“A Prada é o que eu sou, e a Miu Miu, o que gostaria de ser”, revelou Miuccia Prada em uma entrevista na década de 1990. Batizada com o apelido da estilista italiana, a segunda marca da casa nasceu em 1993 para materializar os sonhos mais irreverentes de sua criadora – com roupas ultrafemininas, uma paleta de cores improvável, rebeldia e bom humor.
Na época em que o minimalismo e o pauperismo japonês resetavam o exagero dos anos 1980, as coleções da Miu Miu brincavam com elementos de doçura e atrevimento. A imagem foi um sopro de frescor ao visual sisudo que prevalecia nas passarelas de então. Estampas, bordados, babados e um olhar diferente sobre a silhueta 60’s passaram a definir uma figura feminina que adota tendências, mas com personalidade.
O primeiro desfile foi o da coleção de verão 1995, na semana de moda de Nova York. Foram três temporadas no mesmo evento até que, em 1997, Miuccia decidiu migrar para Londres. Lá teve uma única apresentação. Todas as demais em Milão. Quer dizer, até 2006, quando a label chegou às passarelas de Paris. No meio do caminho, em 1999, rolou o lançamento da linha masculina, descontinuada em 2008.
No início, a Miu Miu assumia bem o papel de irmã caçula, à sombra da mais velha. Com o tempo, conquistou independência e identidade própria. Hoje a marca é uma potência.
O boom mais recente começou no verão 2022. Nessa coleção, minissaias tão curtas, que mais pareciam cintos, e barrigas de fora, um comeback dos anos 2000, resultaram em algumas das imagens mais marcantes da temporada. O visual foi replicado, amado, criticado e odiado mundialmente.
Na equação do sucesso, há outro nome além do de Miuccia: Lotta Volkova. A stylist russa, conhecida pelo trabalho com o designer georgiano Demna na Vêtements e na Balenciaga, iniciou sua colaboração com a Miu Miu em 2020. Desde então, a casa não para de crescer. No primeiro trimestre de 2024, o aumento foi de 93% de receita – aproximadamente 579 milhões de dólares – em relação ao mesmo período no ano anterior.
Lotta fez com que a etiqueta atingisse um público maior e não saísse das listas das grifes mais quentes do mercado – em abril, ela voltou a liderar o ranking das etiquetas mais desejadas da plataforma de consumo e pesquisa Lyst. “Ela acertou ao subverter os códigos clássicos da Miu Miu sem se afastar do estilo criado por Miuccia”, diz Juliana Gimenez, editora at large da ELLE Brasil, sobre os feitos da stylist. “Ainda é aquela mesma garota que gosta de ousar, brincar com tendências e tem personalidade ao criar um look.”
A influência da russa está na habilidade de compor produções identificáveis e fáceis de replicar por mulheres mundo afora. Exemplos? O jeitão colegial das coleção de verão e inverno 2022, o suéter preso por baixo da meia-calça do inverno 2023 e bolsa cheia de penduricalhos do verão 2024. Todos esses recursos de styling foram reproduzidos nas ruas e redes sociais, não necessariamente com peças da marca.
“A garota Miu Miu está muito ligada às tendências, mas preserva a sua personalidade, sua autenticidade”, comenta a influenciadora Larissa Cunegundes. “Gosto de usar não só porque são tendências, mas porque elas sugerem um jeito novo de olhar para as peças”, finaliza.
Entenda a evolução da Miu Miu em dez desfiles marcantes, que nunca vão sair da nossa cabeça:
Inverno 1995
Pense em barrigas de fora, saias transparentes e lingerie à mostra. Poderia ser a descrição do desfile mais recente da Miu Miu, mas trata-se da sua estreia, na temporada de inverno 1995, na semana de moda de Nova York. Em entrevistas, Miuccia disse: “Nós chamamos essa menina de malvada. São inocentes, fingindo ser elegantes, mas falhando. Não ter ideia do que é certo é algo muito sexy para mim”.
Inverno 1997
A única apresentação da Miu Miu na semana de moda de Londres, em março de 1997, ficou marcada pelos comprimentos míni. A inspiração da estilista foi uma garota muito jovem que trabalhava no circo. Para balancear os comprimentos “escandalosos” de saias e vestidos – que ainda contavam com fendas avantajadas –, as partes de cima eram mais comportadas. Suéteres quentinhos, cachecóis volumosos e camisas fechadas até o último botão. Outro destaque importante foi a adição de elementos esportivos, como nos blusões de zíper, e de sapatos mary-jane brilhantes.
Verão 1999
A primeira coleção da linha masculina da Miu Miu foi lançada durante o desfile de verão 1999. Nela, Miuccia brincou com os códigos de uniformes (objeto de estudo recorrente da estilista) de jovens adultos. O look para eles era parecido àquele para elas, embora mais formal. O homem pensado por Miuccia, principalmente nesse começo, era mais andrógino. A linha foi descontinuada em 2008, mas desde o inverno 2022, modelos masculinos voltaram a compor os castings da marca. Não se trata de um retorno, mas de uma nova proposta. De acordo com a criadora, a ideia é que a marca possa vestir quem quiser usá-la. De qualquer forma, a base de clientes homens cresce consideravelmente há dois anos, como informam os sites de revenda Grailed e The RealReal.
Inverno 2006
O inverno 2006 ficou conhecido como a temporada em que a Miu Miu se mudou oficialmente para a semana de moda de Paris, onde desfila até hoje. Pouco antes do desfile, Miuccia Prada explicou o motivo: “Para que a Miu Miu seja mais especial e importante”. As estampas fotográficas, os brocados e as saias rodadas são destaque, assim como as jaquetas militares com peplums sutis. Bustiês e comprimentos micro dão o tom mais safadinho da coleção e marcam o estilo jovem descolado que a estilista tanto gosta.
Verão 2010
Com quantas andorinhas se faz um verão? Na Miu Miu, muitas. Os grandes hits dessa estação são as estampas de passarinhos, gatos e cachorros nas golas pontudas das camisas, calças cigarrete e vestidos em estilo Lolita. A escolha de uma silhueta inocente para falar sobre perversidade reforça o depoimento da estilista na época do début da etiqueta na passarela. Além das padronagens fofinhas, havia tecidos transparentes bordados e desenhos de corpos nus. Era o começo da massificação das redes sociais e a coleção viralizou em fotos de street style.
Resort 2016
Em tempos de “brat summer”, é sempre bom lembrar quem veio antes. E acredite: Miuccia Prada é uma party girl. Prova disso é o resort 2016 da Miu Miu, inspirado na cultura raver. As saias são micro, as listras aparecem em tons vibrantes e os brincos são supercompridos. A estampa de andorinha do verão 2010 volta aqui em versão psicodélica. Como nada que a estilista faz é tão simples assim, há também influências dos anos 1920 nas cinturas realocadas e dos anos 1960 nos vestidos em linha A. As duas décadas são referências constantes no repertório da criadora.
Inverno 2021
Devido à pandemia, desfiles presenciais foram suspensos. Por isso, a Miu Miu decidiu viajar para as montanhas nevadas das Dolomitas para apresentar, em vídeo e fotos, uma coleção de roupas de ski e lingerie. O styling, que junta doudounes a sutiãs de tricô, foi a primeira experimentação de Lotta Volkova na casa. “Ando muito nas montanhas e, quando o tempo está ruim, é muito difícil. Pouco a pouco, eu entendi sobre o que gostaria de falar: coragem. O sonho de fazer algo que é importante e difícil”, explicou Miuccia durante uma coletiva de imprensa por causa do distanciamento social. Em 2021, as vendas da etiqueta aumentaram 20% em comparação ao ano anterior, segundo resultados financeiros do grupo Prada.
Verão 2022
O retorno aos desfiles presenciais vem com um sabor especial. Com saias tão curtas que parecem cintos e cinturas baixas, como não se via desde os anos 2000, a marca redefiniu a silhueta do escritório em um momento em que só se pensava em sexo. Depois de quase dois anos de isolamento social, em que o pijama era uniforme oficial e o home office era regra, estava todo mundo pronto para sair de casa se sentindo sexy – mesmo que no ambiente de trabalho. Para quem não se sente confortável em mostrar tanta pele, Miuccia também colocou camisas amplas, conjuntos de saia midi e suéteres larguinhos. Nas propostas com mais cara de happy hour: vestidos curtos bordados – clássicos da Miu Miu –, jaquetas e saias de couro estonado e slip dresses com aplicações. Por vários meses, o look-chave da apresentação foi centro de discussões acaloradas sobre o movimento body positive na internet e fora dela.
Inverno 2023
Mais um hit para a conta: as hot pants cravejadas de pedras e o look “sem calça” geraram likes, comentários e compartilhamentos mil. Na época, Miuccia estava obcecada em propôr um jeito mais “real” de se vestir, como se essa mulher não se preocupasse com o que veste. Com Emma Corrin e Mia Goth no casting, o suéter preso na meia-calça e os casacos de moletom estruturados criam o guarda-roupa de uma jovem adulta que não liga muito para nada. A ideia continua sendo repensar o dresscode do escritório, usando peças clássicas com um styling completamente novo. Se a mulher Miu Miu era obcecada por microssaias até a temporada anterior, nessa ela escolhe modelos mais longos e transparentes ou sai apenas de calcinha. Sem meio-termo.
Verão 2024
As sungas roubam o lugar das cuequinhas e o estilo surfista-praiano vem à tona. As bolsas lotadas de penduricalhos, chaveiros, pelúcias e cordas náuticas indicam um styling milimetricamente caótico e desorganizado – que acabou sendo copiado ipsis litteris, sem autenticidade alguma, por influenciadoras ao redor do globo. Essa coleção pode ser vista como uma continuação do estilo bagunçado-tô-nem-aí-para-nada do desfile anterior. As camisas polo são usadas com sunguinhas e casacos pesados, os chinelos ganham tornozeleiras meio hippie e as camisas sociais são combinadas a bermudas de tactel. Mais do que na construção de looks completos para serem copiados e colados na rua, a ideia é construir peças que funcionem bem sozinhas. Da passarela, fica esse espírito livre de quem faz seu look sem se preocupar com o que pensam e o que faz sentido. E isso é muito Miu Miu.