“Nunca será só futebol.” Essa frase é recorrente entre os brasileiros apaixonados pelo esporte para destacar o poder social e de transformação da modalidade. Mas seria ainda mais justa a certeza de que “nunca será só uma competição” no caso dos Jogos Paralímpicos, que terá sua 17ª edição realizada em Paris, entre os dias 28 de agosto e 8 de setembro.
O Brasil deve chegar à França com a sua maior delegação da história: são cerca de 250 atletas (algumas vagas ainda estavam em fase de definição até o fechamento desta edição), focados em superar o expressivo resultado conquistado em Tóquio, quando o país terminou na sétima colocação no quadro geral de medalhas, com 22 ouros, 20 pratas e 30 bronzes.
“As expectativas são altas. Em Tóquio, conquistamos nossa melhor campanha, e eu acredito muito que o Brasil voltará de Paris não somente com o número recorde de medalhas, mas também com um recorde de medalhas de ouro”, afirma Yohansson do Nascimento, vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). “Continuaremos brigando entre as sete potências no mundo paralímpico.”
Yohansson construiu sua trajetória no esporte como atleta da classe T46, para amputados de membros superiores. Nas pistas, o corredor, que nasceu sem as duas mãos, angariou cinco medalhas paralímpicas – a principal delas foi o ouro nos 200 m nas Paralimpíadas de Londres 2012, e ele acumula três pratas e dois bronzes ganhos em Pequim 2008 e Rio 2016.
Agora como dirigente, fala com paixão sobre a potência de atletas paralímpicos made in Brazil e destaca a importância da visibilidade crescente dos Jogos para transformar a maneira como muitas pessoas costumavam – e ainda costumam – olhar para pessoas com deficiência.
“Com o mundo inteiro acompanhando provas de altíssimo nível e vendo o resultado esportivo apenas, a questão da deficiência física acaba ficando em segundo plano”, diz. “Isso mostra que a pessoa com deficiência é capaz de fazer inúmeras coisas, como representar a sua nação, e consequentemente isso acaba impactando em questões como capacitismo e preconceito.”
A seguir, destacamos alguns atletas que chegam à França com grandes chances de conquistar medalhas para o Brasil.
Mariana D’Andrea
Aos 26 anos, a halterofilista já tem uma trajetória vitoriosa. Ouro na Paralimpíada de Tóquio 2020 na categoria até 73 kg, ela se tornou recentemente também a primeira atleta brasileira a conquistar uma medalha de ouro em mundiais de halterofilismo, em agosto de 2023, em Dubai, quando suportou 151 kg, o recorde mundial da categoria.
A história de Mariana com o esporte, porém, é daquelas improváveis e começa em 2014, aos 16 anos, quando ela nem imaginava ser uma paratleta. “Estava passando com a minha mãe em frente à academia em que treino hoje e o Val me viu. Ele parou o carro assim meio rápido, sabe, nem podia parar onde ele parou. E disparou: ‘Posso falar com você?’ Aí eu saí correndo”, conta ela sobre o primeiro encontro com seu futuro treinador, Valdecir Lopes, que não desistiu da conversa.
“O Val chamou a gente para conhecer o halterofilismo. Eu não queria, mas minha mãe insistiu. Não gostei, não queria, mas ela contou para a minha família, meus tios, meu pai, e todo mundo gostou. Então comecei a ir”, lembra Mariana.
Essa resistência, no entanto, acabaria em 2016, na Copa do Mundo da Malásia, sua primeira competição. Lá, com apenas 18 anos, a paulista conquistou o ouro na categoria Júnior e, desde então, vem construindo uma carreira expressiva, que inclui, além dos títulos citados, ouros nos Jogos Parapan-Americanos de Lima 2019 e Santiago 2023 e na Copa do Mundo disputada em Dubai, em 2022, entre outras conquistas.
Assim, Mariana, a atual líder do ranking mundial até 73 kg, chega à Paris entre as favoritas. “É um momento único e quero ouvir o hino do Brasil. Ele é tocado somente para o primeiro lugar, então vou buscar esse lugar.”
Bruna Alexandre
Medalhista paralímpica no Rio 2016 e em Tóquio 2020, com duas pratas no Brasil e uma prata e um bronze no Japão, Bruna Alexandre, 29 anos, fez história nas Paralimpíadas de Paris antes mesmo de chegar lá. Convocada a fazer parte também da equipe brasileira que irá disputar as Olimpíadas, a mesatenista catarinense será a primeira brasileira a disputar as duas edições dos Jogos.
“Sempre tive esse sonho. Sabia que seria difícil, pois a concorrência é grande. Mas fui sonhando aos poucos e, depois de 22 anos de carreira, consegui realizá-lo”, diz a atleta, que precisou amputar o braço direito aos 6 meses de vida por consequência de uma trombose.
A oportunidade surgiu após ela se tornar bicampeã brasileira jogando contra atletas olímpicos, em 2021 e 2022. “Depois do Campeonato Brasileiro, fui chamada para jogar o Sul-Americano e o Pan-Americano. Fui crescendo aos poucos”, conta Bruna, que recebeu a notícia de que seria escalada em uma chamada de vídeo com Jorge Fanck, técnico do time brasileiro que disputará as Olimpíadas na modalidade tênis de mesa.
“Ele me ligou em um domingo à noite e pediu para abrir a câmera. Pensei: ‘Nossa deve ser alguma bomba’. Mas ele disse que gostaria de oficializar a minha convocação para o time olímpico”, lembra. “A ficha só caiu quando eu vi no Instagram da CBTM (Confederação Brasileira de Tênis de Mesa). Fiquei muito feliz.”
Nos Jogos de Paris, Bruna tentará acrescentar seu primeiro ouro paralímpico à coleção de quatro medalhas que já possui, enquanto lutará também para conquistar a primeira medalha olímpica. Já estamos na torcida!
Ricardinho Alves
Deficiente visual desde os 6 anos por consequência de um descolamento de retina, Ricardo Alves, ou Ricardinho, como é conhecido no esporte, começou a jogar futebol de 5 (modalidade para atletas com deficiência visual) aos 10, em uma escola de Porto Alegre.
Aos 16 anos, chegou à seleção brasileira e pavimentou uma carreira de grande sucesso e muitos títulos – coletivos, com quatro medalhas de ouro em paralímpiadas, e individuais, tendo sido eleito por três vezes o melhor jogador do mundo em 2006, 2014 e 2018.
Com essa marca impressionante, Ricardinho, que também é tricampeão mundial na modalidade (Madri 2018, Japão 2014 e Inglaterra 2010), chega aos Jogos Paralímpicos de Paris 2024 em busca do pentacampeonato olímpico.
Petrúcio Ferreira
Para definir Petrúcio Ferreira como uma das grandes potências brasileiras nos Jogos Paralímpicos de Paris, basta dizer que ele é o atleta paralímpico mais rápido da história em todas as classes, com o recorde de 10s29.
Nascido na Paraíba, o corredor conquistou o tetracampeonato mundial nos 100 m rasos T47 no Mundial de Atletismo Paralímpico de Kobe, em maio deste ano, e aterrissa na França para tentar o tricampeonato olímpico, repetindo o feito conquistado nas edições dos Jogos disputadas no Rio de Janeiro, em 2016, e Tóquio, em 2021, quando quebrou o recorde olímpico.
Além de dominar os 100 m rasos, o atleta, que perdeu parte do braço esquerdo, abaixo do cotovelo, aos 2 anos, em consequência de um acidente com uma máquina de moer capim, tem títulos mundiais conquistados nos 400 m, em Dubai 2019, e nos 200 m, em Londres 2017. Chega forte a Paris para o tri paralímpico.
Carol Santiago
Em Tóquio 2020, a pernambucana Carol Santiago se transformou na atleta brasileira com o melhor desempenho na história do Brasil nos Jogos Paralímpicos. Voltou para casa com três ouros, nas categorias 100 m peito da classe SB12 (para atletas com deficiências visuais), 50 m livre S13 e 100 m livre S12, e conquistou uma prata no revezamento 4 x 100 m livre misto até 49 pontos e um bronze nos 100 m costas S12.
À época, Carol já tinha 36 anos, idade que costuma ser vista como avançada na carreira de atletas de elite. Os bons resultados, porém, não pararam de chegar e, aos 39, ela está novamente entre as favoritas da competição em Paris.
No ano passado, a nadadora, que nasceu com síndrome de Morning Glory (uma alteração congênita na retina que reduz o campo de visão), conquistou cinco ouros no Mundial Paralímpico de Natação, disputado em Manchester, Inglaterra. Trouxe ainda outras três medalhas para casa – uma prata e dois bronzes – e bateu o recorde mundial nos 50 m livre. Tudo indica que, na França, voltaremos a ouvir o hino brasileiro na natação feminina.