Quando você ouve falar de uma sex shop, qual a primeira imagem que vem à sua mente? Se hoje as respostas podem variar, há pouquíssimos anos ela estava mais próxima de um estereótipo bem peculiar: um lugar escondido, escuro e com letreiros em neon, com uma seleção de produtos que variava de DVDs pornográficos, com mulheres objetificadas na capa, a dildos feitos de borracha. Esse, na verdade, era o tom do mercado de sexualidade – sempre objetificante, falocêntrico e masculinizado.
Clariana Leal, que era uma das sócias da loja Climaxxx, fundada em 2016, e hoje se dedica ao trabalho de comunicadora e educadora sexual, diz que, até pouco tempo atrás, não existia um olhar cuidadoso com o prazer feminino por parte do mercado. “As mulheres que frequentavam as sex shops eram casadas, porque, devido ao machismo, sobrava para elas a responsabilidade da manutenção da qualidade da vida sexual dos casais. Elas eram pressionadas a ‘apimentar’ a relação como ferramenta para ‘segurar’ os homens – ou seja, esse contato com o universo dos produtos de bem-estar sexual tinham bem pouco a ver com o prazer feminino”, analisa a especialista. Ela conta ainda que um dos produtos mais vendidos pela maioria das lojas era um gel adstringente que incha o canal vaginal e faz com que ele fique mais apertado, podendo dar mais prazer ao homem, ao mesmo tempo que pode gerar desconforto e dor às mulheres que o utilizam. “Os dildos também eram feitos de materiais tóxicos, que irritam a pele, e os formatos não eram pensados para dar prazer para o corpo feminino”, continua.
Uma virada, contudo, aconteceu durante a pandemia. A necessidade do isolamento social fez com que muitas buscassem ferramentas para o autoprazer, gerando um boom na venda de vibradores, lubrificantes e outros itens do segmento. A facilidade em comprar esses produtos em lojas online com entregas discretas, sem precisar encarar o constrangimento de entrar naquelas antigas lojas, pouco convidativas, também contribuiu para o crescimento do mercado.
Outro acelerador foi o movimento wellness, um fenômeno especialmente forte entre os nativos digitais, que engloba desde o universo fitness até máscaras faciais. Notando o interesse crescente do consumidor, o bem-estar abocanhou também o universo da sexualidade. Não à toa, agora é possível encontrar vibradores em lojas gigantes de departamento e de beleza, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, como Sephora, Bloomingdale’s e Walmart. “Nós saímos do que era chamado de ‘erótico sensual’ para o que ficou agora conhecido como bem-estar sexual. O termo amplia a categoria e facilita um diálogo com a mídia, com os médicos e, claro, com o consumidor”, afirma Andreia Paro, sexóloga e empresária à frente da Himerus, a principal importadora e distribuidora de produtos eróticos do Brasil.
Apesar da importância desses big players na popularização dessa nova geração de sex toys, são as pequenas empresas, majoritariamente comandadas por mulheres, que têm encabeçado a revolução do sexual wellness há quase uma década. Um desses empreendimentos pioneiros é a Nuasis, loja em São Paulo, inaugurada em 2014, conhecida por seu espaço chique e descolado, que conta com os produtos mais disruptivos do mercado mundial. “A ideia de abrir o meu próprio negócio partiu do desejo de, enquanto mulher, me sentir representada dentro de uma sex shop, de poder comprar com conteúdo e informação. Por isso, o acolhimento e a conexão fazem parte da experiência de cada cliente que entra na loja”, diz Laura Magri, idealizadora do espaço. “Queria trazer frescor a um ambiente que, tradicionalmente, é repleto de estereótipos – por isso, todas as nossas referências visuais vieram do mundo da moda e da arte. A ideia era tirar os objetos que ficavam escondidos e empoeirados e trazê-los à luz”, continua Laura. A loja recebe eventos, workshops e rodas de conversa que abordam os temas do prazer e da sexualidade de maneira holística – do shibari (técnica japonesa de amarração) à menopausa.
“É sobre as mulheres poderem usar essas ferramentas para conhecer seus próprios corpos, descobrir o prazer e, para algumas, quem sabe, até gozar pela primeira vez.”
Andreia Paro
Um sentimento similar foi o que motivou Izabela Starling e Heloisa Etelvina a criarem, em 2018, a Pantynova. “Nós fomos casadas por dez anos e éramos consumidoras de produtos eróticos. Mas ficávamos decepcionadas com o que encontrávamos no mercado, tanto com os produtos quanto com a maneira como eles eram comunicados – ambos pautados em ideais falocêntricos e heteronormativos, que dificultavam o prazer feminino”, conta Izabela. A marca, que começou com dois produtos próprios e itens de revenda, hoje tem um portfólio completo de sex toys 100% desenvolvidos no Brasil e um quadro de funcionários composto 85% de pessoas da comunidade LGBTQIAP+, sendo a maioria mulheres.
Um dos segredos por trás do sucesso da Pantynova, que conta com mais de 315 mil seguidores engajadíssimos no Instagram, foi a comunicação. “Focamos em criar uma comunidade que pudesse ter trocas leves, abordando a sexualidade de maneira natural, como em conversas entre amigas. Por isso, sempre usamos muito o humor como ferramenta de conexão”, explica Izabela. Segundo ela, por isso, a Pantynova ficou conhecida entre as mulheres mais jovens como a marca do “meu primeiro vibrador”.
Para além dos sex toys, os lubrificantes desempenham um papel importantíssimo nesse universo e, talvez, sejam ainda mais estigmatizados por serem associados ao sexo anal ou à falta de lubrificação vaginal – ideias homofóbicas e machistas que, infelizmente, ainda dominam as conversas sobre o assunto. Por isso, marcas como a brasileira Feel, que democratiza o uso dos lubes, são tão importantes. “Antes de abrir a marca, descobrimos que a maioria das mulheres sofria de desconforto íntimo durante a relação sexual. Porém, nas farmácias, os lubrificantes ficam geralmente na gôndola de produtos masculinos, o que dá a entender que esses produtos não são feitos para elas”, explica Marina Ratton, CEO e fundadora da marca. “De quebra, as embalagens não são nada discretas, o que deixa a maioria das mulheres constrangida de tê-los no quarto ou no banheiro, com medo de que outras pessoas da casa possam vê-los. Por isso, fizemos um produto com uma embalagem bonita, similar à de cosméticos que a gente já tem.”
O trabalho dessas marcas é 360°: é, sim, sobre produto, tecnologia, inovação e design, mas, acima de tudo, é sobre informação. “A transformação está acontecendo, mas ainda temos um longo caminho a percorrer, principalmente no que diz respeito à educação em um país tão conservador quanto o Brasil. Por aqui, o mercado ainda está engatinhando – temos muita dificuldade de emplacar grandes campanhas publicitárias e, nas redes sociais, somos constantemente censurados”, desabafa Andreia, que também ressalta a falta de pesquisas e estudos locais sobre o assunto. É justamente por isso que ter mulheres à frente da revolução do bem-estar sexual é essencial para que o mercado continue a evoluir. “É sobre as mulheres poderem usar essas ferramentas para conhecer seus próprios corpos, descobrir o prazer e, para algumas, quem sabe, até gozar pela primeira vez”, finaliza Andreia.