Loïc Koutana lança álbum de seu projeto solo, L’homme Statue

Cantor, dançarino, modelo e nome conhecido da noite paulistana, o afro-francês fala sobre negritude, se expressar em várias línguas e tomar conta do próprio corpo.


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Amor livre, medo, ciúme, empoderamento, racismo, evolução e liberdade. Esses são alguns dos temas que Loïc Koutana aborda em Ser, o primeiro álbum do L’homme Statue, ou o homem-estátua, seu projeto em parceria com o produtor musical Pedro Zopelar. “Nos conhecemos desde 2016, ele foi uma das primeiras pessoas que me ouviu cantar e a que mais me incentivou na música”, conta à ELLE o cantor, dançarino, modelo e influenciador digital, radicado no Brasil desde 2014 – Loïc nasceu em Paris e sua família é natural do Congo e da Costa do Marfim.

A dupla começou a trabalhar no projeto em 2018, quando Loïc, 27 anos, ainda integrava a banda Teto Preto, conhecida no circuito independente paulistano de festas. Juntos, lançaram os singles “Egoísta” e “Braços/Vela”, em 2019, e as faixas “Desejo” e “Sai do meu caminho”, ambas de 2020. O álbum de estreia viria na sequência, mas a Covid-19 barrou os planos. “Eu saí do Teto Preto um pouco antes, então a pandemia realmente coincidiu com o nascimento oficial do L’homme Estatue.”

Com o avanço das campanhas de vacinação e a melhora no cenário pandêmico, o lançamento foi retomado e o álbum chega ao público nesta quinta-feira (25.11), depois da estreia do clipe de “Do not tell me”. A faixa eletrônica, que mixa referências do funk com R&B, fala sobre a frustração do artista com a opinião invasiva sobre o corpo preto (“não me diga o que tenho que fazer”, diz a letra).


L’HOMME STATUE – Do Not Tell Me (Offical Video)

www.youtube.com

Dirigido por Pedro Tejada e Marcello Costa, e produzido pela Stink São Paulo com captação em 3D, o clipe representa a força de Loïc nas redes sociais – só no TikTok, ele conta com com 1,5 milhão de seguidores – versus as lutas da vida real, além do virtual. “Sempre falo que sou meio Hannah Montana”, brinca. “Existem duas pessoas distintas, o L’homme Statue da moda, que desfila e performa, e aquele que nasceu durante a pandemia, mais distante, inocente e fofo”.

Loïc guarda outros três clipes prontos, que serão lançados entre dezembro e o início do próximo ano. “No momento, estou montando os figurinos dos shows, quero apoiar os criadores negros de moda, exaltar os emergentes e as novas marcas.” A seguir, mais do nosso papo com Loïc:

Como foi navegar pelo cenário criativo nesse período de pandemia e como isso impactou o álbum?
Sempre recebi força através do público, da moda e das performances. Sou bailarino, conhecido pelos palcos e shows. Então, a pandemia afetou muito essa conexão com as pessoas, mas a introspecção também foi importante para encontrar força. Na pandemia, me caiu a ficha que nunca me aceitei como artista. Então, parece que fiz dois coming outs na vida: o primeiro, quando me assumi gay, de fato, e o segundo, quando aceitei pra mim mesmo que era artista. Sempre dá um medo, uma dúvida se realmente seremos bons naquilo, tanto que foram os outros que me pegaram pela mão e indicaram o caminho, como meu marido, Raphael, que me incentivou na dança, e o Zopelar, na música. Olhava para a minha família, meu pai e meu irmão que faziam música no tempo livre, e era um nível tão alto que achava que não iria alcançar, mas todo mundo merece fazer aquilo que gosta.

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Foto: Divulgação/Gleeson Paulino


Você chegou a mudar para a praia durante a pandemia, não?
Foi muito difícil ficar isolado, sem encontrar ninguém. As redes sociais ajudaram porque eram meu único contato com as pessoas. Mas um dia realmente passei mal, surtei de tristeza. Aí lembrei de um caderno de anotações em que coloquei meus cinco fundamentos: natureza, comida saudável, esportes, sorrir e dançar. Quando li isso de novo, decidi ir para Ubatuba (litoral de São Paulo) e não voltei mais, achei uma casinha lá e comecei a escrever as músicas. A primeira, por exemplo, que se chama “Canto de Sereias”, é um áudio da minha mãe que escutei olhando para o mar, chorei demais, mas foi importante ter essa reconexão com a natureza, que me permite ser, assumindo meu corpo preto, mas redefinindo essa imagem sexy da mulher e do homem negro. Agora estou morando em São Paulo e aos finais de semana vou para Ubatuba.

Lançar o disco em novembro, mês da consciência negra, foi proposital?
Não é só o mês da consciência negra, é também o aniversário do meu pai, uma junção de coisas. Esse álbum é sobre um artista jovem, preto, LGBTQIA+, que tinha 24 anos quando começou e agora, aos 27, tem uma sensibilidade maior. Falo de ciúme, amor livre e, ao longo desse tempo, uma evolução de personalidade, um empoderamento pessoal foram se desenvolvendo. Tivemos muitos momentos em que achamos que era hora de lançar, mas a melhor homenagem que eu poderia fazer à comunidade preta brasileira seria lançar o álbum neste mês.

Você comentou que esse trabalho é um momento de se reconhecer e se definir, tomar conta do próprio corpo.
Sempre achei importante ressaltar todos os tipos de corpos, exaltar quem nós somos e nossos direitos. Então, o nome do álbum foi a primeira certeza que tive depois de todo esse processo. Ele se chama “Ser” e tenho isso tatuado na minha mão porque requer muita coragem ser quem você é. É muito fácil fingir para agradar os outros. Sou graduado e pós-graduado na Sorbonne (Paris) e na USP (Universidade de São Paulo), em economia, marketing e letras. Minha família sempre incentivou esse caminho mais tradicional e passei quase 20 anos tentando ser a versão que eles esperavam. Até um dia que falei “chega” e decidi assumir quem eu sou. Quando você é você mesmo, as críticas doem mais porque tocam a alma, o seu eu verdadeiro, mas esse também é o maior poder, porque as pessoas já não podem mais te derrubar. Você está sendo a sua melhor versão e isso é o que importa.

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Loïc e ZopelarFoto: Divulgação/Gleeson Paulino


No álbum, as letras são interpretadas em inglês, francês e português. E nas redes, seus vídeos sobre as diferenças entre as nossas línguas são um hit. Isso é algo que sempre fez parte da sua vida?
Sempre amei a linguagem, porque ela ajuda a colocar os sentimentos pra fora do corpo. Pra mim, que falo quatro idiomas – inglês, francês, português e espanhol –, isso fica ainda mais evidente. Quando estou triste, começo a falar em francês e, quando estou muito feliz, em português. Então, fui usando o jogo da semântica e das palavras justamente pra não me colocar nenhum limite. Quando queria falar de amor, saía mais fácil em português e por isso não me coloquei nenhuma barreira. Aprendi muito também com as pessoas trans que me rodeiam, pegando o pajubá, a língua da noite de São Paulo, e isso foi muito legal, porque o Zopelar ajudou a deixar tudo fluir através da língua.

A parceria com o Zopelar já vem de algum tempo. O que mais curte dessa troca?
Eu amo o jeito como ele conduziu o trabalho, sem me julgar ou me colocar pra baixo. Como não tenho muito conhecimento musical e também havia a barreira do idioma (pelo português não ser a primeira língua de Loïc) foi engraçado, porque acabamos desenvolvendo a nossa própria linguagem musical. Por ser bailarino, falo muito com o corpo, meus ritmos são feitos com a dança, então às vezes dizia pra ele “faz um efeito da música entrando na água, abafada, e depois saindo”, e ele entendia (risos).

“Quando estou triste, começo a falar em francês e, quando estou muito feliz, em português”

Ser passeia pelo techno, funk, R&B, disco e trap. Quais artistas que mais admira nessas vertentes?
Cresci escutando Beyoncé e Destiny’s Child, o R&B puro, e quando cheguei no Brasil, em 2014, descobri outras artistas incríveis, como a Luedji Luna, Urias, Duda Beat e Milton Nascimento na vertente mais tradicional. Quando escutei todos esses gêneros, realmente percebi um estilo próprio brasileiro e que minha força seria ocupar esse lugar do R&B, que cresci escutando. Hoje minhas referências internacionais incluem RZA, Willow Smith, muito rock e rap. Meu pai toca baixo, cresci ouvindo jazz, e meu irmão mais velho é produtor de rap. Então, tudo isso sempre esteve na minha vida e, no álbum, consegui fazer essa mistura das batidas eletrônicas ao jazz com saxofone.

Como influenciador, o que você acha que as plataformas de conteúdo tradicionais precisam fazer para melhor apoiar os profissionais criativos negros?
A volta da ELLE foi um exemplo, quando assumiram que tinham que aprender e começaram a trazer criativos negros para a equipe, como a Suyane Ynaya. No TikTok, também vejo essa preocupação, temos conversado sobre como dar mais suporte às pessoas pretas. É legal ver essa conscientização aumentando e não só neste mês de novembro. Hoje, quando faço algum publieditorial com marca, geralmente me chamam para sugerir amigos também. É importante estarem ligados nisso e que essas plataformas estejam chamando mais pessoas pretas para trabalhar.

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