O último romântico

Sidney Magal fala (e chora) sobre seu casamento de mais de 40 anos, que inspirou filme e chega aos cinemas este mês, e de como rompeu paradigmas da masculinidade muito antes que o assunto pudesse ser debatido.

Quando Sidney Magal começou a fazer sucesso, no final dos anos 1970, os cantores populares eram Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Antônio Marcos. “Homens homens”, como Magal define em bate-papo com a ELLE View. Ele era diferente. Vestia roupas coloridas, rebolava, usava sem medo seu sex appeal. Enlouquecia as mulheres, que o agarravam e invadiam seu camarim. Para os homens, ele era “uma bichona”. 

Magal nunca se incomodou, como não se perturba hoje ao chorar copiosamente ao assistir duas vezes Meu sangue ferve por você, com previsão de estreia para 30 de maio. Mais do que uma cinebiografia, o filme de Paulo Machline conta a história de amor entre Magal e Magali West, por quem ele se apaixonou à primeira vista em um programa de TV em Salvador e com quem se casou após quatro encontros em 1982. Estão juntos até hoje e, ao falar do relacionamento durante a entrevista, o cantor também chora e pede desculpas. “Nem a Magali aguenta. Ela diz: ‘Não é possível. São 40 e tantos anos de história, e você fica chorando’.” É um romance que rendeu três filhos – Gabriella, 42, Nathália, 39, e Rodrigo, 34 –, além de muitas histórias, que Magal adora contar.  

Prestes a completar 74 anos, em junho, o cantor fala sobre o filme, protagonizado por Filipe Bragança e Giovana Cordeiro, que interpretam o casal na telona, masculinidade e seu amor pela mulher. 

Como sua história de amor virou um filme? 

Para você ter uma ideia, já contei essa história para Gal Costa e Maria Bethânia. Sempre que contava e conto, me emociono e acabo chorando. Nunca soube explicar por que fico tocado cada vez que falo de algo que aconteceu 40 e poucos anos atrás. Cheguei à conclusão de que tem coisas na vida da gente que são definitivas. Quando vi Magali, fiquei perdidamente apaixonado. Era uma convicção de que ela era a mulher da minha vida para todo o sempre. 

As pessoas para quem você conta ficam incrédulas?

Diziam: “Não pode ser”. Porque, geralmente, depois de um amor à primeira vista, você passa a ter alguma relação, papo, convivência. E não tive convivência nenhuma. Tive a certeza assim que a vi. Com o passar do tempo, contei (essa história) em alguns programas de televisão, e o público começou a dar muito valor a isso. Muitas mulheres falavam: “Magal, além de sua fã, sou muito fã da sua vida pessoal, do seu amor, do seu respeito pela família”. 

Como nasceu o filme?

A produtora Joana Mariani, que eu conhecia, trouxe o Paulo Machline, dizendo que minha história era um enredo de filme, um amor fulminante à primeira vista que virou casamento depois de quatro encontros, um a cada mês. Achei ótimo, Magali também ficou muito feliz. Tem lances muito engraçados. Por exemplo, logo na primeira vez em que a vi e disse que queria me casar, ela foi ao aeroporto comigo. Comprei uma boneca Emília, do Sítio do Pica-pau Amarelo. Disse: “Guarda ela porque simbolicamente é a nossa filha e será eternamente, mesmo que venham outros filhos depois”. Quando a Joana contou isso para as pessoas, elas diziam que era apelação. E ela respondia que a boneca Emília vive conosco até hoje. Quando fizemos 25 anos de casados, ela estava sentada à mesa do restaurante junto com meus filhos. Mas não quiseram colocar isso no filme. Acharam muito piegas. 

Você acha?

Minha vida é de apelações, visualmente, minha carreira. Tudo sempre foi considerado uma apelação muito forte pela minha maneira extrovertida de ser. O Paulo Machline adorou a história e criou uma fantasia em cima da realidade para poder botar no cinema. Eu não quis participar. Não tenho essa capacidade. Todo artista tem muito orgulho, vaidade, e eu poderia achar que o Brad Pitt tinha que me interpretar. (risos) E aí não é legal. A única coisa que eu disse é que queria que arrumassem uma mulher tão bonita ou mais bonita do que a minha, porque ela sempre foi linda. Quando fui ver algumas cenas sendo gravadas no Pelourinho, comecei a chorar e não parei mais. 

Como foi ver sua história na tela?

Eu só fazia chorar. Quando pego o celular para ver o trailer, acabo chorando. Nem Magali aguenta. Ela diz: “Não é possível. São 40 e tantos anos de história, e você fica chorando”. Mas acredito que o filme tenha passado para as pessoas de que a minha história é diferente realmente. Porque hoje é tudo muito rápido, muito Tinder. As histórias de amor vão passando e ficando para trás.

Antes de conhecer a Magali, você se considerava um homem romântico?

Sempre fui. Sou filho único. Minha mãe era perdidamente apaixonada pelo meu pai. Depois se separaram. A história dentro de casa é de muito amor, e eu acredito que peguei isso daí. E tem a minha maneira de ser. Quando eu tinha 10 anos de idade, a professora perguntou o que queríamos ser quando crescêssemos. Eu disse que queria ser pai. Nem cantor eu pensava em ser. Tinha consciência de que seria uma pessoa muito realizada se eu tivesse filhos. Antes de conhecer a Magali, eu me envolvi com algumas pessoas e sempre com muito sentimento, carinho, amor, achando que elas eram definitivas na minha vida. Não falo isso para me endeusar, não, mas porque é a pura verdade. Sempre fui muito delicado com as pessoas. Eu nunca fui grosseiro, agressivo.

Você sempre foi chorão?

Sim, inclusive entrei naquele avião chorando depois do primeiro dia com a Magali, a ponto da moça que estava do meu lado me perguntar se eu tinha perdido alguma pessoa. Disse que estava com medo de perder uma. Contei a história toda. A menina chorava, eu chorava. Mas não tinha ideia de que seria tão apaixonado até hoje. Durmo ao lado da minha mulher e às vezes quando acordo vou constatar se ela está respirando. É muito forte. É como se eu tivesse consciência que daquele dia em diante eu não era mais uma pessoa só. Fico arrepiado porque nunca falei isso dessa maneira. Quando minha sogra foi para o Rio pela primeira vez (Magali é de Salvador), queria conversar. Passamos uma noite inteira em um jantar que eu dei em casa com a presença da minha mãe. Quando chegou o final da noite, perguntei se ela (a sogra) queria conversar, e ela disse que não precisava mais, que tinha certeza de que a filha ia ser muito feliz porque nós éramos feitos um para o outro. (Magal começa a chorar) Com esse tipo de endosso, imagina se eu não ia acreditar e não ia passar o resto da minha vida sendo muito romântico.

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Fotos: Juliana Torres

No filme, há algumas cenas divertidas porque você era muito famoso, um sex symbol e um homem romântico, começando um relacionamento. Como foi combinar tudo isso?

Antes de conhecer Magali, tive outro relacionamento mais duradouro, e a pessoa era obrigada a se esconder no porta-malas do carro, sair disfarçada do prédio onde eu morava. Quando conheci a Magali, ela começou, sem querer, a ser um empecilho para tudo isso para o meu empresário, o Roberto Livi. Ele disse que eu não podia pensar em casar nem ter uma relação tão séria porque ia perder meu público. Mas fui taxativo. Falei que ia parar minha carreira porque não tinha pretensão de ser um grande artista, ganhar dinheiro e não ser feliz. Ele ficou muito chateado. Parou de trabalhar comigo, inclusive. 

Para ela, não foi difícil?

Sim. Ela levou um murro na cabeça em saída de show, foi xingada. Havia fãs na porta do prédio. Umas meninas que se alojaram em um prédio em construção para ficar me olhando pela janela. E a Magali, apesar da pouca idade, 16 anos quando foi para o Rio, soube lidar com muita maturidade. Até hoje. Ela diz que eu sou o Sidney, e o Magal pertence ao mundo. A relação aconteceu sem muitos atritos por causa da tranquilidade dela em saber que eu sei dividir. Tem uma história de uma fã que entrou no camarim muitos anos atrás, trançou as pernas na minha coxa e começou a ter um orgasmo, fazendo sexo com a minha perna como se fosse um cachorrinho. A Dudu, das Frenéticas, uma grande amiga, falou: “Magali, o que é isso, minha filha?” E ela: “Olha, eu não sei o que é, mas deixa ela gozar, porque depois com certeza ela vai largar”. O mais engraçado é que umas semanas depois eu estava saindo da TV Globo, perto do horário de um voo, e a Magali viu a mesma mulher gritando. Ela se colocou na frente e disse: “Meu amor, me desculpa, mas hoje não vai dar para gozar. Ele está atrasadíssimo e vai perder o voo”. Essa é a Magali. Como eu posso brigar com uma mulher dessa? 

Na época em que você começou a fazer sucesso, as noções do que era ser homem eram muito rígidas. Como era a reação dos homens com você?

Eu era uma figura muito excêntrica, meio feminino, meio masculino. Sempre tive uma maneira delicada de mexer nos meus cabelos, de me expressar com as pessoas, de lidar com as mulheres, porque sou filho único e fui criado com muito carinho. Aos 16 anos, cantava em boate ao lado de travestis e prostitutas. E ali vi que todo ser humano tem suas diferenças, e elas têm que ser respeitadas. Eu me dei ao luxo de subir no palco na Itália, com 20 e poucos anos, botar um salto alto, um brinco e me contorcer todo. E sempre fui tratado com muito respeito. Os homens falavam: “Desistam, não estão vendo que é uma bichona, que fica fazendo biquinho?” E até hoje eu morro de rir porque eu fazia mesmo, para provocar. Nunca me incomodei. Nunca fiquei ofendido. Esse sou eu. Não consigo ser de outra maneira, ser o machão em cima do palco. 

Mas as críticas não incomodavam?

Sempre achei que era uma falta de compreensão de que a minha arte era expressa daquela maneira, assim como Elton John, Prince, Michael Jackson. Me comparo muito com eles porque é o perfil mais do artista lá de fora do que do brasileiro. Sou de uma época em que Roberto Carlos, o Antônio Marcos, o Erasmo faziam sucesso. Eles eram homens homens. Tinha só o Ney Matogrosso, um artista completo e com uma personalidade muito forte. Acho que por isso fui respeitado. Mas quando me casei a coisa virou. Mesmo assim, depois do Roda viva de que participei (em janeiro), falaram: “Agora que ele está ficando velho vai sair dando por aí”.

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Filipe Bragança e Giovana Cordeiro em cena de Meu sangue ferve por você Fotos: Divulgação

Você falou no Roda Viva que acredita que todo mundo é bissexual, e que é um…

Eu fico estarrecido. Há pessoas muito ignorantes, que vivem fora do mundo real e criam seus filhos assim. Elas ficam agressivas às vezes, expulsam o filho de casa. Anos atrás, interpretei Zorro, um herói cabeleireiro na novela Bang bang, na Globo. Fui convidado para fazer uma capa de revista. Tinha vestidos de mulher, chapéus, porque eu fazia um gay. Falei: “Olha, eu não gosto muito da coisa que leva para o deboche porque quem sai perdendo sempre somos nós. Vamos fazer um risco de pintura de lápis no meu rosto, de um lado a gente bota batom, cílios postiços, sobrancelha, e do outro a cara do Magal”. E o título era: “Todo ser humano é bissexual”. Isso tem muitos anos. Naquela época, eu já falava essas coisas e era questionado até pela família. Mas não me interessa. O que eu fico querendo da humanidade, um pouco utopicamente, é que as pessoas tenham a compreensão de que quando se fala em bissexualidade não é o fato de você ser promíscuo ou exercitar a bissexualidade diariamente. É você compreender o que é a bissexualidade.

E o que é a bissexualidade para você?

É ter um corpo que tem atrações e pontos que são sensíveis a toques, a carinhos, a beijos e a pessoas que você venha a gostar e a curtir. Isso para mim é bissexualidade. O que não é bissexualidade é o cara dizer: “Nunca fiz exame de toque. Se fizer, vou meter a mão na cara do médico”. É ignorância. A bissexualidade é você fazer do seu corpo o quiser, sentir prazer do jeito que quiser. Não quero dizer com isso que dei preferência ao sexo masculino. A maioria não entendeu, 90% me sacaneou muito na internet. Mas eu ri muito e continuo rindo.

O que seus filhos acharam?

Meu filho me disse assim: “Meu pai, tantos anos depois, você precisava falar isso?” Não se trata de precisar. Não preciso falar mais nada porque já apareci muito nesses 60 anos. Só preciso tentar conscientizar as pessoas de que os preconceitos só acabam se você dá naturalidade e normalidade às coisas. Com relação a sexo, sou a favor das pessoas se realizarem. Nunca tive nenhum tipo de preconceito. Por isso, fiquei besta quando falei aquilo e vieram as críticas, em sua grande maioria da juventude. É o mais estarrecedor. 

E o que você falou sobre ter um sentimento, até uma atração, por alguém do mesmo sexo?

Por que não? Hoje qualquer coisa que você fale é muito perigoso. Você tem que saber explicar, dizer: dá para gostar de alguém, se você vai para a cama com esse alguém é outra coisa… Magali, para mim, é um exemplo disso. Nessas quatro vezes que nos vimos, eu não a convidei para ir para cama comigo nenhuma vez. Queria que ficasse bem explícito que era amor e que o sexo era outra história. E também acho que, se você faz sexo ou não, é um problema só seu. É muito privado. O mal de hoje é que todo mundo deixa muito público e dá o direito aos outros de se meterem na vida. Vida íntima, por isso o nome é esse. 

No começo da nossa entrevista, você se emocionou e disse que sempre foi assim. Mas na sua geração tinha essa coisa de “homem não chora”. Para você nunca teve isso, nem quando era mais jovem?

Obviamente que quando era jovem, naquela época, ficava um pouco preocupado às vezes com a minha vida pessoal – com a artística, nunca me incomodei. Eu me lembro perfeitamente que estava apaixonado por uma menina cinco ou seis anos mais velha do que eu. Ela não me dava a menor confiança. Como sempre fui emotivo, ficava arrasado. Eu já era muito teatral, procurava um lugar em cima do muro que tivesse uma folhagem muito bonita e ficava cabisbaixo, olhando na direção da Lua, chorando copiosamente. Mas eu não queria que ninguém visse justamente para não falarem: “Mulherzinha”. Tinha essas pequenas preocupações. Nunca encostei a mão em uma pessoa, nem nos meus filhos. Não consigo imaginar a masculinidade sendo vista dessa maneira, de que você precisa ser grosso, precisa ser agressivo para ser homem. Tenho uma criança dentro de mim, eu tenho um velho dentro de mim, eu tenho uma mulher dentro de mim, eu tenho um homem dentro de mim, eu tenho um jovem dentro de mim. Eu tenho todos. Sou do signo de Gêmeos, além de tudo. Eu sou esse bando de gente. E me faz muito feliz por poder ter a liberdade de ser essas pessoas todas.