“Respeite o meu dom. Previsão não é torcida!”, diz Chico Barney. Já faz uma década que, todo ano, no anúncio dos participantes de cada edição do BBB, o jornalista e colunista de TV anuncia em suas redes sociais o nome do vencedor. Em 2023, por exemplo, apostou de cara na vitória de Fred. Quem levou foi Amanda. Em 2024, o palpite foi Beatriz. Ganhou Davi. “Jamais errei um campeão de reality show”, ele insiste.
Assim, entre o sarcasmo e a ironia, “um dos autores mais lidos do país”, como se intitula na sua bio no X, onde é seguido por mais de 1 milhão de pessoas, Chico e seus comentários se tornaram uma referência no ecossistema que os reality shows mobilizam para além da TV. E também entre os fãs, que cativa com seu estilo debochado, e haters, boa parte deles dos fandoms dos participantes.
“Me xingam de tudo. Porque mesmo que tu não escolha um lado, se não tá elogiando o deles, está contra. É um negócio que eles levam para o coração.”
Natural de Florianópolis, Chico, 41 anos, nascido Lucas, sempre foi fã de TV e cultura popular. “Minha mãe era jornalista, se formou mais velha, estudava Shakespeare e Nelson Rodrigues assistindo o Datena e a Sonia Abrão. Ela gostava desses dois universos e acabei gostando também não para ser diferente, mas porque nunca tive preconceito.”
Barney cursou publicidade, trabalhava na área, mas seu caminho como comentarista começou a se desenhar quando criou um blog. “Sou da primeira geração, que em 2002 estava fuçando nisso.” Escrevia sobre TV e cultura pop, e foi nessa época que o nome artístico nasceu (mais como um pseudônimo), por um motivo bem específico. “Fazia jiu-jítsu e tinha medo de apanhar se eles (os outros praticantes) lessem meu blog”, conta aos risos.
Com o Twitter, viu seus textos ganharem mais projeção e logo nas primeiras edições do BBB, ficou “fascinado” pela ideia do programa. Em 2014, já morando em São Paulo, começou a escrever sobre o BBB em uma coluna para o portal de notícias UOL, onde segue até hoje, a cada ano ganhando mais espaço na cobertura do programa. “A última grande abrangência (aderência por parte do público) são os reality shows. Acho que o BBB, especificamente, é ainda um furador de bolha. Essa ligação dele com a internet e a maneira como ele vira assunto permite que tu fale com pessoas diferentes, pelo menos um pouco diferentes de você.”
À ELLE VIEW, o jornalista divide suas expectativas para a edição 25 do BBB e os rumos que o formato tomou quando conectou a audiência da TV com a da internet. Confira.
Que leitura você faz do sucesso e dos fracassos do Big Brother Brasil ao longo do tempo?
Ele teve muitos altos e baixos já no primeiro ano. A estreia (que terminou em abril) bombou tanto que eles falaram “vamos fazer um segundo em maio”. E foi muito diferente em termos de repercussão. Acho que a chave para essa virada mais recente – que ainda assim, nesses últimos cinco anos, também teve um monte de altos e baixos – foi atualizar o perfil de quem participa.
Pela entrada de famosos ou não necessariamente?
Os famosos – e acho que dá para usar muitas aspas nesse famosos (ele tem dúvidas se as pessoas são conhecidas, de fato) –, mas também pessoas que servem como um ponto de entrada (personalidades da internet, não necessariamente famosas para a audiência nacional, mas que atraem a atenção de parte do público antes mesmo do início do reality). A internet começa a falar do elenco do BBB agora, em novembro e dezembro. Antes, só no anúncio dos participantes a gente ia entender quem eles eram e, quando começava a briga por atenção, já era tarde demais (para se aprofundar neles). Tem que ter essa especulação anterior, porque não basta estar no ar. Tem que virar assunto. A escalação do BBB 20 (que tinha entre os participantes Manu Gavassi, Rafa Kalimann e Bianca Andrade) foi a primeira nesses moldes, porque trouxe uma galera que tinha engajamento na internet e, ao mesmo tempo, era interessante para o público da TV aberta. E acho que nessa virada a condução do Tiago Leifert (que apresentou o programa entre 2017-21) foi muito importante.
“Para mim, tanto faz quem participa. Adoro quando o elenco é anunciado e todo mundo fica meio ‘quem são essas pessoas?’”.
Ele se envolvia inclusive em discussões na internet.
Isso fica de rescaldo. Porque o Bial (o apresentador Pedro Bial comandou o programa nos primeiros 16 anos) tinha uma visão, sei lá, literária. Era uma novelinha, os “heróis da nave louca”. Ele estava escrevendo ali uma dramaturgia. Acho que o Tiago Leifert teve temporadas boas e ruins, mas direcionou o olhar para o jogo. Ele, com a visão de um cara que acompanha esporte, gosta de videogame, deu outro filtro ao programa. Em cinco anos, ele mudou a percepção do que é interessante, de quem merece vencer. “Ele está jogando” era um xingamento com o Bial. Com o Tiago, era uma necessidade. Isso deu um fôlego diferente e ajudou a dar uma rejuvenescida. Deixa de ser a dramaturgia ruim de atores péssimos, do improviso de baixo nível, e vira um negócio de “o game”, como ele falava. Acho que isso ajudou a dar uma renovada até no público.
Qual é a sua expectativa para a próxima edição, a primeira pós-Boninho? (O diretor do programa desde a primeira edição anunciou sua saída da Globo em setembro deste ano.)
Sei muito pouco de bastidor. Procuro saber pouco porque gosto de ser o careca idiota assistindo TV em casa, sabe? (risos) Mas a impressão que tenho é que a equipe é a mesma há muito tempo. O cara que ficou no lugar do Boninho, o Rodrigo Dourado, está no BBB desde a primeira edição. A visão que a gente aqui de fora tinha era de que o Boninho era quase um embaixador. Eu me divertia com os vídeos dele dando uma notícia e depois desdizendo. Achava interessante. Não sei se vai ter alguém nesse papel, nem se organizacionalmente vai mudar muita coisa.
“A gente brinca que a nossa Copa do Mundo dura sete meses todo ano, de A Fazenda até o final do BBB.”
Sua rotina se transforma com a proximidade ou o início do BBB? Isso acontece com outros realities, como A Fazenda?
A gente brinca que a nossa Copa do Mundo dura sete meses todo ano, de A Fazenda até o final do BBB. Então, de setembro até maio a minha vida é meio organizada em torno dos horários dos programas e da cobertura. Durante algum tempo, tentei ser o mais próximo possível do telespectador eventual porque não adianta eu falar sobre uma coisa que só uma bolha (de insiders) está discutindo. Mas nos últimos anos isso se inverteu muito. As pessoas não desligam. Não preciso nem estar com o pay-per-view ligado porque qualquer rede social em que eu entrar vai ter um vídeo do programa. O problema é que eu gosto. (risos) Então é muito mais uma questão de querer acompanhar. Durante o BBB, fico vendo o pay-per-view direto. Um pouco menos com A Fazenda, mas não deixa de ser uma imersão. Fico bastante comovido com esses dois. Tem todo um ecossistema de repercussão desses programas que é um desafio, inclusive para os próprios realities, porque quase tudo que vai ao ar à noite (e foi exibido em tempo real pelo pay-per-view) já está velho, já foi discutido à exaustão na internet durante o dia.
Você nunca fica de saco cheio de assistir esses programas?
Em algumas temporadas, eu falava “porra, isso não sai do lugar, que saco”. Mas é menos sobre o programa, ou a rotina em si, e mais sobre a história da temporada, que às vezes é boa, às vezes é ruim. Não tem muito jeito. No final das contas, vai chegando o último mês e começo a ficar com um vazio, com saudade de almoçar ouvindo eles batendo o talher no prato, sabe? É meio difícil. (risos)
Mesmo tentando de algum modo se aproximar o máximo possível do telespectador comum, imagino que todos esses anos tenham dado a você um olhar apurado para identificar quando os participantes estão sendo verdadeiros ou encenando algo só para aparecer.
Sim, mas é muito engraçado porque existe o telespectador passivo, que é o cara que vai assistir e falar “esse é um picareta, hein?” ou “pô, aquele é legal”, mas não vai fazer nada a respeito disso (como votar a favor ou contra). E existem os radicais, aqueles muito engajados e apaixonados por aquilo, que não falam de outro assunto durante os três meses do programa. Tento olhar como um telespectador que não vai votar, que não vai se importar, que quer que todo mundo se ferre igualmente. Estou ali pelo programa de TV, e não pela paixão por esse ou aquele. Essas torcidas vêm isso de uma forma completamente diferente. E cada vez mais as edições têm sido resolvidos na primeira semana (por conta da mobilização dos fandoms já se sabe quem irá vencer). Se a diversão da pessoa é saber quem vai ganhar, isso tem sido descoberto muito rapidamente. Acho que algumas pessoas acabam se afastando do programa por causa disso. As torcidas embarcam no início e o resultado já parece definido.
Mas você acha que esses fandoms atrapalham? Houve o caso emblemático do Arthur Aguiar, no BBB 22, que tinha uma fanbase grande, mas não parecia ser o favorito do público.
(Risos) Já me debati mais com isso. Hoje acho que é uma parte fundamental, quase um show à parte. Às vezes, é mais engraçado do que o próprio programa. Esse do Arthur especificamente foi uma ressaca muito grande dos dois BBBs anteriores, depois daquela comoção que foi a Juliette (no BBB 21), que tinha uma torcida fanática, um negócio muito intenso. E o BBB 22 foi horrível. Se não fosse o Arthur, não tinha para quem dar o prêmio. Foi muito, muito ruim.
Essas torcidas fanáticas brigam muito com você?
Muito, me xingam de tudo. Mas já foi pior também porque aprendi um pouco. Uma coisa que mudou foi eu começar a aparecer em vídeo. As pessoas tinham uma visão meio dura de mim, tipo “o que esse cara tá escrevendo?”. Aí me veem falando a mesma coisa (de forma irônica, engraçada) e dizem “ah, tá bom, ele está sendo ridículo apenas”. Mas me xingam. Porque mesmo que tu não escolha um lado, se não tá elogiando o deles, está contra. Então, é um negócio que eles levam para o coração. Ficam irritados, vão para cima.
“Muita gente nem entende direito o que é o meu trabalho. Falam ‘você é jornalista, não deveria opinar’. Num universo tão pouco importante como esse, ficam nervosas. Acho muito curioso.”
O fato de as pessoas muitas vezes não saberem se você está brincando ou falando sério protege ou coloca você mais próximo de ser cancelado? Você já sentiu que isso estava atrapalhando ou ficou com medo?
Acho que a única vez em que senti isso foi no BBB 20. (Vencido por Thelma Assis.) Foi uma intensidade diferente das coisas porque veio uma galera diferente, que não estava mais acostumada a assistir. E recebi não só xingamentos, mas feedbacks poderosos, de rever algumas coisas, que talvez achasse engraçadas e inofensivas, mas que talvez fossem engraçadas e não tão inofensivas assim. Falei: “Justo. Acho que dá para fazer de outra forma”. Depois disso, algumas coisas ficaram até mais suaves. Tem o lance de as pessoas às vezes pensarem “ele tá falando sério ou não?’, mas acho que elas também não estão muito acostumadas a ver uma opinião diferente da delas. Está todo mundo muito absorvido pela bolha, pelos algoritmos, de entrar na internet para ver reforço sobre o que já pensa, tanto em questões relevantes quanto nas irrelevantes. Onde estão as maiores brigas além da política? É no fandom de diva pop, no fandom de futebol. A mesma coisa serve para participante de reality show. Muita gente nem entende direito o que é o meu trabalho. Falam “você é jornalista, não deveria opinar, tem que ser imparcial”. Num universo tão pouco importante como esse, ficam nervosas. Acho muito curioso.
Os ex-participantes às vezes tiram satisfação com você ou ficam magoados?
De vez em quando sim, mas tenho um total de zero interesse depois que acaba o programa. Não existe uma relação posterior. Não foi sobre o que as pessoas são (uma crítica pessoal ao participante). Acabou, não tô nem aí. Mas tem algumas pessoas que ficam tristes, querem resolver. Um dia desses, tinha um querendo me encontrar. Nem respondo, mas nada contra. É só um negócio acontecendo na minha TV, nada além disso.
Tem alguém que você adoraria ver num reality show?
Sempre falo do Felipe Dylon. É um cara sobre o qual tenho muita curiosidade. Entrevistei ele uma vez e perguntei por que ele nunca foi. Ele falou que já fez um reality show, teve um programinha na MTV há uns anos. Não sei quem gostaria de ver. Gosto de ser surpreendido. Para mim, uma das maiores participantes da história do BBB é a Boca Rosa. Nunca imaginei que fosse ter esse alinhamento de astros. Ela saiu cancelada, o pessoal odiando, e eu não entendia o porquê. O pessoal fazendo protesto porque ela não tinha ficado revoltada com o Hadballa. (Ela defendeu atitudes machistas do colega.) Um negócio doido. Para mim, tanto faz quem participa. Adoro quando o elenco é anunciado e todo mundo fica meio “quem são essas pessoas?”.