No interior das florestas ou em construções abandonadas, você pode se deparar com uma criatura pálida e esguia, vestida com um terno preto, que contrasta com o branco de sua ausência de feições. Conhecida como Slender Man, ela é capaz de fazer crianças desaparecerem de forma misteriosa e causar pesadelos e alucinações nos adultos. Em 2014, seu nome ganhou o noticiário com um caso de assassinato inexplicável. Na internet, no entanto, onde essa figura sombria nasceu, ela já causava pânico muito antes.
Talvez você não tenha ouvido falar ainda do Slender Man, mas já deve ter lido outras histórias de gelar a espinha nas redes sociais. Elas fazem parte do que é conhecido como creepypasta, um gênero de horror próprio da internet, que usa seus formatos e espaços para amplificar o sentimento de medo em relação ao desconhecido e à ansiedade causada pela tecnologia.
“As creepypastas nascem com a pretensão de perturbar, assustar e arrepiar, só que elas estão em um ambiente digital, com toda a potência que ele oferece de viralização e de transposição para outros formatos”, explica o escritor e pesquisador da ficção literária de horror Oscar Nestarez.
Por sua natureza anônima e colaborativa, as creepypastas ocupam o espaço que em décadas passadas pertencia às lendas urbanas. Se nos anos 1990 as crianças tinham medo da Loira do Banheiro, do Homem do Saco e de palhaços assassinos, quem cresceu nos anos 2010 provavelmente perdeu algumas noites de sono graças a histórias que refletem as fobias e angústias da era digital, como Jeff the Killer, a Boneca Momo e Ben Drowned.
“O anonimato é fundamental para as lendas urbanas e para as histórias de assombração. Elas surgem como um boato e ocupam essa fronteira entre fato e ficção. A possibilidade de as histórias das creepypastas serem reais é imprescindível para a capacidade delas de assustar e assombrar”, explica Oscar. Para o pesquisador, a internet facilitou e exponencializou o nosso gosto por contar histórias e se assustar com elas. “Nas eras passadas, isso acontecia ao redor das fogueiras. Hoje, é em frente ao computador, consumindo histórias que podem ou não ser verdade, mas que são absolutamente assustadoras.”
O termo “creepypasta” surgiu em 2007, em fóruns como o 4chan e o SomethingAwful, local de nascimento do Slender Man. Inicialmente, a expressão representava a junção de creepy, assustador em inglês, com copypasta – textos curtos feitos para serem espalhados por meio do copia e cola.
No início da década de 2010, essas lendas se tornaram virais. Sites como Creepypasta.com, Creepypasta Brasil e o Reddit formaram comunidades em torno do compartilhamento delas – no último, o principal fórum sobre o tema, o /r/NoSleep, conta com mais de 18 milhões de usuários. Mas foi no YouTube, e posteriormente no TikTok, que os contos encontraram seu espaço ideal, em meio a um universo de canais focados em true crime, gameplays de jogos assustadores e cinema de horror.
Referência em terror nessas plataformas, Ju Cassini começou a criar conteúdo durante a pandemia, inspirada pelos vídeos de mistério que sempre consumiu, apesar do medo. Hoje milhões de seguidores no YouTube e TikTok acompanham seus vídeos, em que ela apresenta casos misteriosos, crimes macabros e, claro, creepypastas, como Backrooms, sobre uma realidade alternativa de corredores labirínticos de carpete e lâmpadas fluorescentes, e NoEnd House, a respeito de um jovem que aceita uma aposta para explorar uma casa assombrada. “Fiquei muito surpresa ao encontrar tantas pessoas com os mesmos interesses”, conta a criadora.
Foi também no período pandêmico que Larissa Bueno, a Unknowlss, deu início aos seus vídeos, motivada por sua obsessão por “crimes não resolvidos, teorias sobre desenhos e mensagens subliminares”. Em sua página no TikTok, ela publica suas interpretações de histórias de horror com finais inesperados e creepypastas com rituais de invocação, exemplificando o poder do digital em manter viva as tradições do terror e das lendas urbanas.
O fascínio exercido pelo gênero é atribuído por Ju Cassini à sensação controlada de adrenalina e ansiedade – explorada de forma única pelas creepypastas. “Você fica tenso com a história, mas sabe que na maioria das vezes vai ter uma solução para o quebra-cabeça. Também temos curiosidade de saber mais, se existe algo além, ou se essas experiências são reais”, diz.
Apesar do formato despretensioso, a produção desse tipo de conteúdo envolve um longo processo de pesquisa, como explica Larissa. “Existem muitas creepypastas, por isso, sempre leio bastante e escolho as mais interessantes para levar ao meu perfil.” Entre suas histórias favoritas, está a de Kuchisake-Onna, lenda japonesa do período Edo, sobre um espírito maligno com um grande corte na boca que mata desconhecidos após abordá-los.
@unknowlss eu amo mas quero ela longe de mim… #terror #fyp #creepypasta
Essa universalização das lendas é uma das grandes transformações trazidas pelo formato, como explica Oscar. “Antes, a gente tinha as lendas regionais, inclusive dentro do Brasil. Cada região, às vezes cada cidade, tinha suas próprias histórias. Agora, as creepypastas nascem globais. Algo que surge no Japão vira tão nosso aqui quanto é de lá.”
As irmãs Érika e Mariane Ângelo, do canal Hora da Creepy, são um exemplo de como as creepypastas evoluíram: elas não apenas compartilham histórias, mas também criam suas próprias. Influenciadas pela literatura de horror e pela série Além da imaginação, costumam produzir contos sobre cultura pop, abordando episódios perdidos de desenhos animados e jogos de videogame amaldiçoados.
Essa movimentação, por sinal, é frequente na comunidade: fãs que ficavam apavorados na década passada hoje produzem seus relatos arrepiantes, dando continuidade ao gênero. “Me surpreendo com os comentários dos jovens ou adolescentes que nos assistiam quando crianças e agora escrevem suas próprias histórias de terror, inspiradas no nosso canal”, conta Érika.
“Existe uma geração de autores, principalmente pessoas mais novas, que teve o primeiro contato com o horror por meio das creepypastas e resolveu produzir suas próprias histórias. Não costumamos esquecer essas primeiras experiências aterrorizantes”, analisa Oscar. “Quando a indústria constatou esse poder imenso de mobilização, deu um jeito de faturar com isso. Acaba sendo um subgênero, que surge não só na literatura, mas no cinema também.”
Ainda em 2018, o Slender Man ganhou seu próprio filme. Antes disso, em 2015, a série do canal SyFy Channel zero adaptou para a televisão alguns dos principais contos, como Candle Cove, sobre as memórias relacionadas a um programa de televisão infantil, e NoEnd house. No TikTok, os Backrooms fizeram tanto sucesso que vão receber uma adaptação para o cinema pela badalada produtora A24.
Um dos subgêneros mais populares do terror atual, o horror analógico, retratado em séries como Mandela catalogue e filmes como Skinamarink, está estreitamente ligado a esse movimento. Caracterizado por imagens em baixa resolução, que remetem à estética das TVs do século passado, ele traz uma mistura dos temas e formatos das primeiras creepypastas que chegaram ao YouTube, como Marble Hornets, adaptação de Slender Man, e Ben Drowned, sobre um cartucho de videogame amaldiçoado.
Por falar em videogames, eles também não escaparam da influência das lendas urbanas online – jogos de horror baseados nos contos dominam plataformas como Steam e Roblox.
É difícil saber qual é o futuro das creepypastas, mas uma coisa é certa: à medida que a internet se transforma, novas criaturas vão continuar surgindo nas profundezas da web, prontas para assombrar os desavisados na próxima notificação.
Creepypastas para perder o sono
Backrooms
Traz os bastidores da realidade, um espaço quase infinito de corredores labirínticos com carpete velho e luzes fluorescentes, habitado por criaturas que podem ser benignas ou não. Ficou muito famoso no TikTok e no curta-metragem do jovem cineasta Kane Pixels, que está em processo de adaptação para o cinema pela A24.
Slender Man
A criatura mais lendária das Creepypastas surgiu em um concurso de imagens assustadoras em 2008 e, de lá para cá, traumatizou toda uma geração com sua aparência misteriosa e seus membros esguios. O sucesso foi tanto que virou filme, jogo e motivou um assassinato real nos Estados Unidos em 2014, contribuindo para o pânico sobre o tema.
Lavender Town Syndrome
Inspirada na série Pokémon, essa teoria afirma que centenas de crianças japonesas foram induzidas ao suicídio pela música assustadora tocada na cidade fictícia de Lavender – até hoje uma das trilhas mais populares nos vídeos de creepypasta. Ainda que a música seja, sim, desconfortável, não há nenhuma evidência real de que isso tenha acontecido.
Jeff the Killer
Uma das primeiras creepypastas a se popularizar, ela tinha como trunfo uma imagem assustadora – para os padrões dos anos 2000 – acompanhada da frase “Go to sleep” (vá dormir). As tentativas de criar uma história mais consistente renderam aqueles que são amplamente considerados alguns dos piores contos da comunidade. Jeff the Killer, no entanto, permanece entre os personagens mais famosos do gênero no YouTube.
Candle Cove
Usuários em um fórum relembram um programa infantil antigo, com marionetes e piratas, antes de perceberem que ele era mais assustador do que parecia – e que talvez nem tenha existido. O conto, um dos poucos com autoria oficial, ganhou uma série de adaptações e reinterpretações no YouTube, antes de virar uma série oficial em 2015, parte da antologia Channel zero. Também deu origem a um elogiado spin-off no YouTube, Local 58, contado através de transmissões de emergência.
Ben Drowned
Essa creepypasta aborda um misterioso cartucho de Nintendo 64 comprado em uma venda de garagem, assombrado pelo espírito vingativo de um garoto de 12 anos que morreu afogado. Contado de forma transmídia por meio de posts no 4chan e vídeos de gameplay no YouTube, se tornou imensamente influente no gênero, ajudando a definir a estética dos games de terror pela década seguinte, além de transformar a saga Legend of Zelda em algo realmente assustador.
The Russian Sleep Experiment
Um suposto experimento soviético com um gás estimulante para ver os limites da privação de sono acaba de forma macabra. Até hoje é amplamente compartilhada e confundida com um experimento científico real.
SCP Foundation
Trata-se de uma organização global fictícia que combate forças sobrenaturais e reúne mais de 8 mil criaturas e objetos catalogados – pense em Arquivo X, mas na forma de um projeto literário colaborativo e global. Tornou-se um dos materiais mais frequentemente adaptados para a literatura, o cinema e, principalmente, os videogames.
Skibidibi Toilet
Versão Gen Alpha do terror digital, esses shorts narram uma guerra entre privadas com cabeças humanas e criaturas com cabeça de câmera. Não faz muito sentido, mas causa imenso terror e é tema de memes entre os nascidos a partir da década de 2010. Uma adaptação para o cinema está sendo planejada, com o envolvimento de Michael Bay (diretor de filmes como Armageddon e A ilha)