O rock não morreu. Mas envelheceu?

Ele não está nos top cinco das plataformas de áudio e deixou de ser sinônimo de transgressão há algumas décadas. Antes de decretar a aposentadoria do gênero, no entanto, leia esta reportagem. 

Sobre uma melodia feliz de teclados que parecia homenagear os cantores e músicos da década de 1950, Elton John canta: “Lembro quando o rock era jovem” e “Os anos se passaram e o rock simplesmente morreu”. Os versos estão em “Crocodile rock”, uma das mais divertidas faixas já lançadas por Elton John. 

Em meio a linhas de guitarra de contornos não tão alegres, mas bem marcantes, Roger Daltrey grita: “Vida longa ao rock, esteja ele vivo ou morto”. A faixa é “Long live rock”, que possui muitos dos traços que definem a banda The Who.

A música de Elton John saiu em 1972. A do Who, em 1974. Àquela altura, portanto, o rock mal tinha completado três décadas de vida, se considerarmos gravações de Sister Rosetta Tharpe, Ike Turner e outros.

As duas canções são exemplos que o escritor Kelefa Sanneh usa, no livro Na trilha do pop: A música do século XX em sete gêneros, para ilustrar como a jovialidade e a vivacidade do rock and roll são questionadas há bastante tempo.

Se lá nos anos 1970 músicos já cantavam e brincavam com certo envelhecimento do rock, neste século 21 a discussão está bem mais presente. De acordo com dados do Spotify, a lista com os dez artistas mais executados pelos brasileiros na plataforma, na última década, tem sete nomes do sertanejo, um do pop/funk (Anitta), um do funk (MC Ryan) e um do forró (Wesley Safadão). 

No YouTube, o cenário não é diferente. Em 2023, dos dez vídeos musicais mais assistidos no Brasil, nove são de sertanejo (o estranho no ninho é uma canção gospel).

Passando para o mercado global: a IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica, sigla em inglês) divulgou um ranking com os maiores artistas do mundo em 2023. O topo ficou com Taylor Swift, e abaixo aparecem nomes do rap, do country, do pop, do k-pop, do reggaeton. O mais próximo aqui que se tem de rock é Lana Del Rey, na décima posição.

O rock, assim, não está entre os gêneros musicais que fazem a cabeça de jovens – e de não tão jovens assim. E, quando o assunto são novidades estéticas, o que vêm à mente são faixas de gente do rap, como JPEGMAFIA e SZA, da eletrônica, como Laurel Halo, Sofia Kourtesis e Yaeji, do funk, como Anderson do Paraíso, e do pop, como Charli XCX.

E do rock? Será mesmo que não tem mais nada de original e empolgante sendo feito? Pode não ter morrido, mas será que o rock está envelhecendo bem?

“Se o parâmetro for aquele rock feito por homem velho, branco e hétero, aí, sim, a tendência é achar que o rock bom só existia na época do Led Zeppelin e do Pink Floyd. Mas o rock, como gênero musical, não mofou. Ele vem se renovando em muitos momentos”, analisa a jornalista e escritora Claudia Assef, que é uma das organizadoras do Women’s Music Event.

“Nos últimos anos, temos visto um boa leva de bandas que mostram que o rock segue bem vivo e abusado. O Måneskin, por exemplo. Gosto muito do vocalista. Ele deixa a gente com um nó na cabeça, é uma figura meio andrógina. Eles têm uma pegada libertária. Tem ainda a St. Vincent, que é boa em fazer música e na imagem que apresenta. Ela é quase uma guitar hero.”

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A banda italiana Måneskin. Foto: Getty Images Foto: Getty Images

No Brasil, Assef lembra de Bala Desejo: “Pode não ser exatamente rock, mas faz uma roupagem nova, interessante, com influências de Secos & Molhados. Traz uma doçura para o rock”.

Fundador do selo Balaclava, que se transformou em revista e em produtora de shows e de festivais, Rafael Farah afirma que o rock hoje não “pode existir no modelo que a pessoa curtia anos atrás”.

Quando a gente olha apenas para o mainstream, para aquilo que está fazendo mais sucesso popular, de fato, teremos nomes de pop, música latina, rap, funk e sertanejo. O rock perdeu essas posições dentro do mainstream. Mas foi justamente esse tipo de rock que envelheceu, esse com o qual estávamos acostumados anos atrás”, aponta Farah. “Ele perdeu espaço na televisão, nas rádios, mas está em outros lugares. A linguagem vai mudando e, com ela, o jeito de consumir música.”

Dá para dizer, então, que na música o meio é a mensagem? Para o fundador da Balaclava, o rock está em blogs, canais de música no YouTube, em diversos locais da internet. “Além disso, existe um bom circuito de casas de shows, que está concentrado em São Paulo, mas também se espalha por várias regiões do país. E estamos vendo um boom de festivais grandes, que têm contratado bandas de rock.”

Para quem espera que o rock seja música feita com guitarra, baixo, bateria e vocal, talvez não haja muitas coisas novas e interessantes para ouvir. Mas esse gênero, representado tão bem por Rita Lee, Kurt Cobain, PJ Harvey e tantos outros, está se rejuvenescendo ao se aproximar de outros pares.

“Estava lendo uma matéria sobre o rapper Major RD, um artista de quem gosto muito e considero um dos nomes que estão tornando o rap bem ‘rock and roll’. Ele estava emocionado por participar de um trabalho com os Titãs”, conta Nerie Bento, pesquisadora do rap brasileiro. “Eu vejo o rock exatamente assim: se reinventando. Ele continua influenciando muitos artistas de rap. Desde músicas sampleadas e colaborações até artistas que migram de um gênero para o outro.”

Para Assef, o rock “está envelhecendo bem em várias frentes”. Ela cita o movimento de artistas das guitarras em direção aos da eletrônica. Nessa linha, há desde nomes mais antigos, como Nine Inch Nails, até mais novos, como Jungle, Tame Impala, L’Impératrice, Metronomy. 

Se o rock há muitos anos motiva discussões sobre a qualidade do seu envelhecimento, será que isso ocorre, ou vai ocorrer, com outros gêneros que já são bem maduros, como a eletrônica e o rap?

“O rap, como gênero musical, já está enfrentando uma série de questionamentos”, diz Nerie Bento. “Estamos testemunhando uma disputa geracional nesse momento. Isso ocorre porque o rap, um dos elementos do hip-hop, uma cultura que completou 41 anos no Brasil e ainda é relativamente jovem, tem a maioria de seus artistas vivos, que opinam e salvaguardam o gênero. Esses ‘griots’ estão disputando a narrativa e o espaço com a nova geração, que vive nessa sociedade de consumo imediatista da era digital, em que tudo se torna descartável e exige inovação constante.” 

Para ela, a chegada e a ascensão do trap também intensificou esse debate. “A tentativa de separar o trap do rap, ou o rap do hip-hop, como um produto de mercado, trouxe uma série de dúvidas quanto aos rumos que o gênero pode tomar.”

Em relação à eletrônica, há uma diferença, afirma Claudia Assef. “A eletrônica muda muito o tempo todo, por isso fica mais difícil dizer que está envelhecendo mal”, afirma. E ela tem uma explicação bastante lógica para isso: uma das “fontes da juventude” do gênero está atrelada à inovação dos equipamentos utilizados na produção. “Muitas coisas dentro da música eletrônica surgem porque criaram um novo equipamento, que tem um som característico. E aí os produtores começam a explorar aquilo e a soltar músicas com uma sonoridade diferente”, explica ela. “Quando lançaram o (software de criação musical) Fruit Loops, muita gente passou a fazer música adoidado. Era um software barato, dava para usar tranquilamente em qualquer PC. Então, por estar atrelada a novidades de equipamentos, a eletrônica não chega a envelhecer. Ela vai se renovando.”

Voltando ao rock, dá para afirmar que, se ele não é mais o gênero musical preferido dos brasileiros (e dos não-brasileiros), ainda é celeiro para muita coisa boa que está sendo feita na música. Rafael Farah resume: “Estamos assistindo a uma volta do pós-punk (subgênero do rock que revelou nomes como Joy Division, Gang of Four e ESG). Mas você não vai entrar numa escola do ensino médio e achar que isso é o que todo mundo está ouvindo. Quando eu era adolescente, também era assim. Mas, se você procurar um pouquinho, vai encontrar muitas bandas novas e boas de rock.”

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Rita Lee, rainha do rock ontem, hoje e sempre. Foto: Getty Images Foto: Getty Images