Restaurante Cepa é a cara da resistência gastronômica
Recém-incluído no Guia Michelin, o restaurante Cepa finca bandeira no Tatuapé e sobrevive à pandemia sem abrir mão de seus princípios.
Quando a pandemia chegou, o chef Lucas Dante e a sommelière Gabrielli Fleming já exercitavam bravamente a capacidade de resistência havia um ano, quando inauguraram o Cepa, restaurante onde quase tudo é artesanal e produzido in loco com os melhores insumos da estação. Um luxo nos quesitos conceito e técnica, que se traduz em muito sabor e, pasme, bons preços. Na recém-lançada edição do prestigiado Guia Michelin Brasil, a casa foi incluída na lista Bib Gourmand, que reúne restaurantes com excelente relação custo-benefício. Fica onde? Separado do manjado circuito gastronômico paulistano por muitos quilômetros de Radial Leste, no Tatuapé, em uma ruazinha desconhecida até por quem vive no bairro.
A cozinha do Cepa passa longe de ser pretensiosa, mas é autoral, o que pode causar estranheza a paladares menos diversificados. “Tem arroz branco? Não?!” e “Tem salmão? Não? Como assim?” são queixas frequentes da clientela. Em vez de se dobrar à pressão pelo peixe chileno, o cardápio seduz adeptos para a causa com atrações como a lagosta, pescada artesanalmente por uma mulher no Rio Grande do Norte, servida no pão com 36 horas de fermentação natural. Lucas busca o que há de melhor no Brasil, o que por si só configura um tremendo trabalho, e melhora o que já é bom. Isso significa interferir pouco no prato. Se o atum veio da Região Sul, por exemplo, é mais gordo, devido à temperatura mais baixa da água. Portanto, recebe menos azeite, além do creme com wasabi que o acompanha, compondo a entrada mais pedida da casa.
Além de trabalhar com os melhores e mais frescos insumos, o chef executa processos variados de transformação dos ingredientes. Caso da cura de carnes de porco, que converte a proteína em uma iguaria. Panceta (barriga de porco), copa lombo (o contrafilé do suíno), guanciale (a papada) e lardo (toucinho) são os cortes curados, além da bottarga (feita com ovas de tainha). Pães, ricota, vinagre, sorvetes, compotas – caso da já clássica de tangerina com casca servida com ricota fresca e pistache –, quase tudo é processado no Cepa. E também picles, muitos picles. Para cada curado, são servidos três tipos, que variam conforme a dose de gordura da carne (na foto que abre esta reportagem, você vê alguns cortes curados na casa e os picles do chef).
Seguindo os princípios da sazonalidade, o cardápio é volante: 60% dos pratos mudam todo mês e a cada semana há uma surpresa. Torrada de polvo, tomaca (tomate) e maionese de gochujang (pasta de pimenta vermelha coreana) era o notável do menu recente (confira a receita nesta reportagem).
A carta de vinhos também é volante e valente, forte em conceito. Assinada por Gabrielli, sócia e mulher de Lucas, traz vinhos biodinâmicos, naturais e/ ou orgânicos. Resumindo: produtos de agricultura limpa, sustentável e cuja produção passou por baixa intervenção. A maioria dos rótulos vem do Velho Mundo, como França e Itália, e alguns poucos são de pequenos produtores nacionais.
Cerca de 70% dos frequentadores do Cepa ainda são de fora do bairro. Faria mais sentido abrir a casa em um corredor gastronômico consagrado na Zona Oeste? Talvez. Mas a resistência geográfica de Lucas tem origem em suas raízes. Ele sempre quis montar seu negócio no Tatuapé, onde nasceu e morou. Adulto, passou a vida indo até a Vila Madalena ou aos Jardins para trabalhar.
A resistência à crise econômica também foi lindamente praticada pelo casal. Quando o inferno Covid-19 começou, Gabrielli, em prantos, imaginou o mundo virando um Mad Max. Preocupada com os pequenos produtores, que também estavam quebrando, resolveu unir forças – “Ninguém se levanta sozinho” – e montou com Lucas uma feira de orgânicos dos produtores da ZL. Por fim, ganharam muitos novos clientes, que, ao procurarem os feirantes para delivery, eram encaminhados ao Cepa. Foram três meses de parceria. “Vendíamos os nossos pratos e alface (os insumos orgânicos)”, diz Gabrielli.
Essa dupla, que valoriza processos artesanais, produção sustentável e solidariedade, se instalou numa casinha térrea de 120 m2, com área externa para acomodar 25 pessoas, de acordo com o protocolo dos tempos pandêmicos, piso de caquinhos de cerâmica para matar a saudade e cadeiras compradas de um lote pertencente a uma igreja, ou seja, abençoadas. Vida longa às práticas de boa cepa!
Foto @restaurante.cepa
Torrada de polvo, tomaca e maionese de gochujang
Tempo de preparo 50 minutos
Rendimento 1 porção
Ingredientes
Maionese
1 gema de ovo caipira orgânico
60 ml de óleo de semente de uva
2 alhos confitados*
10 g de pimenta gochujang**
sal a gosto
*Para fazer alho confitado, descasque os dentes de alho, coloque numa panelinha com fundo grosso e cubra completamente com azeite. Leve ao fogo bem baixo e deixe cozinhando, sem deixar ferver, até que o alho fique bem macio.
**Pasta de pimenta coreana, pode ser encontrada em lojas de produtos asiáticos.
Tosta de polvo
1 fatia de pão
azeite extravirgem o quanto baste
100 g de polvo limpo
2 tomates italianos maduros
flor de sal a gosto
pimenta-do-reino a gosto
ciboulette a gosto, finamente picadada
Modo de preparo
Maionese
1. Bata no liquidificador a gema do ovo, o alho, a pimenta e o sal.
2. Despeje o óleo em um fio fino e constante, com o liquidificador ligado, até que a mistura fique com consistência de maionese. Reserve na geladeira.
Tosta de polvo
1. Coloque dois dedos de água numa panela e leve ao fogo até levantar fervura.
2. Coloque o polvo na panela e deixe cozinhar em foto médio, com a panela tampada, por 45 minutos. Reserve.
3. Corte o tomate em quatro e passe no ralador fino. Tempere com azeite, sal e pimenta-do-reino e reserve.
4. Corte o polvo cozido em fatias finas. Fatie finamente a ciboulette.
5. Passe o azeite no pão e doure a fatia em uma frigideira.
6. Corte o pão ainda quente em quatro pedaços e espalhe sobre eles uma camada de tomate ralado temperado (tomaca).
7. Acomode as fatias de polvo sobre o pão e finalize com o azeite, flor de sal e a ciboulette. Sirva com a maionese à parte.
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