchcock), um simpático aspirante a ventríloquo (o próprio Guest), uma esposa-troféu (Jennifer Coolidge) e um casal gay (Michael McKean e John Michael Higgins).
Eu ainda estou aqui
Houve um tempo em que Joaquin Phoenix estava esquisito. O ator foi ao programa de David Letterman e, entre resmungos quase incompreensíveis, disse que estava deixando a carreira para virar rapper.
Era tudo para um mocumentário dirigido por seu então cunhado, Casey Affleck. Nele Phoenix compõe e encontra rappers famosos sem sair do personagem.