Tudo começa com uma pesquisa rápida no X (antigo Twitter). É só escrever “cavanhaque” na plataforma e ver a mágica acontecer. Em um piscar de olhos, centenas de tuítes de homens e mulheres aparecem na tela. Todos têm, além da palavra-chave, mais uma coisa em comum: uma nova afeição pelo tradicional corte de barba. “Bigode e cavanhaque é calcinha no chão”, escreve uma internauta na rede, colecionando curtidas. Outra comenta: “Não assumo homem sem cavanhaque”.
Enquanto apreciadores são bem vocais quanto às novas preferências, diversos homens fazem questão de postar cliques exibindo o novo look. E aí é que as curtidas chegam de verdade. Tuítes diversos reúnem centenas e até milhares de likes de quem, de fato, está apaixonado pelo visual. O que antes era considerado um pouco cafona e até cafajeste agora incita desejo e emana sex appeal, mas sem perder um quê de boy lixo – que talvez seja a principal razão por trás de todo esse auê. Afinal, uma coletânea de selfies com a legenda “cavanhaque de puto” já soma mais de 1,5 mil curtidas, por exemplo.
Não à toa, são muitas as celebridades que já aderiram ao visual ressignificado. Entre elas está Charles Leclerc, piloto de Fórmula 1 pela Scuderia Ferrari, e Lando Norris, que representa a McLaren no mesmo campeonato automobilístico. No Brasil, o influenciador Chico Moedas é provavelmente o dono do cavanhaque mais famoso da internet, seguido de Mc Livinho e do também cantor Jão.
De acordo com o antropólogo fundador da consultoria Consumoteca Michel Alcoforado, os pelos – no rosto e no corpo – foram grandes demarcadores sociais de classe entre os homens ao longo da história. “Isso varia com alguma frequência, mas, nos anos 1980 e 90, era raro ver barba nas classes média e alta brasileiras. Diziam preconceituosamente que era ‘bigode de porteiro’.” Segundo ele, a barba, o bigode e, claro, o cavanhaque reinavam apenas nas periferias.
“O cavanhaque tem um significado muito impactante na imagem. Ele fecha o rosto, deixa o homem mais sério, mais bravo…”
Juarez Leite
Mais recentemente, o cenário se inverteu. “Um exemplo bem atual é o Davi, campeão do BBB 24, que fazia questão de dizer que se depilava completamente”, continua. E onde entra o cavanhaque nessa história? Muito provavelmente na possibilidade de um desmantelamento dessa leitura distintiva: “Ao que parece, esse jogo está deixando de fazer sentido e o cavanhaque chega como uma nova forma de se destacar, independentemente da classe social”.
Para entender o fenômeno, precisamos dar alguns passos para trás. “O homem contemporâneo que está na faixa etária dos 25 aos 40 anos está redefinindo o que pode ser uma masculinidade aceitável”, diz Alcoforado. Por isso, quem foge da caricatura “hétero top” muitas vezes fica pisando em ovos. Para entender, basta dar uma olhada nos vídeos publicados pela humorista Lara Santana, no TikTok, em que o protagonista é o personagem fictício Kadu: o masculino está em crise. “Para mim, o cavanhaque ajuda esse homem a se posicionar nesse cenário. Ele aposta em um símbolo tradicional de masculinidade que vem perdendo a sua conotação de macho alfa. Isso quer dizer que ele permite a leitura de uma reafirmação da identidade masculina sem soar retrógrado”, opina o antropólogo.
Nina Grando, pesquisadora de tendências de comportamento, concorda: “O cavanhaque sempre foi um símbolo sexual para homens gays e mulheres. É uma imagem que foge da ideia de inocência ou ingenuidade. Ou seja, é uma maneira de esse homem contemporâneo expressar a sua virilidade ou a sua sensualidade sem cair em nrnhum estereótipo antiquado. E tem funcionado: não à toa, a chuva de postagens nas redes sociais atribuindo ‘o molho’ a esses homens de cavanhaque”.
“É uma maneira de esse homem contemporâneo expressar a sua virilidade ou a sua sensualidade sem cair em nrnhum estereótipo antiquado.”
Nina Grando
O barbeiro visagista Juarez Leite, que soma mais de 2,5 milhões de seguidores no Instagram, garante: “O cavanhaque tem um significado muito impactante na imagem. Ele fecha o rosto, deixa o homem mais sério, mais bravo, principalmente o fechado”. Entre seus clientes em atendimentos externos e em sua barbearia, localizada em Cuiabá, porém, o estilo ainda é pouco procurado – possivelmente pelo fato de que ele demanda do adepto uma confiança que não se pauta pelos privilégios masculinos, mas por um reconhecimento deles e por um desejo de reconfigurar esses sentidos. “Ele não é fácil. É muito forte. Não é todo mundo que se segura o visual.”
“Essa virada de tendência pode vir de duas formas”, aposta Tiago Cecco, barbeiro e fundador da Barbearia 9 de Julho, uma das mais tradicionais de São Paulo. “Ou alguém bem influente começa a usar e a grande massa segue, ou algum movimento de contracultura adota o visual como um símbolo maior. Quando quem tem atitude está usando, mais gente começa a ver, admirar e começa a nos procurar para fazer o mesmo. Dessa maneira orgânica, a coisa ganha muito mais corpo e autenticidade.” Pelo visto (e se tudo correr bem), o cavanhaque tem tudo para se tornar um hit.