Sexo? Não, obrigada.

O celibato está cada vez mais popular, principalmente entre mulheres. Entenda o que está por trás dessa pausa sexual e seus desdobramentos.

Hormônios em ebulição, corpos no auge, energia de sobra: com esse coquetel natural, será que os jovens só pensam naquilo? Pelo que mostram os números, não. De acordo com algumas pesquisas e comportamentos observados nas redes sociais, a juventude transa cada vez menos – e há muita gente optando inclusive pelo celibato com ou sem data de vencimento. 

Em um levantamento realizado entre 2018 e 2020 pelo teólogo Rodolfo Capler com alunos do ensino médio da rede pública de educação do interior de São Paulo, por exemplo, 67% dos rapazes e 73% das garotas afirmaram não ter transado nos últimos 12 meses. Cenário parecido com o dos Estados Unidos: um estudo publicado na Archives of Sexual Behavior, constatou que a porcentagem de adolescentes sem nenhuma atividade sexual subiu de 28,8 para 44,2% entre os garotos e de 49,5 para 74%, entre as garotas, no intervalo de 2009 a 2018.  

“Eu simplesmente acho que nada bom vem do sexo”, disparou Julia Fox, no programa de Andy Cohen, em maio deste ano. Aos 34 anos, a atriz, que ganhou a internet ao namorar Kanye West e aparecer sempre com os looks mais icônicos, numa espécie de it-girl 2.0, declarou que não transa há dois anos e meio – ou seja, não teve nenhuma relação sexual nem com o rapper nem com ninguém depois dele. E jurou não sentir falta. “Acho que é como superar qualquer coisa, cigarro, drogas, o que quer que seja. Eventualmente, você só esquece, e toda a energia que estava dedicando ao sexo pode ser dedicada a outras coisas.” 

Sinal dos tempos, o Google reportou o aumento de 90% nas pesquisas com o termo celibato em janeiro de 2023. No TikTok, a hashtag #celibacy (celibato, em inglês) apareceu em 25 mil postagens até o fechamento desta reportagem. Nos conteúdos disponíveis, as pessoas – na maioria mulheres – dizem que a falta de sexo melhorou o foco, a disposição e a “saúde mental”. 

Há ainda quem decida abrir mão não só das relações sexuais, mas de relacionamentos amorosos em geral. A terminologia/movimento “boy sober” (“sóbria de garoto”), também popular nas redes, defende uma abstinência do amor romântico como uma forma de dar mais qualidade a diversas áreas da vida.

Só por hoje

Ficar “sóbria de relacionamentos”, por sinal, seria um termo bastante apropriado no caso da escritora e redatora Eduarda Rodrigues, 30 anos, que está há dois anos sem ficar com alguém. “A primeira coisa foi cortar o álcool. Parece um paralelo louco, mas, de uma hora para outra, eu não bebi mais e o mesmo aconteceu com as relações. Eu tentava me moldar muito para caber nos relacionamentos.” 

Embora não descarte relações no futuro, Eduarda diz que hoje só entraria numa para casar. “Nos moldes conservadores mesmo, de documento passado. Antes eu conhecia mulheres e homens e eles diziam que não queriam nada sério. Eu aceitava porque gostava deles. Só que, no final, ficava magoada”, explica. “Entendi que a culpa era totalmente minha. Elas já deixavam claro seus limites no começo.”

Em outro paralelo com a bebida, ela diz que estava sempre em uma “ressaca de sentimento”. “Sou uma pessoa que, quando abalada sentimentalmente, não vai bem no trabalho, na faculdade… Agora, não. Tenho tempo para me focar nas minhas coisas.” Na balança de ônus e bônus, para Eduarda, o saldo é positivo. “É uma questão de autoproteção. Para mim, não vale a pena ter uma pessoa só para preencher um espaço de sexo.” 

Freud explica?

Quando se trata de sexualidade, é complicado e, possivelmente, desnecessário traçar uma linha entre normalidade e patologia, de acordo com a psicanalista Marina Gastaud – isso, claro, quando o comportamento diz respeito a pessoas autônomas, capazes de consentir. Nessa miríade de preferências, os celibatários representam um desafio especial para a psicanálise, diz Marina, uma vez que a teoria é bastante centrada no papel da sexualidade na vida psíquica.

Cabe ressaltar que o celibato não precisa ter nenhuma conexão com experiências traumáticas. Muitos o escolhem por religião, para lidar com o estresse, aprofundar relações de amizade, dedicar-se aos cuidados com os filhos e por aí vai. Para Marina, a relação individual com a sexualidade é moldada por eventos internos e externos, como a relação com os pais/responsáveis. “É importante destacar dois fenômenos. O primeiro é a inibição ou a repressão da sexualidade adulta em decorrência da fantasia de que o sexo é algo assustador e perigoso. O segundo é a decisão, consciente e cuidadosa, de postergar a vivência da sexualidade em função do desejo de se relacionar melhor com o próprio corpo, seus afetos e sua intimidade.” 

Outro ponto que vale salientar é que o celibato não implica em que o indivíduo seja assexuado. Pelo contrário: os relatos ouvidos pela reportagem são de pessoas que sentem atração e já construíram, ou querem, relações. Além do mais, não custa lembrar que a sexualidade não se resume só a coito e masturbação. Até a roupa escolhida pode ser uma manifestação dela. 

Tela fria

A psicóloga e terapeuta sexual e de casal Mariana Galuppo acredita que há uma relação da redução da atividade sexual entre jovens com os altos índices de ansiedade, além do uso ilimitado de tecnologia. Normas sociais e referenciais distorcidos e ansiogênicos, como o mito de que o homem sempre precisa ter ereção, entram nessa conta e, nesse cenário, é alta a probabilidade de que ocorram distorções do que é sexo, agravadas com a oferta de muita pornografia. “Do que o jovem – e não apenas ele – abre mão ao deixar o contato real pelo digital?”, questiona Mariana. 

“O jovem vai procurar informação em algum lugar, e normalmente não é com os pais”, diz a sexóloga Bárbara Bastos. “Chegam, assim, à pornografia, que traz o quê? Noções de ‘britadeira’ e ‘macetada’, todas centradas no pênis, o que invisibiliza o prazer de quem tem vagina e também o sexo lésbico”, aponta a especialista.

Outro motivo da lacuna de desejo sexual pode soar óbvio: a falta de boas experiências. Se a pessoa não tem prazer com frequência, ela não vai querer transar, resume a sexóloga. E a ausência de satisfação física não precisa ser causada pelo ato em si. “A vivência ruim muitas vezes está ligada à ansiedade, a ficar pensando mil coisas na hora. Então, você acaba evitando o sexo.”

Questão de qualidade

A estudante de museologia e maquiadora Gabriela Gusmão, 25 anos, perdeu a virgindade aos 21 e diz que foi algo do tipo “vamos acabar logo com isso”. A primeira experiência não foi lá essas coisas, e tampouco foram as seguintes. “Em todas as relações sexuais que tive, tomei álcool para ficar menos ansiosa, mais solta e me focar menos na minha autoestima”, conta. “Sempre vi sexo, o ato, como algo sem muita importância.” Gabriela não é celibatária, mas costuma espaçar as experiências sexuais. O maior intervalo foi de um ano e meio. “Fiquei com caras e mulheres. E todas as experiências foram uma merda. Nunca tive orgasmo, fico sempre ansiosa.”

O relato da maquiadora está longe de ser uma exceção. Segundo uma análise da Universidade de Nova York, só 10% das mulheres têm orgasmo nos primeiros encontros. E 80% não o atingem na penetração com homens, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Journal of Sex & Marital Therapy

Ainda assim, a falta de interesse em sexo causa espanto na maioria das pessoas, acredita Gabriela. “O ‘normal’ é estar em aplicativo, caçando o tempo todo. Qualquer coisa que se desvie disso é visto como errado”, opina. 

Para a sexóloga Bárbara Bastos, é preciso que o celibatário trabalhe suas vivências sociais. “É necessário entender que poderá existir o julgamento das pessoas próximas. É possível, assim, ter tranquilidade com a decisão? A percepção dos outros não pode impactar tanto o bem-estar”, pondera. Da mesma forma, concordam as especialistas entrevistadas, não faz sentido topar uma transa somente para dizer para si e para os amigos que se está ativo sexualmente.

Um contraponto levantado por Bárbara é trabalhar essas questões com educação sexual e terapia, em vez de simplesmente ignorar o assunto. Nos casos de ansiedade, por exemplo, abrir mão do sexo não é o único caminho – o que não deslegitima essa via. 

A psicóloga Mariana Galuppo também destaca a importância de investigar a motivação do celibato: “Há alguma crença pessoal, religiosa ou de autoimagem distorcida?” Um celibato com saúde, diz ela, é viável desde que não haja sofrimento.

A professora de inglês e fotógrafa Rafaela Reinert, 31 anos, hoje é casada, mas ficou quase dois anos sem relações. A escolha foi feita após terminar um relacionamento “muito conturbado”. No início, conta, ela ainda sentia vontade de se relacionar, muito pelo “vício do flerte”. Chegou a baixar aplicativos de relacionamento, começava alguns papos e sumia.

“Nos primeiros seis meses, foi assim. Até que consegui ficar só comigo.” A escolha não se deu apenas com paixões e afetos, mas com toda a sua vida social. “Não fui mais para festas e bares porque sabia que uma coisa puxava a outra. Como uma alcoólatra mesmo.”

Rafaela conta que queria se conhecer melhor e, nesse período de abstinência de relacionamentos, aprofundou o hábito da leitura, assistiu filmes, investigou gostos e prazeres. Em suma, teve várias experiências enriquecedoras. “Uma delas foi ir ao Egito ensinar inglês”, lembra. 

O celibato chegou ao fim quando uma amiga lhe propôs baixar o Tinder. “Eu tinha me fechado demais, parti do autoconhecimento para o individualismo.” Era 24 de dezembro de 2017 e ela entrou, mais uma vez, em um app de relacionamento. “Pensei: vai que o Natal me traz um presente. Foi algo descontraído, eu não botava nenhuma fé. E a primeira pessoa com quem falei foi a minha atual esposa, acredita?”