Moda online na montanha-russa

Depois do auge durante a pandemia, os e-commerces experimentaram o gosto amargo da retração. Mas a tecnologia, principalmente o uso de inteligência artificial, vira uma aliada para manter os números no azul.

Há cinco anos, o mundo fechava as portas para combater um vírus mortal e nós tivemos que reinventar muitos comportamentos. Inclusive o de comprar e vestir. E, assim, o setor de moda online cresceu. As vendas da categoria tiveram uma alta significativa nos meses com restrições. Em abril de 2021, por exemplo, a plataforma Melhor Envio, que realiza as entregas de e-commerces de moda de pequeno porte brasileiros, registrou 50 mil itens vendidos. No mês seguinte, a quantidade mais do que duplicou.

“A moda precisou praticar, em um curto período de tempo, mudanças e estratégias que, num cenário normal, demorariam anos para serem realizadas”, explica Alessandro Silveira, sócio fundador do Ideris, uma plataforma de gerenciamento de marketplaces, que oferece integração com os maiores nomes do setor, como Mercado Livre, Shopee, Amazon e Shein, entre outros.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o setor de e-commerce cresceu 20% em 2022, quando comparado a 2021. Isso significa a soma de 187 bilhões de reais em transações, contra 155 bilhões no ano anterior. Mas, olhando especificamente para a área de vestuário, o cenário não seguiu tão positivo assim. O segmento de moda registrou queda de 0,5% no faturamento total, enquanto as vendas tiveram retrações superiores a 10% no último trimestre do mesmo ano.

A entrada das gigantes chinesas no mercado brasileiro teve um papel determinante nesse cenário. Também em 2022, a Shein por si só faturou 8 bilhões de reais no Brasil, um montante superior ao que C&A, Grupo Soma e Arezzo faturaram no mesmo período. Somadas a isso, a reabertura das lojas físicas e a volta a certa normalidade na maneira de viver – e comprar e vestir – também impactaram as vendas de quem comercializa apenas no ambiente digital.

Tudo isso com outro agravante: o aumento da taxa Selic, de 2% para 13,75%, o que encarece o crédito e, por sua vez, diminui o poder de compra do consumidor brasileiro, acostumado a realizar vendas a prazo. Qual o segredo, então, para retomar o cenário de crescimento e sucesso de anos atrás? Justamente a própria tecnologia. 

A C&A, por exemplo, registrou um crescimento de 53% no e-commerce no terceiro trimestre de 2024 e, também no ano passado, bateu a marca de 1 bilhão de vendas no site. “Nosso sucesso é fruto de uma estratégia digital que combina tecnologia, dados e moda. Integramos uma jornada omnicanal abrangendo lojas físicas, e-commerce, estratégia de influência, canais digitais específicos, como o WhatsApp e live commerce”, explica Roni Magalhães, diretor de canais digitais da companhia.

Entre as novidades que a varejista apresentou recentemente estão o provador virtual e a live shopping, com conteúdo ao vivo nas redes sociais e no site da marca, estimulando as vendas em datas como Black Friday, Natal e Dia das Mães.

Outro fator determinante é o uso de inteligência artificial para a previsão de demanda e abastecimento, permitindo a reposição de produtos com agilidade – isso quer dizer que os “furos” na grade dos tamanhos mais vendidos conseguem ser repostos nas lojas e no e-commerce em velocidade recorde. Com o uso de IA, a varejista também melhorou as recomendações personalizadas no site e no aplicativo próprio, mais um fator que contribui para o aumento de vendas online.

De acordo com um artigo da McKinsey, de 2023, a IA é a ferramenta mais importante para a “hiperpersonalização” na experiência do consumidor, um fator fundamental quando se trata de e-commerces de moda. Por meio dela, a jornada online do cliente, como a oferta de produtos, é baseada no perfil individual de cada comprador. 

O aspecto empolgante da IA é que ela possibilita uma integração total no varejo. Dá para desenvolver soluções eficazes para fechar o ciclo entre o varejista e o consumidor, interpretando os desejos desses clientes para organizar as operações internas. É possível estruturar e gerar descrições de vendas com base em postagens de vendas bem-sucedidas anteriores, por exemplo. 

Se um consumidor procura por uma “saia rodada”, provavelmente os varejistas não categorizam o produto assim. Com o auxílio da inteligência artificial, porém, uma rede de palavras próximas pode ser levada em consideração. Assim, a busca acima pode nos levar à “saia com pregas” catalogada. 

Nem toda marca de moda, é verdade, tem o tamanho de uma varejista internacional ou uma ultrafast fashion. Quando os recursos e o alcance são mais limitados, o ingrediente secreto para uma marca fazer deslanchar suas vendas online é a criação de comunidade e, claro, uma dose de carisma.

Nesse caso, quem entende bem das duas categorias é Lela Brandão, influenciadora e criadora da marca homônima, que aposta em roupas confortáveis e bem-feitas para as mulheres. Com o slogan “uma mulher confortável em si é uma revolução”, Lela lançou a marca em 2020, no auge da pandemia, e rapidamente viu os números crescerem e as vendas aumentarem.

Com o passar do tempo, Lela investiu na personalidade da marca e na coesão do conceito de conforto expandido também para a vida do lado de fora de casa. O resultado? Quase 600 mil seguidores no Instagram, somando seu perfil pessoal com o da marca, e um faturamento de 16 milhões de reais nos últimos quatro anos e a venda mensal de mais de 7 mil peças.

“Mais do que peças, gosto de mostrar o meu universo e o da marca nas redes e fazer com que a cliente se sinta incluída. Postamos memes e trends que estão bombando, juntamente com os produtos. Sem personalidade, é difícil se manter relevante e financeiramente saudável no digital”, pontua ela. A marca também possui uma loja física, no bairro de Vila Madalena, São Paulo, desde o ano passado.

Segundo Maíra Fontoura, professora de marketing digital da ESPM-SP, é importante entender o que faz alguém estar nas redes e inserir a loja de compra nessa realidade. “As marcas precisam incentivar que as pessoas continuem com o hábito de comprar online. E isso tem que fazer algum sentido, como ter benefícios na hora da compra virtual, fortalecendo o e-commerce”, diz.

Os benefícios precisam ir além de frete grátis, embalagens divertidas e mimos que acompanham a compra. Não que isso não ajude na estratégia de vender mais, mas a clientela brasileira está cada vez mais exigente em relação a qualidade, prazo de entrega e experiência de compra.

Seja com investimento massivo em tecnologia, seja com a construção de uma personalidade forte para uma marca pequena e nichada, uma coisa é certa: manter um e-commerce de moda no azul dá trabalho – e muito. 

Apesar dos desafios e da mudança de comportamento pós-pandemia, o Brasil é um dos países comparativamente com o maior número de lojas online e crescimento no setor: em 2024, o faturamento total da área foi de 204 bilhões de reais, 10% a mais do que no ano anterior. Ou seja, existe público. Basta escolher as estratégias certas.