Era o início dos anos 1980. Minhas primeiras memórias do Carnaval são marcantes: a alegria, a música, as fantasias. A de havaiana era um clássico da década, colava nas pernas suadas. Tanto crianças quanto adultos vestiam mais ou menos os mesmos temas. Os hits eram pierrô e arlequina, palhaço, bailarina, pirata, marinheiro, Carmen Miranda. Camiseta listrada em preto e branco: prisioneiro. Camiseta listrada em vermelho e branco com chapéu de palha: malandro. A odalisca não falhava nunca. E seguia o baile, com marchinha, confete e serpentina.
Em menor número, as fantasias tradicionais do Carnaval de rua continuam existindo, claro. Em contrapartida, se antes elas eram feitas de cetim e algodão, com um paetê aqui e ali, e aproveitadas para além de uma quarta-feira de cinzas, hoje os derivados de petróleo desfilam como integrantes da festa em versões que viram quimono, blusinha e adornos com alto potencial descartável.
“Incorporar o espírito carnavalesco em outros momentos do ano é um ótimo remédio para levantar o astral, a autoestima e o humor.”
Dudu Bertholini
Mas adaptar itens do guarda-roupa para o figurino carnavalesco contemporâneo é mais do que desejável. Esse new look é, afinal, a nova fantasia: o biquíni com meia arrastão, o short jeans com top de paetê etc. “Por questões financeiras e sustentáveis, não é o caso de comprar uma peça para usar uma vez só. Cada vez mais me interessa esse lugar em que a fantasia e a roupa casual se misturam, como é o caso do maiô: vai bem na praia, na piscina, vira collant, body. E é a peça-chave do bloquinho”, diz o stylist e apresentador Dudu Bertholini.
Sim, o maiô é um ótimo exemplo, mas a mais recente aquisição de Dudu ajuda a comprovar que é possível fazer peças menos óbvias durarem mais tempo. “Encomendei uma bota de plataforma com salto grosso e cano alto. Prateada, ela é bem David Bowie, glam rock. Não funciona para seguir o cortejo do bloco, mas, para a matinê da ELLE, imagina que perfeito!”
Dudu Bertholini com suas botas prateadas. Foto: Divulgação.
A estilista Alix Duvernoy, tão apaixonada por Carnaval que comemorou o próprio casamento na quadra da Mangueira e também em um bloco de rua, no Rio de Janeiro, é outra que sabe esticar o Carnaval além de fevereiro e março. “Tenho usado, no Carnaval e fora dele, uma gola de palhaço feita de renda que ganhei do meu marido. Hoje, isso faz mais sentido”, afirma.
Para a sua marca, Alix Rio, ela criou, neste ano, dois conjuntos de peças de algodão 100% pensados para durar muito mais do que o tempo de um amor de verão: valem como figurino e roupa do dia a dia. Um é composto de calça e camisa de listras rosa e vermelhas, e outro de saia e camisa bordada, sem mangas, com gola de palhaço, nas mesmas cores.
Alix Duvernoy com maquiagem de palhaço em seu casamento. Foto: Tinko Czetwertynski.
Carnaval o ano inteiro
Até empresas acostumadas com a produção em larga escala começam a abordar as coleções de Carnaval de maneira diferente. Cocriado com a Meiota, o lançamento da Farm para essa temporada tem materiais como a láicra e opções unissex. “A legging de renda, de comprimento capri, pode ser usada o ano todo com camisa ou camiseta larga”, indica a coordenadora de estilo da Farm, Ana Paula Barbosa. O miniquíni – novidade do momento, é um cortininha de largura micro – pode ir à praia depois dos cinco (ou mais) dias de festas quase ininterruptas.
Colaboração entre Farm e Meiota. Foto: Divulgação.
Brilhos também são relativamente fáceis de aproveitar depois, até de dia, e também na maquiagem. O já famoso glitter (prefira o biodegradável) pode ser parte do make em produções mais elaboradas. Alix conta que já usou maquiagem performática, que costuma fazer para pular Carnaval, em um casamento fora de época, com direito a cílios postiços do tipo pluma.
Colaboração entre Farm e Meiota. Foto: Divulgação.
“Incorporar o espírito carnavalesco em outros momentos do ano é um ótimo remédio para levantar o astral, a autoestima e o humor”, opina Dudu. Isso vale para as regatas e os shorts telados, que os meninos adoram (ventilação garantida!), e até a meia arrastão. Bem, dependendo do seu estilo pessoal, as de tom neon podem ser uma carta na manga, ou apenas um item que só vai sair da gaveta no próximo Carnaval – isso é, se não rasgar durante o cortejo. As pretas podem ser uma escolha mais durável.
Uma busca rápida no TikTok mostra que os vestidos e tops de crochê, enfeitados com contas ou conchas, estarão em alta em 2025, assim como o lenço de seda amarrado na cabeça – este uma tendência creditada ao look de Ivete Sangalo no lançamento do EP O verão bateu em minha porta. Nos dois casos, podem ter vida longa.
Resumo da ópera, digo, da marchinha: seja em um dos 767 blocos de São Paulo, seja em um dos 482 oficiais do Rio de Janeiro (ou qualquer outra aglomeração carnavalesca pelo Brasil), vale investir em looks que criem memórias marcantes e sobrevivam ao tempo de um story.