Em conversas no bar com amigos, na academia, entre uma série e outra, nos grupos de Whatsapp e, principalmente, na seção de comentários em publicações de celebridades e influenciadores no Instagram, existe uma obsessão em comum: quem está usando Ozempic? O fato de o medicamento ter ganhado tantos usuários nos últimos anos, especialmente no universo do entretenimento, fez com que ele se tornasse alvo de comentários curiosos, críticas e piadas – virou até pauta no palco do Oscar 2023, onde o apresentador Jimmy Kimmel, em seu monólogo de abertura, disse, brincando: “A aparência de todo mundo está ótima. Quando olho para as pessoas nessa sala, eu não consigo não pensar: ‘Será que o Ozempic é para mim?’”.
Os questionamentos públicos, geralmente feitos por meio das redes sociais, são seguidos pelo acusado negando o uso do medicamento, ressaltando que o emagrecimento aconteceu pela combinação de treino e dieta, ou justificando o uso, com a alegação de problemas de saúde que poderiam tornar a receita mais palatável para os outros.
Hit hollywoodiano
Em maio deste ano, a cantora Kelly Clarkson foi ao programa de Whoopi Goldberg e admitiu o uso de um medicamento para emagrecer, mas disse que era algo “diferente do que as pessoas imaginavam que fosse”. A própria atriz e apresentadora que a entrevistava também já havia vindo a público admitir o uso de Mounjaro, um remédio conhecido como o “Ozempic dos ricos”. Khloe Kardashian, após receber comentários em tom acusatório sobre o mesmo medicamento, respondeu dizendo que esse tipo de fala desmerecia o fato de que ela acorda às 6 da manhã todos os dias para malhar. Nem mesmo Oprah foi poupada e, após as especulações sobre sua perda de peso, ela criou um especial no seu programa, chamado “Shame, blame and the weight loss revolution” (Vergonha, Culpa e a Revolução da Perda de Peso), para discutir o uso dessas novas fórmulas. Outras celebridades, como Sharon Osbourne, Julia Fox e Amy Schumer, também precisaram se pronunciar sobre o assunto.
Um dos casos mais emblemáticos, porém, envolveu a atriz Melissa McCarthy. Em abril deste ano, ela postou uma foto em seu Instagram ao lado do diretor Adam Shankman. Em um comentário na publicação, a cantora Barbra Streisand – provavelmente acreditando estar em uma conversa privada – perguntou se ela estava usando Ozempic. O questionamento público, em uma postagem que nem sequer falava sobre emagrecimento, levantou o debate: quando virou novamente aceitável falarmos sobre o corpo alheio?
A verdade é que a perda de peso nem sempre foi um tópico espinhoso. No auge dos anos 2000, quando dietas de alta restrição calórica estampavam as capas de revista e modelos magérrimas cruzavam as passarelas, comentar sobre o emagrecimento de uma amiga, por exemplo, era considerado o melhor dos elogios e o body shaming estava presente em absolutamente todas as mídias. Sinais de mudança aparecem quando o Body Positive começa a ganhar força na internet, em meados da década de 2010. É importante dizer que não chegamos nem perto de acabar com a gordofobia, mas com certeza comentar sobre o corpo do outro, por um momento, se tornou um pouco menos aceitável. E, então, veio o Ozempic.
A droga do TikTok
Sua popularidade aconteceu justamente por causa das redes sociais. Não à toa, ele foi apelidado pela mídia de “TikTok drug”. Para ter uma ideia, as hashtags sobre ele somam mais de meio bilhão de visualizações na rede social. Os vídeos, em sua maioria, são diários de emagrecimento com chamadas bastante parecidas com as que a gente via nas antigas revistas de beleza: “Menos 5kg com Ozempic” e “Do manequim 42 direto para o 36 com medicação”.
Algumas publicações ensinam como fazer a aplicação do remédio e como consegui-lo sem a prescrição médica, inclusive divulgando links de compra em que o criador de conteúdo ganha uma porcentagem em cima do valor. A situação se agravou de tal forma que o TikTok acaba de banir o assunto da plataforma, inclusive removendo vídeos já publicados. A medida tem sido considerada polêmica e controversa, mas com certeza atesta a urgência do problema.
O fato é que o Ozempic, em certa medida, revelou que o ideal gordofóbico continua sedutor: quando conquistar um corpo magro se tornou mais fácil, o esforço pela autoaceitação começou a parecer esforço demais. A sensação é a de que, de um dia para o outro, todo mundo perdeu 10 kg. À minha volta, muitas pessoas que a vida inteira tentaram emagrecer sem sucesso acharam uma solução milagrosa (e quase sempre velada) para a questão. Outras, donas de corpos que já eram magros, agora exibem barrigas negativas em shorts de cintura baixa tamanho 34 no espelho da academia. Minhas influenciadoras e celebridades favoritas, que nos últimos tempos me inspiraram a ter uma relação melhor com o meu corpo, têm aparecido visivelmente mais magras.
Na corda bamba
Como uma mulher considerada midsize, que passou a juventude em guerra com o corpo, inclusive tomando remédios para emagrecer, questionar o uso do Ozempic por essas pessoas virou quase uma questão de sobrevivência. Primeiro, isso me traz a sensação de que ainda existe espaço para críticas importantes acerca da gordofobia e da glamourização da magreza. Segundo, faz com que eu me sinta menos incompetente de não conseguir emagrecer somente com dietas e exercícios, enquanto todo mundo à minha volta parece diminuir um número no manequim por semana. Mas, entre as críticas e especulações, não posso mentir: vez ou outra, me pego pensando em como seria entrar no Ozempic.
Tenho a teoria de que esse mesmo sentimento seja comum entre as pessoas que comentam nas fotos de Khloe Kardashian ou que especulam sobre a perda de peso de uma colega de trabalho. O questionamento, a crítica e até as piadas feitas com quem usa o medicamento falam também sobre como ele nos afeta muitas vezes de maneira íntima. No fundo, a gente anda em uma corda bamba: por um lado, é inegável que ser magra dá privilégios e se imaginar detentora desses privilégios é, sim, sedutor. Por outro lado, a ideia de associar nosso valor ao nosso corpo – ainda que algo realista, infelizmente – me parece doentio, um caminho para a disforia, para a perda total de contato com a realidade.
O cenário é bastante desanimador e, se eu puder ser honesta, diria que a tendência é de que as coisas ainda piorem antes de melhorarem – especialmente agora que os medicamentos estão mais acessíveis e o acesso sem receita médica facilitado. Ainda que eu esteja tomada por um pessimismo radical (não nego!), espero que o diálogo – em uma reportagem, nas redes sociais ou em uma roda de amigos – continue nos levando, ainda que lentamente, ainda que a duras penas, para mais perto da sanidade.