Black power

Neste mês, Nia DaCosta se tornou a primeira negra a assinar um filme da Marvel. Conheça o trabalho dela e de outras diretoras negras que vêm deixando suas marcas no cinema.  

Nia DaCosta sabe bem o significado de ser a primeira mulher negra a dirigir um filme da Marvel. A cineasta estadunidense (A lenda de Candyman, 2021), que acaba de lançar As Marvels, o primeiro longa do estúdio a ser encabeçado por três heroínas e uma vilã, diz jamais ter sentido que não poderia ser uma diretora de cinema.

“Tive muito apoio da minha mãe. E cresci assistindo a filmes de diretoras como Kasi Lemmons, de Amores divididos (1997), e Gina Prince-Bythewood, de Além dos limites (2000), que são parte da cultura negra nos Estados Unidos”, disse em entrevista com participação da ELLE. “Depois, claro, teve a Ava DuVernay, a primeira mulher negra a dirigir uma produção de mais de 100 milhões de dólares (Uma dobra no tempo, de 2018). Ela não apenas fez, como também trouxe outras mulheres. Eu as vejo como pessoas que abriram os caminhos.”

Por isso, para a diretora, de 34 anos, era só uma questão de tempo. “Mas óbvio que eu tinha clareza das limitações impostas a mulheres e a mulheres não brancas, que existiam então e hoje permanecem.” 

Dentro do Universo Cinematográfico Marvel, antes de Nia houve Chloé Zhao, vencedora do Oscar de filme e direção com Nomadland (2020), à frente de Eternos (2021), e Anna Boden, de Se enlouquecer, não se apaixone (2010), que codirigiu Capitã Marvel (2019) com Ryan Fleck. 

Carol Danvers, ou Capitã Marvel, interpretada por Brie Larson (ganhadora do Oscar por O quarto de Jack, de 2015) está de volta em As Marvels, tendo seus poderes atrelados aos de Monica Rambeau (Teyonah Parris, da série WandaVision), que a considera uma tia de coração, e Kamala Khan (Iman Vellani, da série Mrs. Marvel). Acostumada a ser solitária no espaço, Carol vai precisar trabalhar em conjunto com as duas para proteger o universo de uma grande ameaça. E ao mesmo tempo lidar com o seu sentimento de culpa por ações passadas.

Nia Dacosta

Nem sempre os filmes da Marvel dirigidos e protagonizados por mulheres são bem recebidos, gerando comentários negativos antes mesmo de sua estreia. São chamados de “lacração” e de “feministas” sem ninguém ter visto nenhuma cena. Não foi diferente aqui. As Marvels, que teve várias trocas de datas e não contou com a promoção de suas atrizes, por causa da greve, estreou em um momento em que o público parece ter se cansado das produções de super-heróis. O longa teve a pior bilheteria do fim de semana de estreia para um filme do Universo Cinematográfico Marvel, com 47,7 milhões de dólares arrecadados nos Estados Unidos e 63,3 milhões de dólares no resto do mundo. A resposta de Nia é que nem todo filme é para todos. Mas ela sabe da importância de uma produção desse tipo encabeçada por mulheres na frente e atrás das câmeras. “A maior parte dos filmes da Marvel fala de homens. E acho importante mostrar poder de uma maneira diferente, expandindo nossa imaginação em relação a isso.” 

No set, ela se cerca sempre de pessoas que são respeitosas e aceitam bem a liderança de uma mulher jovem e negra. “Até porque nesse caso não era só eu. Temos quatro mulheres encabeçando a história. A Iman Vellani tinha 18 anos quando filmamos. Queria que todas estivessem protegidas e se sentissem ouvidas.”

A seguir conheça outras diretoras negras, da estadunidense Ava DuVernay à brasileira Juliana Vicente, que vêm deixando suas marcas no cinema.

Kasi Lemmons

Kasi Lemmons2

A estadunidense ganhou o Film Independent Spirit Awards de melhor longa de estreia com Amores divididos (1998), sobre as mulheres em uma casa cheia de segredos e mentiras encabeçada por Louis Batiste (Samuel L. Jackson), abrindo portas para muitas outras diretoras. Também assinou as cinebiografias Harriet (2019), sobre Harriet Tubman, heroína que libertou pessoas escravizadas, e
I wanna dance with somebody – A história de Whitney Houston (2022), sobre a cantora pop.

Gina Prince-Bythewood

Gina Prince Bythewood2

Além dos limites (2000), estreia da estadunidense na direção de longas, foi lançado em Sundance e ganhou o prêmio de roteiro no Film Independent Spirit. O filme, estrelado por Sanaa Lathan e Omar Epps, fala de dois amigos de infância e suas paixões, que incluem o basquete, e foi influente para diretoras negras das gerações seguintes, como Nia DaCosta. Gina também dirigiu os filmes de ação The old guard (2020), com Charlize Theron, e A mulher-rei (2022), protagonizado por atrizes negras, com Viola Davis no papel de uma general que treina guerreiras Agojie, protetoras do reino de Daomé, no oeste africano do século 18.

Ava DuVernay

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A estadunidense foi a primeira mulher negra a ser indicada ao Oscar de melhor filme por Selma: a marcha da liberdade (2014), sobre a luta pelos direitos civis encabeçada por Martin Luther King. Na sequência, dirigiu o documentário A 13ª emenda (2016), sobre o encarceramento em massa de pessoas negras nos Estados Unidos, e a série Olhos que condenam (2019), sobre cinco rapazes negros e latinos acusados erroneamente de estupro e condenados por um sistema judiciário preconceituoso, em 1989. Em 2023, foi a primeira cineasta negra dos Estados Unidos a competir pelo Leão de Ouro em Veneza, com Origin, inspirado em Isabel Wilkerson (interpretada por Aunjanue Ellis), autora do livro Casta: as origens do nosso mal-estar (2020), que compara sistemas de casta nos Estados Unidos, na Índia e na Alemanha nazista. Ava também lidera iniciativas para a inclusão de mais pessoas negras no audiovisual.  

Chinonye Chukwu

Chinonye Chukwu2

Nascida na Nigéria, mas criada desde bebê nos Estados Unidos, a diretora chamou a atenção com Clemência (2019), vencedor do Grande Prêmio do Júri em Sundance. No filme, Alfre Woodard, indicada ao Bafta de melhor atriz, interpreta uma carcereira que estabelece uma conexão com um homem no corredor da morte. No ano passado, ela dirigiu Till – A busca por justiça, baseado na história real da luta de Mamie (Danielle Deadwyler), mãe de Emmett Till, um garoto negro linchado após ser erroneamente acusado de ofender uma mulher branca, em 1955. 

V. Rockwell

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Da novíssima geração de diretoras negras nos Estados Unidos, ela dirigiu apenas um longa-metragem, Mil e um (2023), que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Sundance. O filme fala de uma mãe (Teyana Taylor) que rapta seu filho do sistema de lar temporário. Mil e um também foi indicado ao Gotham Independent Film Award de melhor filme, enquanto Rockwell concorreu ao prêmio para estreante na direção, e Teyana, a melhor performance principal na premiação. 

Raven Jackson

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Outro novo nome entre as cineastas negras dos Estados Unidos, Jackson dirigiu All dirt roads taste of salt, que estreou em Sundance este ano. Produzido por Barry Jenkins, diretor de Moonlight – Sob a luz do luar (2017), trata-se de um longa poético de memórias sobre a vida de uma mulher comum, Mack (interpretada em diferentes fases por Kaylee Nicole Johnson, Charleen McClure e Zainab Jah), da infância à fase adulta. Por meio dela, Raven retrata a experiência negra nos Estados Unidos.

Viviane Ferreira

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Nascida em Salvador, mas vivendo desde a adolescência em São Paulo, ela estreou com o longa-metragem Um dia com Jerusa (2021), com Léa Garcia no papel principal, uma mulher que surpreende uma pesquisadora (Débora Marçal) com suas respostas surpreendentes. Viviane foi a segunda mulher negra brasileira a dirigir individualmente um longa de ficção. Neste mês, estreia Ó paí, ó 2, sequência do sucesso de 2007, também protagonizado por Lázaro Ramos e Dira Paes. É diretora-presidente da Spcine, empresa de cinema e audiovisual do município de São Paulo.

Glenda Nicácio

Glenda Nicacio2

Codirigiu com Ary Rosa Café com canela (2017). No filme, Margarida (Valdinéia Soriano) vive isolada após perder o filho. Um dia, uma ex-aluna, Violeta (Aline Brunne), bate à sua porta e fica determinada a trazê-la de volta à vida. O longa venceu os Candangos de melhor filme segundo o público, roteiro e atriz (Soriano) no Festival de Brasília. A diretora mineira também fez Ilha (2018), Até o fim (2020), Voltei! (2021), Mugunzá (2022) e Na rédea curta (2022), sempre em parceria com Ary Rosa. 

Juliana Vicente

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Fundadora da Preta Portê Filmes, a paulistana assinou o clipe de “Marighella”, dos Racionais MC’s (2012), e o documentário Racionais: das ruas de São Paulo para o mundo (2022), lançado pela Netflix. No ano passado, apresentou ainda o documentário Diálogos com Ruth de Souza, sobre Ruth de Souza (1921-2019), protagonista de Sinhá Moça (1953), que disputou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Ruth foi a primeira atriz negra a protagonizar uma novela na TV Globo (A cabana do Pai Tomás, de 1969) e abriu espaço para muitas outras na dramaturgia brasileira. Juliana Vicente também está na equipe de direção da novela Terra e paixão, no ar pela Rede Globo.

FOTOS: GETTY IMAGES E DIVULGAÇÃO