Quantos likes ela merece?

As redes sociais chacoalharam o mundo das modelos de forma que, agora, além da qualidade do catwalk, a personalidade nas redes entra na equação do casting.

Em dezembro de 2024, a estadunidense Alex Consani levou o prêmio de melhor modelo do ano pelo British Fashion Awards. Com isso, tornou-se a primeira mulher trans reconhecida na categoria, em 35 anos de história. Em seu discurso, ela agradeceu quem veio antes: “Dedico às mulheres negras trans que lutaram pelo espaço que ocupo hoje, como Dominique Jackson, Connie Fleming, Aaron Philip e inúmeras outras”. 

Após a cerimônia, ao ser perguntada sobre a sensação de vencer, citou a música “Started from the bottom”, do rapper Drake. “Comecei de baixo até chegar aqui”, falou, com jeitinho debochado. Tal espírito representa o motivo do sucesso nas redes, onde soma 4,6 milhões de seguidores. Isso a ajudou a chegar ao topo da indústria, a ponto de o jornal The New York Times defini-la como “a estrela do TikTok e das passarelas”.

@captincroookPop out♬ 360 – Charli xcx

Em um mercado em que a regra costuma ser a busca pela perfeição, Alex tem apostado no estilo despojado. Ela dá adeus ao carão e ao refinamento e treina, em seus posts, passos de voguing, como um duck walk no metrô, e finge ter sotaque francês no banheiro de um hotel. Claro, tudo entre um vídeo e outro nas passarelas e backstages de desfiles. 

E ela não está só. A californiana Gabbriette Bechtel, mais conhecida como Gabriette, assinou no ano passado uma coleção de batons para a M.A.C, estrelou uma campanha para a Marc Jacobs e protagonizou o vídeoclipe da música “360”, de Charli XCX. No TikTok, soma 530 mil seguidores e divide um lifestyle de receitas, coreografias e montações para noitadas.  

@gabbriettebbCOTTAGE PIE♬ Damn I Wish I Was Your Lover – Sophie B. Hawkins

Outras profissionais em ascensão seguem fórmulas parecidas. É o caso das estadunidenses Amelia Gray, Colin Jones e Dalton Dubois e da holandesa Yasmin Wijnaldum, para citar algumas. A crítica de moda do The Washington Post, Rachel Tashjian, chegou até a afirmar: “O TikTok tornou o estilo pessoal mais importante que a própria moda”. 

As redes sociais viraram um espaço fundamental para modelos se apresentarem ao mundo, além do catwalk e composite de fotos. “Antigamente, o nosso conselho era para ficar quietinha no set, não dar opinião, mas hoje a conversa é diferente. Nós, agentes, indicamos que mostrem quem são”, diz Anderson Baumgartner, fundador da Way. A agência, criada em 2007, acompanha as transformações. Os olheiros ainda estão nas ruas atrás de talentos, mas dividem o tempo de scouting com pesquisas nas redes. 

“O perfil permanece o mesmo. Precisa ter o tipo de beleza de uma modelo, independente se o corpo é magro ou gordo. O que muda é o fato de que levamos em conta também a personalidade”, divide o empresário. Quando agenciados, dentro da Way, existe um núcleo digital que dá suporte às new faces para produzir conteúdos. É que, hoje em dia, o volume de seguidores e a presença online impactam muito os contratos. 

Quando os clientes chegam à agência e procuram por opções de modelos, a empresa já envia uma seleção de fotos e o perfil nas redes sociais: “Aconselhamos as modelos a estarem ativas virtualmente porque o mercado quer saber quem são e qual é seu estilo de vida. Já tive casos de modelos que perderam trabalhos por publicarem fotos fumando. As marcas avisam que seus clientes não vão se identificar”. 

“Fazer um conteúdo online pode trazer um cachê maior e tão alto quanto uma campanha internacional.”
Thais Mendes

Para a agência Squad, que funciona desde 2016 focada no chamado street casting, com perfis menos convencionais (lê-se: pessoas tatuadas e corpos mais diversos), os últimos anos trouxeram desafios. “Se você tem alguma resistência em relação às redes, já está fora do jogo. Fazer um conteúdo online pode trazer um cachê maior e tão alto quanto uma campanha internacional”, afirma Thais Mendes, fundadora e diretora criativa da empresa. 

Se há menos de uma década era possível fechar negócio baseado no portfólio, isso é impensável em 2025. “Precisam ter o feed preparado. O perfil online virou o portfólio em tempo real”, explica Thais. 

Se essa presença digital parece encurralar os profissionais, por outro lado, é uma porta para oportunidades. Um dos exemplos mais emblemáticos é a história da modelo amazonense Luiza Perote, capa do Volume 18 da ELLE Brasil. Em 2021, ela publicou um vídeo no TikTok desfilando no quintal de casa, na cidade de Humaitá, Amazonas. O post viralizou e hoje ela acumula mais de 300 mil seguidores na rede, sendo uma das novas modelos mais requisitadas internacionalmente.

Só na temporada de estreia, em 2024, ela desfilou para Gucci, Chanel, Fendi e Valentino, entre outras. “Não há sentimento que descreva o que é estar em tantos desfiles, cercada por pessoas que antes eu admirava, que um dia foram meus sonhos. De repente, estou no meio delas”, conta. 

Outro destaque na lógica viral é Mikaela Gomes, pernambucana da cidade de Tracunhaém. Com 340 mil seguidores e milhares de views em seus vlogs, ela ganhou fama por contar os bastidores da moda com bom humor. Segundo ela, tudo é espontâneo. “Já narrava a minha vida na minha cabeça, como se estivesse em Todo mundo odeia o Chris (2005)”, diz, brincando. 

 

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Um de seus conteúdos com maior repercussão mostra os perrengues da profissão no backstage da São Paulo Fashion Week. Tudo sem filtros. “A realidade é que você pega ônibus às 5 da manhã e tem todo o caos que antecede a passarela. Os sapatos são três números menores que o pé, os acessórios de cabeça pinicam. Comecei a gravar para mostrar o lado que ninguém vê, para democratizar mesmo esse espaço”, ela afirma. 

O humor ajuda a lidar com as aflições da carreira instável. “Não quero que ninguém entre desavisado. Ser modelo molda a sua forma de ver o mundo, mas exige psicológica e fisicamente. É pesado entrar de cabeça e tomar um choque de realidade. Li que a Gisele levou 40 nãos. Eu levei 40 nãos no primeiro mês”, diz. No início, ela teve medo de sofrer boicotes, mas a adesão do público e dos próprios contratantes afastou suas ressalvas.

Criar uma comunidade online pode gerar até uma renda extra. A catarinense Gab Ferreira, que é modelo desde 2019 e soma 90 mil seguidores, enxerga as plataformas digitais como um espaço para dar vazão à criatividade e chamar a atenção de outros públicos: por lá, ela aproveita para apresentar o seu trabalho como música. 

 

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“A minha linguagem estética atravessa tudo o que eu faço, inclusive a música. Sinto que consigo mostrar mais do meu universo pessoal no TikTok”, explica a compositora. Sua visão é a de que o lado fashion e o musical se complementam e repercutem melhor juntos. Como criadora de conteúdo, já realizou projetos com marcas como Melissa e Sunnei e protagonizou o clipe “Meninos e meninas”, de Jão, criado para divulgar a parceria do cantor com a Adidas. 

A fluidez de papéis marca a Geração Z. Não à toa, se limitar não é uma opção para o modelo e criador de conteúdo francês Loïc Koutana, o L’Homme Statue. Formado em economia pela Sorbonne, ele desembarcou no Brasil em 2014 para fazer pós-graduação em marketing na USP. 

“Falo para as pessoas não levarem a internet na brincadeira. Somos corpos políticos e economicamente potentes.”
Loïc Koutana

Em 2020, começou a dividir o dia a dia de fotos e passarelas com a produção de vídeos nos quais brinca com as diferenças culturais entre Brasil e França. Em uma semana, angariou 50 mil seguidores – hoje são 1,7 milhão – e entendeu a ferramenta poderosa que tem em suas mãos. 

Tentou a sorte no mercado de influência e deu certo: os cachês de publicidade para marcas de beleza, como Sallve, O.U.i e B.O.B, financiam a carreira musical e outros projetos paralelos. “Falo para as pessoas não levarem a internet na brincadeira. Somos corpos políticos e economicamente potentes. Ter a voz de um homem preto LGBTIAPN+ é potente para as marcas.”