Após a maratona de desfiles de verão 2025, em Nova York, Londres, Milão, Paris e São Paulo, dá para afirmar que uma das principais tendências da temporada é o corpo. No caso, o corpo em evidência, a pele à mostra em recortes mil, comprimentos mínimos, decotes nada tímidos e muito underwear.
Talvez seja um contraponto à rigidez da alfaiataria minimalista e à discrição básica das estações anteriores. Talvez seja só a irresistível vontade fashionista de provocação. Os sinais já estavam lá havia um tempo. Em janeiro, John Galliano reproduziu pelos pubianos em vestidos de gala, na alta-costura 2024 da Maison Margiela. A Miu Miu, bem antes, reformulava a definição de minissaia a cada nova coleção. Teve até o retorno improvável da Victoria’s Secret, com o eco de obsessão pela magreza.
Voltando ao verão 2025, a Balenciaga começou o seu desfile com uma série de roupas inspiradas no universo boudoir. Lingeries sob casacos volumosos e combinadas com saltos altos eram, na verdade, sutiãs, cintas-ligas e hot-pants bordados em cima de um macacão colado no corpo. Quem acompanha o trabalho de Demna, o diretor criativo da grife, sabe que ele gosta de brincar com percepções sobre a roupa.
Balenciaga, verão 2025. Fotos: Getty Images
Na Alaïa, peças como microtops e minissaias abraçavam as modelos sem o uso de zíperes e botões. Cada item foi construído de tal maneira que sua própria estrutura se sustente sobre o corpo – e bem esculturalmente. Na Miu Miu, o sensual e o esquisito, como de costume, deram as mãos. Dessa vez, com cuequinhas folgadas, que carregam um charme todo próprio. Alessandro Michele reinterpretou camisolas transparentes em sua comentadíssima estreia na Valentino.
Alaïa, verão 2025. Fotos: Getty Images
“Tom Ford já dizia que o sexo não vende, mas o voyerismo, sim.”
Tom Ford já dizia que o sexo não vende, mas o voyerismo, sim. Madonna, em seu livro Sex, lançado em 1992, talvez discorde, mas há bastante sentido na fala do designer texano, especialmente em relação ao que vimos na passarela nos últimos meses. O pelado de agora foge da literalidade e pede um segredo a mais, certo mistério ou excentricidade.
No desfile de Alexandre Herchcovitch, na SPFW N58, os decotes ousados exploram regiões inusitadas, como a lateral da pélvis e das pernas. Recortes em lugares incomuns são praticamente uma assinatura no trabalho da designer brasileira Karoline Vitto. A albanesa Nensi Dojaka, vencedora do Prêmio LVMH de jovens designers, bem como outros nomes da nova geração, como Dion Lee, Cult Gaia e Jonathan Simkhai, também curtem mostrar partes do corpo que nem sempre estamos acostumados a revelar.
Ao lado esquerdo, verão 2025 da Karoline Vitto e, à dir. Fotos: Getty Images
Numa toada mais lúdica, o estilista paraibano Rodrigo Evangelista desenvolveu um top de crochê que recria os seios de quem o veste. “Busco enfatizar a beleza do corpo, com exagero até. Trabalho com ombreiras, pregas, matelassê, para destacar pontos”, diz ele. “Todos nós somos constantemente cobrados pela aparência e sofremos com inseguranças. Às vezes, é sobre criar arte com os nossos próprios demônios.”
Ao centro, o estilista Rodrigo Evangelista e suas criações. Fotos: Divulgação
De acordo com Rodrigo, se a moda e a sociedade andam juntas, a liberdade corporal é uma resposta ao avanço do conservadorismo. No entanto, a situação é um tanto complexa. Se o corpo está mesmo para jogo, é importante questionar que corpo é esse.
Se a diversidade parecia um caminho sem volta na indústria, o que se vê atualmente é uma representatividade bem aquém. Aos 28 anos, a modelo catarinense Raphaella Tratske já desfilou para marcas como Another Place, Weider Silveiro e Karoline Vitto. Ajudando a pavimentar um caminho mais diverso de corpos nas passarelas, ela relata o retrocesso no mercado. “Voltar a questionar a representatividade na minha profissão dói. Marcas que há pouquíssimo tempo faziam campanhas lindas, com modelos de vários perfis, indicam que a pauta da diversidade caiu. É revoltante.”
A modelo Raphaella Tratske. Fotos: Divulgação
Para Raphaella, o retorno do culto à magreza expõe uma obsessão antiquada: “Todo mundo tem o direito de perder peso e fazer o que quiser com o próprio corpo, mas me espanta que estejamos naturalizando que pessoas adoeçam emocional e fisicamente para serem magras. Precisamos educar o nosso olhar sobre o que é belo”.
Quando o corpo fica em evidência, algumas problemáticas também são reveladas e não podem ser tratadas como uma tendência. O tema sobre padrões estéticos e liberdade pessoal está em constante movimento, sempre se atualizando com novas camadas. A moda se desenha no jogo sutil entre o que se exibe e o que, de fato, decide se manter. E a falta de pluralidade, ninguém quer ver.