5 palavras para 2024

Word of the Year, ou palavra do ano, é o tipo de assunto que dá o que falar em dezembro. Conheça cinco termos eleitos em 2024 por dicionários de língua inglesa e entenda por que essa seleção é relevante.

Em 2003 foi “metrossexual”. Em 2017 , “fake news”. Em 2020, não poderia ser outra: “covid”. Em 2024… A American Dialect Society, organização que se dedica ao estudo de línguas e dialetos usados na América do Norte, só vai revelar a Palavra do Ano em janeiro de 2025… Mas o mar da internet já está devidamente agitado pelos verbetes definidos por dicionários como Oxford e Cambridge, que, um a um, entraram na brincadeira inicialmente proposta pelos lexicógrafos da ADS em 1990. Por falar em escolha de palavras, brincadeira não é o termo ideal. Além de atualizar os dicionários com neologismos e novos usos para um verbete conhecido, buscar e cravar as palavras do ano – o que se faz, principalmente, analisando a imprensa e, mais atualmente, as redes sociais – é uma maneira de capturar o zeitgeist, ou seja, o ar dos tempos. 

Como define o Dictionary.com, é uma cápsula do tempo linguística, já que as Woty (word of the year) resumem os principais acontecimentos do período nas áreas de política, economia, tecnologia, cultura e/ou comportamento. Um exemplo é “alucinar”, escolhida em 2023 pelo dicionário Cambridge. O verbete não é novo, mas seu uso como verbo, para indicar informações falsas produzidas pela inteligência artificial, é. Frases como “não dá para confiar na IA, porque volta e meia ela alucina” chamaram a atenção da instituição, que atualizou o rol de palavras também com os termos “engenharia de prompt” e “GenAI” (corruptela de inteligência artificial generativa). E do que mais se falou naquele ano, senão disso?

Em 2024, a saúde mental (deteriorada), o clima político (tenso), uma atitude (piada nas redes sociais), um disco novo (!) e até certo clima místico inspiram as palavras do ano, eleitas depois de uma intensa análise de dados, que leva em conta o aumento brusco de buscas sobre um termo no próprio dicionário, ou até de tendências de pesquisas em buscadores como o Google. Saiba a seguir o significado das cinco palavras que definiram o ano. 

Brat

Este talvez seja um dos melhores exemplos do fenômeno linguístico que a “palavra do ano” pretende registrar. Originalmente, brat, eleita pelo dicionário Collins, define uma criança do tipo terrível, de comportamento mimado. Algo como um pirralho bem do “pestinha”. Até que a cantora britânica Charli XCX lançou o álbum com o mesmo nome e a palavra foi tomando outro sentido: o de uma atitude que define uma mulher autêntica, confiante, direta, mas não perfeitinha. É também um pouco hedonista, um pouco volátil. Fala bobeiras. De acordo com a cantora: que usa um top de tiras brancas sem sutiã e leva nas mãos um maço de cigarro e um isqueiro Bic. Ou aquela que não deixa de se divertir mesmo depois de “colapsar”. Assunto do verão britânico, brat foi considerado um movimento cultural, atravessou o oceano e aterrissou na campanha presidencial dos Estados Unidos: Kamala Harris usou o termo e as cores do álbum (verde fluo e preto) para atrair a atenção de eleitores jovens. No Brasil, a expressão “carimba que é brat!” começou a ser utilizada por fãs para exaltar o sucesso de Charli. Por extensão, passou a ser empregada também para enaltecer outras atitudes/pessoas/coisas dignas de aplauso (seria um novo “arrasou!”?). A palavra como adjetivo também apareceu: “isso é tão brat!” A moda adotou a ideia: o verde brat aconteceu e o estilo brat – “Insira algo meio podrinho no look” – também são assuntos derivados, veja só, da capa de um disco.

Manifest

Manifestar, palavra tão comum, é a escolha do ano do dicionário Cambridge. Por séculos, ela foi usada no sentido de “mostrar com clareza”, “declarar algo” – como quando um político manifesta seu apoio a outro durante uma eleição. Mais recentemente, o mesmo termo passou a ser usado para falar de práticas específicas para fazer a mente se focar em algo que se deseja muito realizar e, dessa forma, conseguir que essa vontade se concretize – ou melhor, se manifeste. O novo uso foi atualizado no dicionário em maio de 2023, por causa de sua popularidade durante a pandemia. A busca disparou em 2024: foram 130 mil procuras no site do Cambridge. Motivo? A massificação do termo por meio de “influencers da lei da atração” (gurus que ensinam técnicas de “manifestação” em redes sociais e em cursos online), atletas da Olimpíada de Paris (Simone Biles incluída) e celebridades. Dua Lipa declarou que, ao lançar o primeiro álbum, fez um quadro de desejos. Entre eles, ser headliner do festival Glastonbury, na Inglaterra, e trabalhar com a banda australiana Tame Impala – e que isso se manifestou tal e qual mentalizado.

“E a frase é: desunidos, não venceremos.”
Deonísio da Silva

Demure

Discreto e recatado servem como tradução literal para demure, mas a escolha do ano feita pelo Dictionary.com tem a ver com o uso da palavra como um sinônimo de atitudes sofisticadas, elegantes, principalmente em público – não sem um quê de ironia. A palavra “aconteceu” por meio da influencer estadunidense Jools Lebron, que passou a postar no TikTok uma série de vídeos em que explica sua atitude, plena e fina, em diferentes situações: “Vê como eu me maquio para o trabalho? Bem discreta, bem consciente” (“very demure, very mindful” é a frase que a identifica). “Muitas de vocês vão para a entrevista de emprego parecendo a Marge Simpson e depois aparecem no trabalho como Patty e Selma”, diz ela em referência à descompostura da dupla de irmãs de Os Simpsons. O bordão pegou e muitas celebridades entraram na brincadeira. Em agosto, o pico da tendência, o dicionário identificou um interesse no verbete 200 vezes maior do que no mesmo mês do ano anterior. Demure também aparece na lista de palavras candidatas ao título nas prévias do Oxford e do Merriam-Webster. 

Brain rot

O termo escolhido pela Oxford University Press, que publica o dicionário Oxford, pode ser traduzido por apodrecimento cerebral. Tem a ver com o hábito recente, incutido principalmente pela rolagem infinita da timeline das redes sociais, de “gastar” neurônio assistindo a uma bobagem atrás da outra, de modo compulsivo, até a “deterioração do estado mental e intelectual”. Em outras palavras: fritar de meme a ponto de atingir um estado de letargia ou de perder a capacidade de articulação. Quer um exemplo? No TikTok, a influencer Heidi Becker publica vídeos em que satiriza pessoas cujo conteúdo é tão raso quanto as trends, as dicas e os memes que consome – como neste, em que simula um primeiro encontro. Entre 2023 e 2024, o uso de brain rot aumentou 230%, mas seu primeiro registro é antigo e analógico: vem do livro Walden, de Henry David Thoreau, publicado em 1854, e falava da ideia de privilegiar ideias simples em detrimento das mais complexas. O Oxford publica a Woty desde 2004. Atualmente, parte de uma lista de palavras identificadas pelo time de especialistas da casa e, em seguida, abre para o voto popular. “Brain rot fala sobre um dos perigos percebidos da vida virtual e de como estamos usando o nosso tempo livre. Parece ser um próximo capítulo natural na conversa cultural sobre humanidade e tecnologia. Não é surpreendente que tantos eleitores tenham adotado o termo, endossando-o como nossa escolha este ano”, declarou Casper Grathwohl, presidente da editora. É claro que a internet não perdoou. Assim que anunciada, brain rot passou a ser assunto de memes com ícones do conteúdo raso, como gatinhos e dancinhas. Por outro lado, colunistas e especialistas em conteúdo profissional e saúde mental se mostram de fato preocupados: até então, era o ambiente corporativo o motivo da deterioração do estado mental do funcionário. Agora, é ele quem já chega com o “cérebro apodrecido” para trabalhar. 

Polarization

Mais recente revelação do ano, o termo polarização foi o eleito pelo dicionário Merriam-Webster. Com fina ironia, o anúncio feito pelo site da instituição sugere que essa é uma escolha com que, provavelmente, todos os lados do espectro político concordam. Polarização não requer muita explicação para os brasileiros nem para os estadunidenses: diz respeito às ideias e interesses opostos de dois grupos de indivíduos – foi largamente usada pela mídia, ao longo do ano, durante a disputa da democrata Kamala Harris versus o republicano Donald Trump à presidência. Originalmente, polarização era um termo usado para descrever a vibração de ondas de luz em padrão definido – mas que, como demonstrado, funciona perfeitamente para descrever o comportamento de pessoas que vivem e vibram em diferentes polos.

E no Brasil?

Em uma eleição nacional, qual seria a palavra do ano? Fizemos essa pergunta para o autor Deonísio da Silva, que apresenta o programa Sem papas na língua, sobre etimologia, na Rádio BandNews FM. Embora ressalte que “essas listas de palavras obedecem a padrões anglo-saxônicos” e que seria mais produtivo fazer esse levantamento por regiões do Brasil, priorizando a linguagem escrita, ele acabou arriscando um palpite. E deixou um recado, que a gente reproduz a seguir: “A palavra do ano é direita. O Brasil está dobrando à direita. Ou talvez o tempo verbal mais adequado seja o particípio, e não o gerúndio. Mas, mesmo se dobrado, o certo é que não está endireitando. É preciso desdobrar essa situação em que o País se encontra. E a frase é: desunidos, não venceremos. Desejo que em 2025 procuremos o que nos une e deixemos de lado o que nos separa. Ao menos, por um ano. Ao menos, por enquanto. Uma das coisas que nos unem a todos é a língua portuguesa e suas melhores fronteiras são suas literaturas. Vamos estudar e ler mais”.