Um pé na cerveja, outro no vinho: é a Italian Grape Ale
Criado na Itália, o estilo de cerveja com adição de uvas é a nova sensação das taças.
Já bateu aquela dúvida entre beber cerveja ou vinho? Quer o aroma e o sabor das uvas ou a presença do malte e do lúpulo na boca? Hoje a indecisão pode muito bem ser resolvida com apenas um pedido ao sommelier ou ao seu delivery do coração. Italian Grape Ale, a cerveja feita com uvas, é a nova bossa nas taças. Você também pode chamá-la pela sigla IGA – fica íntimo e chique. É uma categoria bem sedimentada na Itália e nos Estados Unidos e, no Brasil, também virou realidade. Já temos cervejas com Pinot Noir, Moscatel, Syrah, Marselan, Riesling, Chardonnay e uvas de mesa Isabel e Bordô, entre outras alquimias.
Exótico? Nem tanto. A revolução cervejeira da virada do milênio sempre foi marcada pela experimentação e pela adição de ingredientes locais nas receitas. Se os belgas usam cerejas para criar suas azedinhas Kriek (e isso já faz um bom tempo), se no Pará se faz Stout com açaí e, em São Paulo, Witbier com acerola, é natural que quem esteja próximo de um vinhedo “roube” alguns cachos para incorporá-los ao seu mosto. Ou use cascas, suco e outros subprodutos do manejo da uva para elaborar as Italian Grape Ales.
A onda nasceu na Itália em meados dos anos 2000, a partir da ideia de Nicola Perra, da cervejaria Barley, no sul da Sardenha. Ele fez a primeira brassagem com uvas Nuragus e Trebianno, usando a sapa, xarope obtido da fervura do mosto o vinho e empregado na culinária. Não ficou exatamente feliz na primeira tentativa, mas arredondou e acertou a receita com a casta Cannonau (na França, chamada de Grenache), lançada com o nome de BB10.
Hoje Nicola tem uma série de cervejas com uvas em seu portifólio: Vermentino, Malvasia, Nasco e também um blend de castas brancas aromáticas da região. A experiência foi replicada por outras cervejarias italianas, cada uma com as uvas de seus quintais e processos distintos. A prática floresceu em vários cantos do país, de forte tradição vinícola, onde já foram lançados mais de 150 rótulos de Italian Grape Ale. O hype italiano foi suficiente para que o BJCP (Beer Judgement Certification Program), entidade que compila o mais importante guia de tipos de cerveja do mundo, reconhecesse a IGA como um estilo local.
“Há muita curiosidade sobre a Italian Grape Ale e o estilo tem sido bem recebido entre os nossos clientes”, diz Carlos Lima, sommelier e sócio do bar de cervejas Tap Tap, em São Paulo (SP). “Normalmente, elas lembram espumantes, são secas, refrescantes, minerais e fáceis de beber”. A promessa também é a de que as Italians se comportem bem à mesa, em várias propostas de harmonização, que vão depender das escolhas dos mestres-cervejeiros. Não há apenas Grape Ales leves e ácidas. Algumas são encorpadas e podem acompanhar carnes e pratos robustos.
De maneira geral, as IGAs não primam pelo amargor, o que costuma agradar quem rejeita essa característica. A presença de lúpulos costuma ser discreta e, segundo Carlos, devem se destacar nos exemplares clássicos, feitos à moda italiana, as características das uvas em colaboração com os maltes empregados. “Equilíbrio é a palavra-chave, mas as cores podem variar de clara e cristalina a rubra e intensa”, diz. Com uma liberdade de uso de ingredientes muito vasta, explorar o mundo IGA é ter certeza de não sofrer de tédio. Cada cerveja terá um jeitão todo seu.
Italian Grape Ale à brasileira
Pioneira na difusão das Italian Grape Ales no Brasil, a Cervejaria Leopoldina, que pertence à vinícola Casa Valduga, fabrica há quatro anos sua versão com Chardonnay. Usando uma base do estilo belga Saison e elaborada pelo método tradicional de espumantes, com segunda refermentação na garrafa, ela impressiona pelo frescor e pelas características florais da casta branca. O sucesso foi tanto que poucas garrafas do último lote sobraram, mas a Leopoldina anuncia a nova “safra”, com cerca de 26 mil unidades de 750 ml, para janeiro de 2021.
Safra? O hábito de indicar o ano de colheita das uvas no rótulo das Italian Grape Ales ainda não é muito difundido entre as cervejarias. Mas é fácil entender que a fabricação do estilo depende da sazonalidade das uvas. Sai na frente o produtor que tem seu próprio vinhedo ou está numa região vinícola, onde é fácil negociar as frutas com o vizinho. “Que outra cervejaria teria acesso imediato à variedade de castas que a Valduga cultiva?”, pergunta Rodrigo Veronese, mestre-cervejeiro da Leopoldina. Animada com o êxito “espetacular” do projeto, a cervejaria aposta em três novos rótulos feitos com uvas, que ainda mantém em segredo, mas devem chegar ao mercado no primeiro semestre.
O entusiasmo e a vontade de experimentar contagia outros produtores, como a Donner Craft Beer, de Caxias do Sul (RS), que já lançou rótulos com uvas Moscato, Isabel, Bordô, Merlot e prepara novas receitas com Cabernet Sauvignon e Chardonnay. Ivan Tisatto, sócio da Donner e da Vinícola Conceição, que detém a linha de vinhos Dom Dionysius, acredita que as IGAs tenham tudo para ganhar a afeição do público cervejeiro e conquistar novos adeptos. “Um dos diferenciais do estilo é unir dois mundos: quem gosta de vinho as tem apreciado e consumido. Elas também trazem à cerveja o conceito de terroir e, no nosso caso, isso é bem expresso pelo uso das uvas e das leveduras naturais da região”.
Caso você tenha se apaixonado pela ideia, fica a dica: as ofertas de IGAs são rapidésimas, tipo the flash. O interesse do público e sua produção limitada, na maioria dos casos, faz com que as novidades esgotem-se com velocidade nos tap rooms, nas prateleiras e nos e-commerces. Mas a esperança de novos lotes nunca deve morrer. “As Italian Grape Ales são a cara do Brasil, frescas e muito saborosas. Embora encontrar boa matéria-prima para prepará-las não seja tão simples para grande parte das cervejarias, acredito que o estilo veio para ficar”, diz Rodrigo Veronese.
Pequeno guia da IGA
Quem produz e o que faz
Oca Cervejaria
A Amantiki leva uvas Syrah da Serra da Mantiqueira.Foto: Divulgação
No estado de São Paulo, a Oca foi pioneira na elaboração de uma IGA, a Amantikir, com uvas tintas Syrah da região da Serra da Mantiqueira, cultivadas pela Vinícola Terrassos, e método emprestado do estilo belga Red Flanders Ale. Depois de dois anos de maturação em barris de carvalho, o líquido vermelhão envelhecido foi blendado com cerveja fresca pelo mestre-cervejeiro Lucas Domingues e pelo criador da Oca, André Nóbrega. E apelidado de Wild Italian Ale, o que indica seu caráter ácido mais exacerbado, com um toque balsâmico, que casa com carnes gordurosas como a de porco (imagine uma costelinha com molho barbecue – é ela). Tem 7,5% de álcool e foi envasada em garrafas de 375 ml.
Cervejaria Leopoldina
Leopoldina Italian Grape Ale: Chardonnay e inspiração no estilo Saison.Foto: Divulgação
Clara e forte, com 8,5 % de álcool, a Leopoldina Italian Grape Ale, criada em Bento Gonçalves (RS), chega à mesa botando banca de espumante, na garrafa-sino clássica de 750 ml. Com base no estilo belga Saison, traz os aromas florais da uva Chardonnay bem pronunciados, além de refrescância, mineralidade e notas frutadas à boca. A marca recomenda sua harmonização com queijos frescos e carnes brancas. Se as festas já passaram, vale investir em mais uma rodada de peru para provar ao lado da Leopoldina.
Donner Craft Brew
Donner Zeus, carro-chefe entre as IGAs da casa de Caxias do Sul, foi bastante premiada em concursos cervejeiros e é outra com caráter wild. De cor rosada, foi fermentada com as castas de mesa Isabel e Bordô, com leveduras de cerveja e bactérias selvagens nativas das próprias uvas. Daí seu jeito ácido, refrescante e frutado. Tem 8% de álcool e é envasada em garrafas de 375 ml. Em colaboração com a Cervejaria Cozalinda, a Donner também produz a Sympotein Merlot (8,5% de álcool, 375 ml), outro rótulo bem wild e com características acéticas, que acompanha de saladas a carnes vermelhas com bastante versatilidade.
Cervejaria 4 árvores
Também há IGA rosé, como a Onda Rosa.Foto: Divulgação
A 4 Árvores, de Porto Alegre (RS), vem lançando várias versões da Abbondanza Grape Ale, experimentando com as castas Chardonnay, Pinot Noir e Marselan. Os rótulos com uvas tintas passam por estágio em carvalho e trazem notas vínicas típicas de frutas vermelhas (cereja e framboesa), boa acidez e um final seco e elegante. São mais encorpadas e podem acompanhar carnes vermelhas. Ainda da 4 Árvores, a Onda Rosa (6,5% de álcool, lata de 473 ml), uma rara Grape Ale rosé, é um corte de duas IGAs, uma feita com a uva Marselan e outra, com Riesling. É leve, bem frutadinha e sutilmente ácida.
Bodebrown
Bodebrown Brut Sour Blanc: uva Moscatel e três fermentações.Foto: Divulgação
Uma das pontas de lança da vanguarda cervejeira no Brasil, a curitibana Bodebrown, não fica fora da tendência IGA. A Bodebrown Brut Sour Blanc (6,5% de álcool, garrafa de 750 ml) é um dos rótulos mais recentes, feito com uvas Moscatel. Fruto de três fermentações, é efervescente e vibrante, com notas de frutas tropicais como abacaxi, carambola e pitanga. Provando que a adição de uvas pode combinar com estilos bem intensos, a cervejaria também lançou a pretona Bodebrown Grapes Stout One (6,1% de álcool, latas de 473 ml), feita com mosto das tintas Tannat, Cabernet Franc e Petit Verdot. Luppolo Grape IPA, já fora de estoque, foi outra experiência da casa unindo a força do estilo amargão com os aromas da casta Trebbiano.
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