O empresário porto-alegrense Eduardo Ferraza, 27 anos, costumava ficar confuso nos dias em que a consultoria de marketing em que trabalhava liberava o dress code. Os colegas iam vestidos da maneira que queriam. “Não havia certo ou errado, e cada um demonstrava o seu estilo. Mas, além da liberdade positiva, eu sentia um pouco de confusão”, conta.
É cada vez mais comum os escritórios aderirem à casualização, ou seja, a troca do vestuário formal, com terno e gravata, por um visual mais leve e que, ainda assim, transmita credibilidade. O afrouxamento dessas regras também acendeu uma lâmpada no empreendedorismo. A novidade inspirou o próprio Ferrazza a fundar, em 2020, um e-commerce, o Parla, dedicado a jovens profissionais que procuram peças de “elegância descomplicada”.
São itens básicos de materiais e caimentos de qualidade, em que se destacam camisetas, suéteres e polos de design atemporal e mais condizentes com a realidade dos homens contemporâneos. Essas peças entram no lugar do traje social, hoje em dia entendido como engomadinho demais para eles. E a aposta tem dado certo. Desde a fundação, o Parla tem uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 95%, de acordo com Ferrazza.
A marca não é a única nesse caminho. De acordo com a Statista, uma plataforma de inteligência de negócios, as etiquetas brasileiras dedicadas ao público masculino estão em um cenário promissor. A projeção de crescimento anual do mercado, de 2024 a 2028, é de 3,26% ‒ a receita desse ano deve chegar a mais de 11 bilhões de dólares, ultrapassando os 57 bilhões de reais. Ainda segundo a Statista, os homens brasileiros estão mais adeptos a “cores vibrantes e padrões ousados”, o que “reflete a cultura vivaz do país”.
“A indústria brasileira deve correr atrás para resolver essa diferença ou vai caducar.”
Mario Queiroz
Igualmente na linha da moda masculina séria, mas casual, a Sardegna Sartoria, loja fundada por Bia Harley e Lucas Albuquerque, já angariou um espaço no mercado oferecendo camisas de linho, polos, bermudas e blazers, entre outros itens. “A gente busca resolver todas as necessidades do nosso cliente. Ele quer ir à praia? Quer ficar em casa? É inverno? A gente resolve”, diz Harley.
A alfaiataria é o habitat natural de Igor Dadona. Com sua marca homônima, o estilista apresentou pela primeira vez roupas femininas em uma coleção, na última São Paulo Fashion Week, mas a sua especialidade mesmo é a criação para eles. Hoje a ideia é expandir o negócio, mas, desde o início, o foco no masculino tinha como objetivo abocanhar um mercado menos explorado.
“A gente não tem um grande público de moda masculina autoral no Brasil”, diz. “Os designers têm exercitado a criatividade e introduzido novos códigos, porém boa parte desses clientes ainda prefere o clássico e não aceita qualquer tipo de proposta.” Segundo o estilista, caminhamos lentamente rumo à ousadia. “Tem muita gente legal no meio, mas sinto que todos ficam nessa balança entre a área comercial e a conceitual, avaliando até onde pode ir.”
Mário Queiroz, autor do livro Homens e moda no século XXI (Editora Senac Rio, 2019), enxerga o cenário de forma semelhante. Para o designer e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP, falta às grandes redes de moda, que estão nos shoppings e nas ruas e cujos preços são mais acessíveis à parcela expressiva da população brasileira, acreditar no homem que gosta de novidades e variações. Essas empresas não têm contemplado o que é mais importante para a moda hoje: o estilo pessoal.
“Costumo fazer um exercício que é dizer para as pessoas andarem pelo shopping, não olharem o nome das marcas e comparar as roupas. Quando você começa a observar, não sabe quem é quem, porque são peças muito parecidas”, ele analisa.
De acordo com um estudo de 2020 do Observatório de Negócios do Sebrae Santa Catarina, a falta de diversidade nas opções de vestuário e o preconceito sobre peças que fogem das convenções de gênero são dois pontos bem sensíveis para esse público. Os papéis sociais tradicionalmente atribuídos aos homens e às mulheres pauta a curadoria do que encontramos nas prateleiras.
A leitura possível desses dados é a de que o mercado está em expansão, mas não existe um boom proporcional no aspecto do design.
“A indústria brasileira deve correr atrás para resolver essa diferença ou vai caducar”, defende Queiroz. “Essas empresas seguem a direção comercial, e muitas vezes curiosamente ignora o público mais amplo. Se na estação passada eu não vendi essa cor, então não vendo mais ela. O departamento comercial está sempre preocupado em estabelecer o que é viável no sentido da grande produção e assim acaba por se repetir.”
No entanto, existem avanços. O Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, do Senai, aponta que o debate sobre a masculinidade tem impactado a moda em vários aspectos, de modelos disponíveis a campanhas publicitárias e conceitos de coleções. Essa desconstrução revela coleções mais sensíveis e descontraídas, preocupação com diversidade e peças com elementos menos restritivos em termos de gênero – ou que brincam mesmo com alguma dualidade.
Mario Queiroz vê uma brecha no mercado conservador com a influência do streetwear. A estética das ruas, com peças oversized, além de suas estampas, padrões e cores, tiraram o vestuário masculino do lugar-comum. As fronteiras entre o masculino e o feminino estão mais frouxas nesse segmento ‒ o que não quer dizer, necessariamente, que ele esteja livre do machismo.
Nelson Silva, fundador e diretor da marca Bannanna, de São Paulo, focada principalmente em beachwear, diz que vê pouca intenção dos criadores atuais em realmente querer quebrar as noções rígidas de comportamento. A marca de Nelson é conhecida pelas sungas cavadíssimas, inspiradas nos anos 1980, e pela clientela majoritariamente gay.
Nelson afirma que entende o fato de não chamar a atenção de homens hétero porque não cria pensando neles, porém tem se surpreendido com os próprios compradores gays mostrarem ultimamente certa resistência às criações mais ousadas. “Este ano, vamos lançar algo inesperado para nós, mas que o nosso cliente espera da gente: uma sunga 100% clássica, larga, que eu considero conservadora”, diz.
O mercado muda o tempo todo e as empresas ficam atentas às direções em que o vento sopra, mas, segundo Nelson, fica a sensação de injustiça para os que buscam jogar a conversa para a frente. “Cinco anos atrás, eu fazia regata cropped, camisas curtas. Elas eram vistas como peças para gays. Agora, há marcas masculinas encaixando esse produto no homem hétero”, ele diz. “A gente, que é o laboratório dessa desconstrução, não colhe os frutos.”