Quem tem medo das sombras?

Por que as vilãs usam mais maquiagem? Percorremos a história do cinema e dos cosméticos para entender o caráter malévolo do make que não esconde, mas revela.

Pensa rápido: quando falamos das vilãs de cinema, que imagem vem à sua cabeça? Tenho certeza de que uma maquiagem impactante apareceu por aí. Especialmente na região dos olhos, ouso dizer. O ar sombrio das bruxas, por exemplo, costuma contar com a sombra nas pálpebras para alcançar seu efeito. Nas telonas e telinhas, é quase um clichê: não à toa, existem fóruns na internet que catalogam todas as antagonistas que não se intimidam na hora de pintar o rosto. Pense nas Trix, da série infantil de animação O clube das Winx, de 2004, em Cruella de Vil, dos 101 dálmatas (1961), e em Uma Thurman, na pele de Poison Ivy, em Batman & Robin (1997), entre tantas outras…

Uma Thurman na pele de Poison Ivy

Uma Thurman, na pele de Poison Ivy. Foto: Divulgação


Obviamente, existe uma razão por trás desse visual “vilanesco”. Segundo Paula Jacob, professora e pesquisadora de cinema, é preciso olhar para as questões técnicas dos primeiros longa-metragens para entendermos a questão. “Os recursos eram muito escassos: não tinha som, não tinha cor… A maquiagem, portanto, era muito importante para marcar a expressividade dos personagens de uma trama”, explica a mestranda em comunicação e semiótica pela PUC-SP. Por isso, no início do século 20, o antagonista era reconhecido por olhos marcados, quase cadavéricos, muito contornados. O intuito era dar um susto no espectador. “Atualmente, emulamos esse sentimento novamente. Inconscientemente, esses símbolos, aos poucos, constroem o nosso entendimento do que é bem e do que é o mal em uma narrativa audiovisual”, continua. 

Saindo um pouco da esfera do cinema e olhando para a história da própria maquiagem, Vanessa Rozan, maquiadora e mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, diz que pintar o rosto sempre foi um ato de rebeldia. “Desde os anos 1920, com a Josephine Baker, isso já era uma questão”, exemplifica ao citar a dançarina estadunidense radicada na França que enfrentou as políticas segregacionistas de seu tempo. “Tem algo de insubordinado no comportamento de uma mulher que recusa o visual angelical e puritano delegado a ela pela sociedade ocidental. As bruxas, as vilãs, são o oposto disso e, para passar essa impressão, as sombras escuras entram em cena.” 

Maquiadora nacional da MAC no Brasil, Kátia Araújo reforça o coro: “É um símbolo de contestação, de contraproposta à normatividade”. Rebeldia essa que, por sinal, tem voltado à moda. Basta olhar o estilo de garotas como Charli XCX, Gabriette, Caroline Polachek, Doja Cat e Amelia Grey. “O look sombrio retorna quando uma conversa sobre feminilidade se faz necessária, indo além do visual romântico e ressaltando a liberdade feminina”, diz. 

Vale destacar que, no decorrer da história, as histórias das vilãs também evoluíram. Se antes elas eram absolutamente imperdoáveis, releituras contemporâneas dão às personagens mais dualidade, humanidade. “A maquiagem aparece quando elas se encontram. A Cruella de Emma Stone, por exemplo, é um bom exemplo. Ao revelar-se Cruella, ela pinta os olhos de preto, descolore o cabelo, passa batom”, retoma Paula. “A maquiagem, nesses casos, é um exemplo de ferramenta que, sem dizer nada, é capaz de evidenciar uma transformação em andamento. Muda o tom da sombra, muda a trajetória de quem a usa”, explica.

Cruella

Emma Stone como Cruella. Foto: Divulgação

E esse poder da “maquiagem de vilã” interessa muito ao mercado de beleza, é claro. Ao completar 40 anos, a MAC Cosmetics trouxe de volta às gôndolas parte de uma coleção especial desenvolvida em 2010 com a Disney, com produtos inspirados em Malévola – a bruxa demoníaca de A bela adormecida (1959). No Brasil, a empresária Bruna Tavares é quem surfa nessa onda. O Dia das Bruxas já rendeu duas linhas especiais em sua marca – uma das primeiras a investir em itens que celebram a data. “As vilãs têm um apelo visual muito mais forte”, defende a influenciadora. “Acho incrível o universo de possibilidades que esse tema abre para quem ama maquiagem. A gente vê o lado social do make ficando de lado por um momento para dar espaço a uma brincadeira mais artística.”

Três passos para um look do mal

Tons escuros, sim. Tons que fogem do óbvio, com certeza: “Uma sombra azul, roxa ou dentro de uma cartela de cores frias é um marcador de estranheza que ajuda a caracterizar as personagens ambíguas”, aponta Paula Jacob.

Explore o olhar: “Um megaolhão esfumado, um megadelineado, cores sempre intensas… A vilã chama a atenção, tem personalidade e ainda explora um lado sexy, misterioso, marcante, poderoso”, sugere Bruna Tavares.

Para arrematar, contorne sem medo: “O contorno ajuda a evidenciar a ossatura, de maneira que, a depender do ângulo, esse make imprima até um caráter sobrenatural. Corretivos em tons frios são excelentes para criar essas profundidades”, indica Kátia Araújo.