De todos os produtos de beleza, os perfumes podem ser os mais polarizantes. Algumas pessoas amam ingredientes clássicos, como baunilha, jasmim e oud (quem aí se lembra do boom de Angel, de Thierry Mügler, nos anos 1990?), enquanto outras quase tampam o nariz ao sentir notas tão doces como essas.
Mas, de vez em quando, eis que parece surgir uma fragrância capaz de unir a direita e a esquerda no campo olfativo e se tornar o sinônimo de uma era, de um lugar ou de alguém. Um bom exemplo? Baccarat Rouge 540, da Maison Francis Kurkdjian.
Lançado em 2016, inicialmente como uma edição limitada para celebrar os 250 anos da Baccarat, ele acabou sendo adicionado à coleção permanente de Kurkdjian, responsável por criá-la. O perfumista desenvolveu uma nova versão do agora já icônico frasco vermelho e viu o primeiro lote esgotar em cerca de 20 dias. Desde então, sua popularidade não diminuiu nada: as buscas por “Baccarat Rouge”
no Google chegam a 6 milhões e as visualizações no TikTok em impressionantes 565 milhões.
Viralizar na internet, claro, não significa necessariamente altas vendas. Baccarat Rouge pode ser um dos perfumes mais comentados e desejados dos últimos tempos, mas não é para todos: a começar pelo fato de nem todo mundo estar no TikTok, tampouco conseguir pagar 235 libras por um frasco de 70 ml. Preço e exclusividade significam que você não encontrará com tanta frequência nem ele nem outros perfumes do tipo cult liderando as listas de mais vendidos.
Há, é claro, algumas fragrâncias que furam a bolha, alcançando bons números tanto em vendas quanto em status. Chanel N° 5 ainda é adorado por milhões de pessoas mais de 100 anos após seu lançamento. Ele é ligeiramente mais forte do que a maioria dos perfumes florais populares e não é tão doce, uma combinação que agrada clientes mais exigentes. Suas estatísticas no TikTok parecem bastante modestas em comparação com Baccarat Rouge – pouco mais de 80 milhões de visualizações. Mas, para um produto da “velha guarda”, os números ainda impressionam.
Isso também acontece com For Her, de Narciso Rodriguez, um perfume que, duas décadas após o seu lançamento, tem um frasco comprado a cada 15 segundos em todo o mundo. A fragrância original também foi criada por Francis Kurkdjian, em parceria com Christine Nagel (o nariz por trás de outros perfumes famosos, como o Si, da Armani). Ela voltou a se tornar um objeto de desejo após o lançamento viral da versão Musc Noir Rose for Her, em 2022, quando um vídeo intitulado “O perfume
da garota francesa?”, no qual o perfume é mencionado, acumulou mais de 16 milhões de visualizações no TikTok.
For Her é uma fragrância peculiar, que combina uma dose generosa de almíscar com rosa. Essa foi a assinatura de Rodriguez, diretor criativo da marca, que trabalhou em estreita colaboração com os perfumistas. “Cresci na década de 1970, em que o almíscar estava em toda parte. Eu coloquei muita paixão no frasco, então é incrível ver seu sucesso renovado”, conta o estilista, que recentemente lançou All of Me, o segundo perfume da casa. Mas o que faz um perfume se tornar um verdadeiro ícone cultural? “O cheiro, obviamente, mas também o timing. E um pouco de sorte”, diz Narciso Rodriguez.
Isto parece mesmo ser uma regra geral entre os perfumes célebres: identificar o espírito do momento. Vamos pegar como exemplo a Glossier You, primeira (e atualmente única) fragrância da Glossier, fundada pela estadunidense Emily Weiss, que mudou o mercado de beleza na última década. É claro que um perfume da marca das garotas descoladas iria se tornar popular, mas, seis anos depois, o hype em forno de You continua em versões sólidas, roller e velas se juntando à linha de produtos. “Todos nós sonhamos em criar uma fragrância hit. Sabíamos que as pessoas estariam interessadas, mas não esperávamos esse nível de fama de jeito nenhum”, conta a criadora do perfume, Dora Baghriche.
You entra na categoria skinscent, ou “cheiro de pele”, o nome dado às fragrâncias que são poderosas nas sutilezas, em vez de irem com tudo em intensidade. É suave e moderno em comparação com um floral clássico e, por isso, também se encaixou perfeitamente na estética “clean girl” de 2017. “Acho que ele refletiu um estado de espírito. Era exatamente o que as pessoas estavam buscando”, diz Baghriche. “Mas existem tantos fatores além do controle do perfumista: embalagem, marketing, um
rosto e, vamos admitir, sorte”, completa.
A sorte indiscutivelmente entrou em jogo com o sucesso do Baccarat Rouge quando rumores começaram a circular de que Rihanna – que é conhecida por cheirar tão bem quanto parece – usava o perfume. Rapidamente ele se tornou conhecido como “o favorito de Rihanna” (ela desde então lançou o seu próprio, que, inclusive, é bem parecido com este da MFK), uma distinção que fez o Baccarat crescer novamente em popularidade.
Assim como o Glossier You e o Narciso for Her, ele é único e imediatamente reconhecível, com a capacidade de se tornar o “cheiro característico” de alguém, elementos-chave para obter uma vaga no alto panteão da perfumaria. Outro fator importante é a fragrância ser capaz de parar o trânsito: quando estranhos elogiam ou colegas tentam descobrir quem está cheirando tão bem naquele ambiente.
Esse foi o objetivo de Victoria Beckham ao dar seu primeiro passo no universo olfativo, lançando uma linha sob sua marca de beleza homônima. “Criar essa coleção foi como dar à luz trigêmeos”, diz brincando. Cada um dos perfumes vem fundamentado em memórias de suas viagens com David, seu marido, e seus filhos: San Ysidro Drive (para sua mudança para Los Angeles), Suite 302 (marcando suas viagens de aniversário com David a Paris) e Portofino ‘97 (inspirado em uma viagem secreta longe dos paparazzi). “É o maior elogio quando alguém para e pergunta que perfume você está usando”, acredita. “Isso aconteceu comigo nos últimos anos, enquanto eu estava testando variações dos meus perfumes.” Para Victoria, a singularidade em criar algo que pode ser o “cheiro característico” de alguém foi algo que a atraiu para o business.
O mesmo serve de inspiração para o perfumista Jérôme Epinette, responsável por criar a linha de Victoria e que, antes disso, desenvolveu sucos para marcas alternativas como Byredo. Segundo ele, uma fragrância de sucesso precisa se equilibrar entre “ter uma mensagem forte e causar impacto sem ser muito específica”. “Também precisa ser reconfortante, algo ao qual você sempre retornará, mesmo quando as tendências e gostos mudarem”, diz. “Embora as primeiras impressões sejam importantes, você precisa ter longevidade. Isso é o que todos nós, perfumistas, desejamos quando criamos uma nova fragrância.”
Como parte de seu novo papel como diretor de criação de perfumaria na Dior, a mais recente criação de Francis Kurkdjian é L’Or J’Adore, uma versão da famosa linha J’Adore atualizada, “torcida e reimaginada”, que é ao mesmo tempo calorosa e floral. Será que tem potencial para ser mais um acerto na conta do perfumista? “Para mim, é mais importante que o perfume seja contemporâneo e as mulheres de hoje possam se enxergar nela”, afirma.
Atender à mulher moderna, que continuará a usar aquele cheiro amanhã, é fundamental. Ter rostos como o de Victoria Beckham e Rihanna por trás de um produto pode fazer a diferença na hora da venda, mas elas não estarão lá quando você estiver exalando seu perfume e esperando por um elogio passageiro. Ao que parece, o ingrediente mais importante para o sucesso é simples. “No final das
contas, só tem que ser uma ótima fragrância”, conclui Epinette.