Gal Costa: “Foi um respiro ter ido para o estúdio, cantar, trabalhar”

Cantora fala sobre Nenhuma dor, álbum feito em meio às limitações da pandemia e que comemora seus 75 anos, em regravações de sucessos seus com Criolo e Zeca Veloso, entre outros intérpretes.


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Desde novembro, Gal Costa vem apresentando aos pares as faixas do álbum que marca seus 75 anos, completados em setembro passado. Nesta sexta-feira (12), esses dez singles – regravações de sucessos seus, como “Baby” e “Meu bem, meu mal”, com Seu Jorge, Rodrigo Amarante e Tim Bernardes, entre outros jovens intérpretes – se somam no disco Nenhuma dor. “São jovens que foram muito influenciados pela estética do meu canto, que vem da bossa nova”, diz Gal à ELLE.

O álbum nasceu tanto do desejo de Gal em dialogar com esta nova geração de cantores quanto um público mais jovem, que vem descobrindo sua obra, frequentando seus shows, contou Marcus Preto, que assina a concepção e direção-geral do disco. Nenhuma dor também foi resultado das limitações impostas pela pandemia: um álbum de regravações, construído à distância, em que cada convidado produziu sua própria faixa, facilitou sua realização. “Na verdade, não tem nem a intenção dele ser um trabalho de carreira, é apenas um disco, que foi gravado no período da pandemia”, diz a cantora.

A pandemia também está presente no nome do álbum: a sugestiva canção “Nenhuma dor, regravação de Gal com Zeca Veloso para a letra do poeta Torquato Neto, batiza o disco. “‘Nenhuma dor’ fala: vamos seguir firme na estrada que leva a nenhuma dor. Porque a gente vive um momento de muita dor com a pandemia, com as pessoas doentes, morrendo. É muito angustiante, muito triste o que a humanidade está passando”, diz. “Trabalhar me ajudou muito, porque a arte leva a gente para um lugar muito especial. A música tem me ajudado a ser forte”, completa. Conversamos por telefone com Gal sobre o disco e o cenário em que foi produzido:


Gal Costa – Nenhuma Dor (Álbum Completo)

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Como surgiu o Nenhuma Dor neste formato de duetos masculinos?

Isso começou na pandemia. Foi uma ideia do Marcus (Preto) de fazer esse disco centrando nas cordas, convidando esses jovens. Alguns eu já conhecia, outros não. Cada um fez sua produção, todos cantaram no meu tom. Agradeço isso porque é difícil cantar no tom de outra pessoa, mas eles foram muito bem. Eu coloquei a voz durante a pandemia. E foi um respiro para mim ter ido para o estúdio, trabalhar, cantar. Foi muito bom, porque a gente está preso em casa, mantendo os cuidados necessários.

Por que a canção “Nenhuma dor”, especificamente, batiza o álbum?

“Nenhuma dor” fala: vamos seguir firme na estrada que leva a nenhuma dor. Porque a gente vive um momento de muita dor com a pandemia, com as pessoas doentes, morrendo. É muito angustiante, muito triste o que a humanidade está passando. A ideia é uma pouco essa: vamos todos firmes para gente chegar no fim da pandemia ou de uma dor imensa. Aquele alívio que leva a nenhuma dor.

Como foi o processo de escolha das canções e intérpretes? Alguns deles você já tinha trabalhado.

Foi uma escolha a quatro mãos, minha e do Marcus, de um repertório meu que já gravei no passado. São todas músicas que amo, não foi difícil escolher. Tenho um repertório que acho muito bom, muito rico. “Meu bem, meu mal” (dueto com Zé Ibarra) é uma gravação que gosto muito e bem diferente da primeira gravação (de 1981).

Você chegou a cogitar gravar duetos com intérpretes mulheres?

Não, não tenho a menor vontade de cantar com mulheres porque é muito interessante fazer com homens. São jovens que foram muito influenciados pela estética do meu canto, que vem da bossa nova. Eu fui muito influenciada por um homem, um cantor chamado João Gilberto, que é o inventor da bossa nova. E é muito interessante que o Tim, o Silva, o Rubel (que participam do disco), todos, de uma maneira geral, tenham muita influência do meu canto.

Como foi se debruçar sobre sua própria obra? Isso te deu novas perspectivas sobre ela?

Acho que a arte é mutante porque o ser humano é assim. A visão que tive é que o trabalho do artista é mutante. Quando você faz uma coisa, a sua alma, o seu caráter revela aquilo de uma maneira muito espontânea. A arte é essa revelação, é o que sempre tive durante muitos anos e estou revendo agora na realização deste trabalho.

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Gal com Tim Bernardes, com quem regravou “Baby”.Foto: Divulgação/Carol Siqueira

Você mencionou que fazer este álbum te ajudou a atravessar esse período de pandemia. Como artista, como mãe, neste momento de desmonte da cultura, o que mais te ajudou?

A arte e a música têm me ajudado. E ser forte, porque não é fácil o que a gente está vivendo, pelo o que a gente está passando. Trabalhar me ajudou muito, porque a arte leva a gente para um lugar muito especial. A música tem me ajudado a ser forte.

Ao mesmo tempo, foi bom ficar este tempo longe da estrada ou você vem sentindo muita falta de fazer show?

Olha, eu não acho bom ficar trancada em casa, mas acho que é uma obrigação nossa para proteger não só a gente como as outras pessoas. Isso é um desastre que está acontecendo no mundo inteiro. É terrível isso que a gente está vivendo. Nunca pensei que passaria por isso. Sinto falta do contato das pessoas, de estar com os amigos, de sair, de fazer as coisas, de ter uma vida normal. É uma loucura tudo isso.

Além de Nenhuma dor, você tem um single com Daniela Mercury, “Quando o Carnaval chegar”, que homenageia Moraes Moreira, cantor de uma dos grandes sucessos de sua carreira, “Festa no interior” (1981). Como surgiu essa homenagem e como foi essa despedida do Moraes, também na pandemia?

Daniela me mandou uma mensagem de WhatsApp, me convidando para gravar. Já estava com a faixa pronta, com a voz definitiva dela e eu aceitei. É uma música bonita, uma composição dela, fiquei muito contente com o resultado. Teve o clipe, gostei de tudo.

Como você vê Nenhuma dor em relação aos seus três últimos álbuns – Pele do Futuro (2018), Estratosférica (2015) e Recanto (2011)? Há um diálogo entre eles ou Nenhuma dor é um álbum à parte por conta das circunstâncias em que foi feito?
De todos esses discos o que eu gosto mais é Nenhuma dor. Na verdade, não tem nem a intenção dele ser um trabalho de carreira, é apenas um disco, que foi gravado no período da pandemia. O que me dá mais alegria é saber que as pessoas gostaram e, de uma certa maneira, está ajudando elas a atravessarem esta pandemia. Como disse, música é importante, leva a gente para um lugar muito especial. Essa é a gratificação maior.

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