Já escolheu seu ovo de Páscoa?

Está grandinho demais para um ovo com brinde? Invista nas opções "bean to bar", feitas com chocolate de origem controlada, que se destacam pela qualidade e pelo resgate do processo de produção sustentável.


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Foto: Divulgação / Baianí



A Páscoa brasileira nunca esteve tão “bean to bar”. No bom português, “da amêndoa à barra”, ou melhor, ao ovo. Amêndoa, no caso, é aquela encontrada no fruto do cacau – a matéria-prima do chocolate, como sabemos. O que não é de conhecimento geral da nação, no entanto, é o caminho que o fruto do cacaueiro percorre desde a fazenda até as prateleiras de lojas e mercados. E é justamente esse trajeto que faz toda a diferença na qualidade final do chocolate e o define como “bean to bar”, movimento que começou na Califórnia e tem ganhado adeptos em todo o mundo.

“Inicialmente, para um chocolate ser considerado “bean to bar”, é essencial que se saiba qual o país de origem do cacau, a fazenda e o nome do produtor que cultivou os frutos, a safra e a data da colheita”, explica Arcelia Gallardo, chocolatière criadora da premiada Mission Chocolate, que, para além da produção de chocolates bean to bar, atua diretamente junto a produtores de cacau da Amazônia, Pará e Bahia, de forma transparente e justa. “Isso é essencial porque o bom chocolate começa a ser produzido ainda na fazenda. Então não é apenas sobre saber de onde vem o cacau. É esse produtor quem vai garantir que as etapas iniciais do processo sejam feitas da maneira correta”, complementa a chocolatière, que também faz parte da Associação Bean To Bar Brasil, organização com profissionais focados na produção artesanal de chocolate a partir da amêndoa do cacau.

Ernesto Neugebauer, fundador da Danke, marca que nasceu em 2020 com o propósito de resgatar a fabricação de chocolate baseada no cacau proveniente da agricultura familiar, corrobora e complementa: “Além de ser saudável e livre de fungos e pragas, o fruto precisa ser colhido no ponto certo, nem verde, nem passado. Para conseguir isso, você precisa conhecer quem faz e desenvolver uma relação de parceria em que o agricultor tem consciência da sua importância no processo todo”, explica Neugebauer.

Passada a etapa da colheita, o cacau precisa ser fermentado também na própria fazenda. “É durante a fermentação das sementes e da polpa do cacau que acontecem as reações bioquímicas responsáveis pelos aromas e sabores profundos e complexos do chocolate. Essa etapa leva pelo menos seis dias e exige acompanhamento qualificado por parte do produtor”, conta Neugebauer. Depois de fermentado, esse cacau precisa ser seco. “A secagem é tão complexa que poderia escrever um livro sobre as técnicas e manejos que envolvem essa etapa”, diz o empresário.

Por conta de toda complexidade e, consequentemente, custos mais altos, essas etapas da cadeia foram sendo sacrificadas pela indústria. Segundo o fundador da Danke, 95% do chocolate produzido no Brasil hoje vem de cacau não fermentado: “A semente sai direto da colheita para secagem no intuito de baratear o processo”.

Para Gislaine Gallette, chocolatière fundadora da Gallette Chocolates, que tem foco na produção sustentável de chocolates, a maioria das fábricas de chocolate convencional não uma conexão com a fazenda, o produtor e o cacau. “Elas adquirem o liquor, que é a massa do cacau já processada, a partir de frutos que não passam por seleção e nem fermentação, vindo de moageiras terceirizadas”, relata. Para encobrir os defeitos do cacau de baixa qualidade e tentar levantar o sabor da fruta que se perdeu lá atrás, no início da cadeia., os fabricantes lançam mão de uma torra mais intensa e de outro recursos para deixar o produto final mais palatável, como a adição de grande quantidade de açúcar e outros saborizantes, como essência de baunilha, relata Gislaine.

Já na produção “bean to bar”, o chocolatier recebe o cacau direto da fazenda, escolhido por ele junto ao produtor, já fermentado, seco e bem embalado, pronto para ser torrado ao gosto do próprio profissional. “O famoso cacau fino, que é esse fruto de alta qualidade, era raridade no mercado brasileiro quando começamos, há seis anos”, conta Luciana Lobo, chocolatière da Dengo, a maior fábrica “bean to bar” do Brasil, focada na produção sustentável de chocolate de qualidade com geração de impacto social. “Nós fizemos um levantamento de dados e constatamos que não havia estímulo nem conhecimento técnico para que o produtor investisse numa produção de cacau de qualidade, uma vez que o valor pago para ele pelo produto era muito baixo”, aponta Luciana.

Esse é um dos pontos mais relevantes do “bean to bar”: “Atuamos na cadeia de forma mais justa em todas as etapas do processo. A gente paga bem mais para o produtor e, em contrapartida, exigimos um cacau de melhor qualidade. Uma das iniciativas da Dengo foi a criação do CIC (Centro de Inovação do Cacau), que fica dentro da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA), com o objetivo de entender os parâmetros que definem a qualidade do cacau brasileiro e dar suporte técnico aos produtores agrícolas.

Na contra mão do chocolate convencional, no “bean to bar” o preço do quilo de cacau é definido pelo produtor, e não pelo comprador ou pelo mercado de commodities. Como estímulo, as fábricas de “bean to bar” pagam prêmios que chegam até 160% acima da cotação do mercado aos agricultores que se destacam em qualidade. “Além de tornar a cadeia produtiva mais justa em termos de ganho, a Associação Bean to Bar Brasil considera parâmetros humanos como produção absolutamente livre de trabalho infantil ou escravo e condições dignas para os trabalhadores rurais”, cita Luciana.

E o desenvolvimento dessa cadeia sustentável já se desdobra em outro passo. “Como um dos focos da nossa associação é a educação, investimos na formação dos produtores também na produção de chocolate”, conta Arcélia, da Mission Chocolate, que atua nas comunidades ensinando seus membros a fazerem o produto final. Com isso, muitas fazendas estão desenvolvendo seus próprios chocolates e levando para o mercado as barras “tree to bar”, em que o produtor é também o chocolatier.

Tudo isso impacta diretamente na qualidade do seu ovo de Páscoa. “Uma cadeia mais justa permite o resgate do que é de fato um chocolate. Feito apenas de cacau, leite e açúcar (em quantidades consideravelmente menores que o convencional) e manteiga de cacau”, explica Gislaine, que também faz parte da associação.

Para Neugebauer, o mercado do “bean to bar” só tem a crescer no Brasil. “Hoje já temos pelo menos 300 fabricantes que viram uma grande oportunidade nessa fatia do setor. E uma vez que o consumidor tem contato com esse tipo de produto, ele percebe a diferença e quer mais, porque paladar não retrocede. Eu tenho 60 anos, trabalhei a vida toda com chocolate, já era para ter me aposentado, mas acredito muito que esse é caminho para o resgate da qualidade do chocolate brasileiro”, conclui o empresário.

Isto posto, chegou a hora de degustar. Para ajudar você a desbravar o universo “bean to bar”: na época mais chocolatuda do ano, destacamos alguns dos melhores ovos da temporada.

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