O ponto que falta

Com uma carreira consolidada no vôlei, Tifanny Abreu ainda é a única atleta profissional trans nas quadras brasileiras. Mas, se depender dela, não por muito tempo.

Terceira maior pontuadora na Superliga de Vôlei Feminino de 2024, com 387 pontos marcados para o Osasco ( média de 4,72 por set), Tifanny Abreu ainda é uma estranha no ninho. Não que ela seja novata, pelo contrário. Aos 39 anos, ela acumula experiência no Brasil e no exterior e é ponteira do Osasco Voleibol Clube desde 2021.

Mas, entre voltas e reviravoltas nas determinações do Comitê Olímpico Internacional e das federações de vôlei, discussões sem embasamento nas redes sociais e falta de incentivo, Tifanny ainda é a única mulher trans disputando partidas profissionais na elite do esporte feminino. E aqui vai uma ressalva: nas Olimpíadas de Paris, nenhuma equipe brasileira convocou um atleta trans, seja homem ou mulher.

“Não temos por preconceito mesmo. As regras já permitem, e as novas leis também. Mas o preconceito nas convocações ainda é muito grande. Eu sou um exemplo de alguém que poderia estar participando. Mas acho que meu legado será abrir espaço para outras meninas que virão”, diz Tifanny. Confira o depoimento dela:

IMG 4234

 

Ser atleta trans em 2024

“Ser uma pessoa trans em 2024 ainda é bastante difícil. Ainda tem muito tabu, ainda sofremos preconceito e transfobia por parte de muitas pessoas que não querem aceitar mulheres trans no esporte. Às vezes, não querem nem entender sobre o assunto, e vão no achismo mesmo. Mas ser uma atleta trans profissional é muito melhor do que já foi. Nunca sofri nenhum problema com outras atletas. Os clubes estão abrindo mais a cabeça e as portas e consigo jogar com tranquilidade a Superliga, por exemplo. O problema maior está na internet.”  

2f02fc36 4651 4786 b46b f9b25342120a

O primeiro saque 

“A primeira vez que pisei numa quadra feminina foi incrível. Eu estava fazendo a transição e ainda participava de algumas competições masculinas e me sentia mal. As pessoas me olhavam torto. Ninguém entendia o que eu era, ninguém pedia para tirar uma foto. Depois que eu pisei numa quadra feminina, que soube onde deveria estar de verdade, as pessoas passaram a me amar, a pedir fotos, dizer que eu era a inspiração delas. Isso me fez muito bem. Me senti e me sinto muito feliz com o apoio da torcida. Amo muito cada um dos torcedores.” 

f49e4339 7044 4fb2 91ec e10f42489917
O peso do pioneirismo 

“Ser a primeira em qualquer coisa não é fácil. Ser a primeira mulher trans no esporte então… muito mais difícil! Sou a primeira mulher trans atleta profissional do Brasil, e a primeira a participar de uma equipe de voleibol. Em 2017, estreei na liga brasileira e, de lá para cá, bastante coisa mudou, mas ainda não temos outra participante. Porque, além de ter que ter o nível de testosterona determinado pelo COI e aceito pelas federações (10 nmol/L), é preciso ter o nível alto de performance de todas as outras mulheres que estão ali. Tivemos muitos avanços, mas ainda precisamos de mais representatividade.” 

Copia de INSTAA9 02081 Editar
O passe fundamental: informação

“Antes de fazer a minha transição, eu também tinha achismos. Eu também achava que o hormônio não mudava o nosso corpo, até eu passar pelo processo e ter a experiência própria do quanto eu mudei, do que o hormônio fez comigo. Se existem regras, se existem leis e se eu sigo as regras, por que não? Após vários anos de estudo, o COI liberou mulheres trans em campeonatos femininos mesmo sem a cirurgia de redesignação, desde que a testosterona no sangue seja equiparada à das mulheres cis. Muito se fala em se criar uma liga trans, mas eu me pergunto: ‘Com quantas atletas, com quais atletas?’ Se o esporte feminino já não tem tanto valor, tanto apoio, você acha que um esporte trans teria? Então, sim, temos que ser aceitas nos nossos lugares: mulheres trans no esporte feminino e homens trans no masculino.”

742a802a e744 41ae 89c5 c29ab2eba7dc
Matchpoint 

“Eu me tornei uma inspiração para muitas pessoas, trans, cis, jovens, senhores, senhoras, crianças, adolescentes. Não só pela minha transição, mas pela minha luta, pela força de vontade, o meu querer. Por ser quem eu sou. Por colocar todo o meu medo de lado e seguir meu caminho para ser feliz. Gostaria de ser lembrada assim, como uma pessoa guerreira, batalhadora, que abriu portas, que não poupou esforços para buscar o seu espaço. Tifanny Abreu, a pessoa que mudou o esporte.”