“Na minha família, já havia a incidência de casos e, aos 25 anos, os sinais de que eu seria ‘a próxima vítima’ começaram. Mas foi a partir dos 35 que os cabelos ficaram mais finos e raros na parte superior do couro cabeludo – como um solidéu dos padres. Passei a brincar dizendo que meus cabelos eram como uma piscina: está cheio, mas dá para ver o fundo”, diz o consultor Daniel Machado, 44 anos, sobre uma condição que afeta boa parcela do público masculino: a calvície.
Entre a geração mais nova, a preocupação de ficar careca, curiosamente, parece ter ganhado um impacto ainda maior e recebeu até termo específico: “hairxiety” (união das palavras “hair”, que significa “cabelo”, e “anxiety”, que significa “ansiedade”). Uma pesquisa realizada no Reino Unido, por exemplo, revelou que nove em cada dez jovens adultos estão preocupados com a possibilidade de o cabelo ficar ralo, diminuir de volume ou desaparecer completamente.
Nos últimos anos, porém, a alopecia androgenética, o termo técnico para “calvície”, felizmente tem ganhado uma conotação menos punitivista e mais cômica na cultura popular graças a personagens que resolveram dar uma nova leitura para o terror de muitos – caso do “calvão de cria”, o corte de cabelo viral que foi inventado em uma barbearia em Três Passos, cidade no Rio Grande do Sul com pouco mais de 20 mil habitantes.
“A ideia surgiu como uma brincadeira entre os meus clientes. Ficamos falando: ‘É o calvão, é o calvão’. Quando fui postar à noite, coloquei calvão ‘de cria’, porque é uma gíria da gurizada aqui, de Três Passos”, explica Márcio Campos, dono da barbearia D’cria Barber Shop e responsável pelo corte original.
Desde então, a tendência explodiu: só no TikTok, o termo “calvão cria” soma mais de 1 bilhão de visualizações. Já no Instagram, basta procurar a hashtag com as mesmas palavras para encontrar diversos jovens com o centro do couro cabeludo raspado.
E o jogo parece que continua a virar em favor dos calvos: em março deste ano, o Burger King decidiu homenagear aqueles que sofrem com a queda de cabelo ao distribuir sanduíches grátis para quem mostrasse suas entradas.
Mas a ação não era para qualquer um. Para ganhar o hambúrguer, era necessário ser um “Calvo Drive-Thru”, como batizou a rede de fast food: com entrada por um lado, passagem por trás e saída pelo outro lado. Obrigatoriamente, os clientes precisavam acessar o restaurante pelo serviço de drive-thru e comprovar sua calvície para o atendente.
De acordo com Nicole Silbert, especialista de tendências e líder de marketing na WGSN LATAM, esse novo jeito de olhar a calvície tem muito a ver com uma resposta aos comportamentos da geração Z. “Dentro dos quatro perfis de consumidores de cosméticos que detectamos estarem em ascensão para 2025 estão os chamados ‘questionadores’. Eles encaram a cultura da beleza opressiva como uma crise de saúde pública e estão na missão de tornar esse mercado mais inclusivo, transparente e seguro. Ou seja, estão desafiando tabus o tempo todo: inclusive o da calvície”, explica.
O que diz a ciência?
A queda de cabelo pode ser causada por diversos fatores, incluindo idade, saúde geral e estilo de vida. No caso da alopecia androgenética, a condição está diretamente ligada a hormônios masculinos, em especial a testosterona. “O processo de calvície, ou alopecia androgenética, é definido fundamentalmente por uma herança genética determinante para uma sensibilidade aumentada dos folículos pilosos a um hormônio derivado da testosterona, a dihidrotestosterona (DHT), que inibe o crescimento do fios do cabelo, tanto em homens quanto em mulheres”, explica Victor Bechara, 35 anos, dermatologista especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e professor de cosmiatria da UFRJ.
Vale dizer que nunca antes estivemos tão bem equipados do ponto de vista da medicina para lidar com a calvície. As opções de tratamento atualmente são das mais diversas. Dentre as possibilidades estão medicamentos de uso tópico – como soluções de minoxidil – e até pílulas de via oral – como a dutasterida ou a finasterida, ambas inibidoras da ação da 5-alfa-redutase, a enzima que transforma a testosterona em dihidrotestosterona. Ainda para casos mais extremos, procedimentos com lasers e microagulhamento podem ser utilizados para estimular o crescimento do cabelo. Com tudo isso à disposição, impressiona que a ideia de assumir a calvície tenha sido tão difundida e bem aceita em certos circuitos.
A hora de assumir e sumir
“Eu tenho uma relação de respeito com minha calvície. Não posso dizer que amo, mas aprendi a conviver bem com ela”, conta Daniel. Para os que não rejeitam o visual careca, alguns cuidados são essenciais. “Os cabelos têm uma função importante para a proteção física do couro cabeludo contra agentes externos, como radiações UV, poluição e substâncias químicas, entre outros”, explica Victor Bechara. “A pele do couro cabeludo mais exposta pode desenvolver ressecamento, fissuras e até mesmo lesões cancerígenas pelo excesso de radiação UV.” O uso de chapéus, bonés, protetores solares, xampus e hidratantes na região são algumas das recomendações indispensáveis.
“Quando decidi raspar a cabeça e aceitar que estava ficando careca, sabia que era importante cuidar do couro cabeludo assim como da pele do rosto”, escreveu o apresentador estadunidense Karamo Brown, no site de sua marca de skincare MANTL, focada em homens carecas. “Tive muita dificuldade em encontrar produtos que funcionassem no meu rosto, no couro cabeludo e em meu tipo de pele. A partir dessa frustração, decidi criar uma marca com produtos que todos possam desfrutar.”
Em solo nacional, o scalpcare (cuidados com o couro cabeludo) também já é uma realidade, com ofertas de marcas brasileiras. Um exemplo é o sérum capilar de gengibre da The Body Shop, que nutre o couro cabeludo, aliviando a coceira e a descamação. Outra opção é o Sun Shield, da Keune Haircosmetics, um óleo em spray que protege a pele da região dos raios UV.
Seja no combate, seja na aceitação, a calvície ainda é um tema delicado para muitos homens, e que se normalizou ao longo dos anos com piadas. Sobre essa relação, Daniel reflete: “Se a gente puder encarar a vida com mais leveza e humor, tudo fica menos pesado. Só não podemos nos esquecer das pessoas que sofrem e não aceitam a realidade da calvície com a mesma naturalidade. Antes de fazermos piada de tudo, temos que oferecer uma ajuda especializada aos que precisam desse apoio. Mas sorrir sempre será um bom remédio.”