Chef Onildo Rocha recria o abará, tradicional prato baiano

O mestre na cozinha do Notiê por Priceless fala sobre a sua forma particular de fazer e pensar comida e mostra como criou o Abará com Gremolata de Castanhas do Brasil. O prato está no novo menu degustação, batizado de Terra Altar, e e é resultado de pesquisas gastronômicas realizadas na Chapada Diamantina.


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CONTEÚDO APRESENTADO POR MASTERCARD

Aos 12 anos, ele começou a se aventurar na cozinha porque não tinha paciência para esperar até que alguém lhe preparasse cuscuz. Com pouco mais de 20, deixou a carreira promissora de violinista para dedicar-se à gastronomia. Não ficar acomodado, partir sem medo para um novo desafio e valorizar a culinária nacional são características que definem a forma como Onildo Rocha pensa e faz comida. 

À frente da cozinha do Notiê por Priceless, Onildo ganhou o prêmio de Chef do Ano da Veja Comer & Beber em 2022/2023. Na ocasião, foi descrito como ousado. Em São Paulo há quase cinco anos, desde que assumiu a cozinha do restaurante que fica no terraço do Shopping Light, no centro da cidade, o paraibano se destaca na cena gastronômica por usar ingredientes nacionais, que são apresentados em um menu degustação temático, resultado de intensa pesquisa. 

Acompanhe a seguir uma entrevista com o chef e confira o vídeo em que ele revela como prepara um dos pratos do novo menu do Notiê por Priceless, inspirado na incursão do chef e sua equipe de pesquisa pela Chapada Diamantina. O Abará com Gremolata de Castanhas do Brasil é uma releitura do bolinho de feijão-fradinho e camarão seco, uma comida de santo tradicional no candomblé.

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Como você se envolveu no projeto do Notiê por Priceless?

Esse é um projeto da Mastercard, que tem uma estratégia de marketing multissensorial e se aproxima dos consumidores por meio de suas paixões, como futebol, viagens e gastronomia. E o Notiê por Priceless é um espaço que permite proporcionar uma imersão para os clientes da marca. O Brasil foi o primeiro a explorar esse formato, de ter um espaço pensado e desenvolvido com essa finalidade. Quando a Mastercard me convidou, mostrei minha visão: disse que achava que o projeto merecia ser completamente brasileiro, trazendo os diversos Brasis para o público de São Paulo, que concentra gente de todo lugar do país e de fora dele. O Notiê trabalha com menu de temporada, cuja concepção é resultado de uma viagem imersiva. No primeiro deles, Sertões, quisemos mostrar o sertão irrigado pelo Rio São Francisco, que está longe daquele árido, de pé rachado, que está no imaginário nacional. O maior entreposto de frutas do Brasil fica às margens desse rio, no meio do sertão. Saímos de Sergipe, onde ele desemboca, até a Canastra (MG), que é onde ele nasce. Conhecemos as pessoas, os ingredientes e a cultura local de maneira estruturada e bem fundamentada, com a ajuda de antropólogo, historiador e uma jornalista gastronômica. Não seria possível fazer essa documentação sem o apoio de uma grande marca como a Mastercard. 

Você descobriu algo novo?
Eu, que sou nordestino da Paraíba, achava que conheceria bem a região. Tudo balela. Descobri em Alagamar, cidade do Sergipe, a saburica, um minicamarão que nasce nos alagados – as ovas entram nos alagados quando a maré sobe e ficam por lá quando ela desce, portanto ele acaba crescendo na água doce. Tem sabor intenso, diferente, leitoso. São as mulheres que fazem a pesca, usando peneiras de palha que elas mesmas produzem. Por lá, eles comem um cozido de saburica com papaia verde. Para o menu, fizemos com esse ingrediente uma salada de papaias verdes e maduras fermentadas, a saburica crocante e aguachile – um prato mexicano feito com camarão e caldo apimentado e ácido. 

Que item do cardápio do menu Matas & Mares, que ficou em cartaz até julho deste ano, surpreendeu?
A ostra foi unânime. É o prato que as pessoas dizem querer repetir, quando perguntamos do que mais gostaram. A gente potencializou o sabor dela com uma emulsão umami, deu um banho de vinagre de amora, que traz acidez, e incluiu o cambuci, que é uma fruta ácida da Amazônia. Unidos, esses ingredientes trazem uma informação inusitada para o paladar. A apresentação é uma instalação: ela vem na própria concha, numa cama de gelo com pedras, em uma caixa de madeira. 

Como chegou à conclusão de que sua cozinha era Armorial?
Eu costumava ser descrito como um chef “contemporâneo”. Quando lia essa palavra na imprensa, não me identificava com ela. E sabia que precisava corrigir a impressão que estava causando. Aí descobri o manifesto da Arte Armorial, de Ariano Suassuna – eu já havia lido três livros dele e ainda não conhecia esse texto. “Cara, é isso que eu faço”, foi a minha reação depois de ler. O pilar do movimento é trazer o popular ao erudito. Ele fala de música, estética e arquitetura, mas não de comida. Fui atrás da família para entender melhor esse aspecto e, conversando com a prima dele, dona Ana Rita Suassuna – autora de um livro lindo sobre gastronomia sertaneja –, ela apontou que não havia citação à comida ou ao comportamento alimentar nas obras do autor. “Olha para ele, é uma pessoa que come por subsistência, macérrimo”, disse. Pedi permissão à família para incluir a gastronomia no movimento e eles disseram que eu não precisava de permissão. Num congresso internacional, há oito anos, subi ao palco com dona Ana Rita para fazer a introdução da gastronomia no Movimento Armorial, além de palestras em que falo da construção da cozinha brasileira nesse caminho. É uma defesa do Brasil regional, sem regionalismo. Em cada região, um ingrediente representa a comida brasileira, não existe um só para todos.

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Que ingredientes nacionais os brasileiros poderiam usar mais na cozinha de casa?
O cumaru, que pode ser ralado para dar sabor a sobremesas, ou temperar carne de cordeiro. A pimenta-rosa, que vem da aroeira. A physalis, também conhecida como camapu, fruta que eu costumava comprar importada, mas que tem muito no Brasil.

Uma pessoa que nunca cozinhou deveria começar preparando o quê?
Ovos. Parece simples, mas a preparação é delicada. Não à toa, serve como prova para entrar em uma cozinha, principalmente na França.

Em uma viagem, como você descobre se um restaurante é bom?
Mais do que qualquer crítica ou premiação, é olhando a quantidade de pessoas esperando para comer naquele lugar.

Qual é o segredo do bom cuscuz?
A escolha do fubá. Eu gosto de usar flocão.

Um prato que você ama comer?
Cuscuz. Inclusive comi hoje, no café da manhã. Foi o prato que me levou para a cozinha.

 Um prato que você adora cozinhar?
Mungunzá, que traz uma lembrança afetiva, é prático e serve muitas pessoas. Gosto de preparar quando vou receber mais gente.

O que você cozinharia para Ariano Suassuna, uma pessoa que não gostava de comer?
não dá para ousar: faria cuscuz. No Nordeste, diferentemente daqui no Sudeste, ele é servido em qualquer refeição.

Ingredientes que não faltam na sua cozinha?
Manteiga de garrafa e pimenta-de-cheiro.

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Confira em vídeo: Onildo Rocha prepara Abará com Gremolata de Castanhas do Brasil

Para preparar o Abará com Gremolata de Castanhas do Brasil, Onildo Rocha começa deixando o feijão-fradinho de molho e depois descasca cada grão. Em seguida, refoga cebola com pimenta-de-cheiro e processa esse refogado com o feijão. Após obter a textura desejada, a mistura vai ser aerada na batedeira, em velocidade média. Com a ajuda de duas colheres, o chef faz uma quenelle – o formato ovalado do bolinho –, que vai sobre um pedaço de folha de bananeira e é coberto com duas folhas de shissô. Cada pacotinho de abará é cozido no vapor. Enquanto isso, Onildo prepara a gremolata picando ervas como cebolinha, salsinha, coentro e manjericão, e tostando castanhas como a de caju, do pará e amêndoas laminadas. Como tempero, vai azeite, flor de sal, pimenta-dedo-de-moça e limão. No prato ainda vai uma coalhada de castanha-de-caju.

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