Moto, traição e ex-BBBs na passarela marcam o quinto e último dia de SPFW N53

A presença de ex-participantes de reality shows foi tão intensa quanto as grandes apresentações da noite: a traição do ex de Célio Dias que virou coleção na LED e a homenagem de Isaac Silva à Márcia Pantera e outras divas


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Foto: Marcelo Soubhia | @agfotosite



O dia começou com Rafaella Caniello tirando os fashionistas do eixo Lapa-Mooca e levando os seus convidados para as dependências do recém-inaugurado hotel de luxo Rosewood São Paulo. A apresentação de sua Neriage, nesta temporada, procurou traduzir o tempo, suas pausas e influências no destino. A estilista escolheu o mar como uma imagem que guiasse as roupas. E essa suavidade foi perceptível, como se viu na maior confiança de seus conjuntos plissados — um dos maiores códigos da marca — que, agora, são menores e mais delicados, seguindo um padrão de espinha de peixe.

As gotas de cristal deram outra dimensão aos casacos clássicos e confortáveis, criando um efeito que reproduzia o cair dos pingos de água. Destaque também para os seus costumes cortados numa espécie de jacquard, com prints de ondas salpicados de fios metálicos. Muito disso não seria possível se não fosse a parceria que a estilista fez com a cervejaria Stella Artois, que ajudou também a eleger a atriz Alice Braga como musa desse encontro. Do cross das marcas se viu ainda a estrela-símbolo da empresa bordada nas bolsas e até o clássico logo com sua moldura dourada decorando as costas das jaquetas.

Já de volta ao Senac Lapa, Weider Silveiro seguiu com os seus macacões colados no corpo e estrutura de corset na parte de baixo, peça que faz sucesso entre as suas clientes. Inspirado ainda mais pela couturier francesa Madame Grès, uma referência que permeia a sua moda desde o início da carreira, ele parte para uma extensa criação com superfícies, seja em plissados, drapeados ou na preferência pelo veludo molhado e na estamparia de flores em sua alfaiataria. É essa parte, inclusive, a melhor da coleção, quando os vestidos, bodies e camisas em paetês prata ganham o destaque que merecem.

Outro grande momento na Lapa foi protagonizado pela Santa Resistência. “A marca traz para a passarela o Brasil que o Brasil não conhece”, explica Mônica Sampaio, estilista fundadora da grife. Para essa estação, ela decidiu contar a história das “Três Graças do Brasil”. Na escalada para a Independência do país, que aconteceu no Recôncavo Baiano, em 1822, três mulheres protagonizaram uma batalha. Foram elas Maria Quitéria, Catarina Paraguaçu e Maria Felipa — de três raças diferentes, representando a miscigenação do povo brasileiro. No desfile da Santa Resistência, essas três personas se fazem presente. A moda de Mônica Sampaio não só conta histórias como faz isso por meio de ótimas roupas, trabalhos manuais preciosos, como babados na camisaria, franzidos em vestidos e macramês e crochês em looks monocromáticos.

Já no Komplexo Tempo, o evento viu três de suas principais apresentações da temporada fecharem com chave-de-ouro essa quinquagésima terceira edição.

A começar pela LED, de Célio Dias. O seu casting cheio de personalidades pop como a do economista e ex-BBB Gil do Vigor podem ter feito mais burburinho do que a história do estilista, mas a coleção, que é a melhor da marca, foi uma grande aula sobre se permite chorar, botar pra fora, se emocionar. Chamada de Sinto Tanto, trata-se de uma viagem corajosa para dentro dos amores vividos e não correspondidos pelo estilista. Para ser mais preciso, o último romance, em que Dias descobriu um diário do ex, catalogando uma série de traições. “A dor virou roupa”, ele explicou no backstage. Virou, por exemplo, um terno com bordados de cristais que lembram lágrimas, estampas com as próprias cartas traidoras servindo como colagem e uma brincadeira com o coração, seja no nível emocional ou como elemento figurativo em bordados, frases de efeito e dando forma à crochês. O crochê, aliás, que é parte do DNA da grife, apareceu dessa vez com rasgos na parte de trás, como se alguém tivesse apunhalado a pessoa pelas costas. Alguns podem chamar a coleção de vingança, lavação de roupa suja em praça pública, mas foi sobretudo uma ideia bonita de como não desistir de um sentimento tão avassalador e importante que é se apaixonar.

Fila final da LED

Marcelo Soubhia | @agfotosite

Emocionante também o vídeo de abertura que a Ateliê Mão de Mãe escolheu para a sua estreia nas passarelas físicas da SPFW. A marca, que foi criada por Vinícius Santana durante a pandemia para ressignificar o artesanato produzido há anos por sua mãe Luciene (e com a ajuda do sócio Patrik Fortuna), propõe um uso mais moderno e urbano para o crochê. No fashion film, como não podia ser diferente, a grife fez uma ode ao trabalho manual passado por gerações por mulheres. Na passarela, o crochê da marca vai ficando cada vez mais leve, pronto para a rua ou onde quer que a cliente da Mão de Mãe queira usar.

Mas foi Isaac Silva quem finalizou tudo como uma grande celebração novamente. A pantera, seja o próprio animal ou o símbolo que a imagem do bicho carrega, é um dos vários elementos que o estilista usa com frequência em sua marca. Ela já apareceu nas estampas “panteronas” da etiqueta, como slogan de empoderamento, e foi, sem dúvida, em outros momentos alusão ao partido Panteras Negras de emancipação estadunidense. Agora, ela volta a surgir para homenagear uma das maiores drag queens do país: Marcia Pantera.

M\u00e1rcia Pantera de motocicleta na passarela de Isaac Silva

Marcelo Soubhia | @agfotosite

A fundadora do bate-cabelo desfilou nos primórdios da Semana de Moda Paulista com Alexandre Herchcovitch e é fundamento para a cultura LGBTQIA+ brasileira. Por isso, o começo do desfile funcionou como um Ballroom, com direito a muitas drags e mulheres trans desfilando à la Paris is Burning. A própria Márcia Pantera deixou todos de boca aberta quando desfilou em cima de uma motocicleta. E a coleção ainda reverenciou outras figuras emblemáticas, como Eartha Kitt, a primeira mulher gato negra da história. A imagem de Kitt apareceu em camisas de cânhamo, uma nova parceria que o designer assinou com a empresa Vicunha.

Cinco dias de moda e ex-BBB’s

O quinto e último dia de São Paulo Fashion Week vem também com um balanço do evento. E são sensíveis as mudanças pelas quais a semana de moda, que é considerada a maior da América Latina, tem passado. A começar pela física. A edição de número 53 se dividiu entre as dependências do Senac Lapa Faustolo e a boate Komplexo Tempo, localizada na Mooca. E foi tudo menos fácil fazer tal trajeto para acompanhar os desfiles. Para se ter uma ideia, são cerca de 17 km entre um local e outro, com a mudança de turno exatamente em horário de pico: trânsito e cansaço definiram a empreitada que foi assistir aos shows.

Não se trata de mimo, luxo ou algum tipo de egolatria, mas do básico. Como se sabe, moda não se faz individualmente e, como já falamos aqui, a maneira como é apresentada, narrada, desenhada importa muito. Não dá para se vender como a principal plataforma de lançamento e pedir para que imprensa e colaboradores tomem banho com a mão para fora durante cinco dias para não molhar a pulseirinha de papel que servia como credencial.

Especificamente sobre o trabalho da imprensa, historicamente responsável por moldar a imagem e prestígio que o evento acumulou ao longo de quase 30 anos, à ela foi separada uma pequena biblioteca do Senac para ser usada como QG e poucos computadores que deveriam ser divididos entre todos. Para além da polêmica pulseirinha , os profissionais de diferentes veículos de imprensa que faziam a cobertura ainda relataram falta de água e dificuldade no acesso aos banheiros.

Apresenta\u00e7\u00e3o da marca Santa Resist\u00eancia

Marcelo Soubhia | @agfotosite

Esse tipo de informação é necessária porque, apesar de ser importante a força conjunta de todas as frentes (organização, marcas, imprensa e relações públicas) de se fazer a moda brasileira sobreviver (para não dizer acontecer), ela evidentemente demonstra, com essa edição, a necessidade de maiores investimentos externos – lê-se patrocínio de grandes empresas que não queiram ver esse setor criativo, tão importante e que emprega tanta gente, minguar.

Muito se discute o motivo pelo qual as grandes influenciadoras de moda brasileira não dão mais as caras em nossa semana, ou porque essa edição foi forrada de ex-participantes de reality shows, como o Big Brother Brasil. Mas a crise instalada é tão visível que parece responder facilmente a pergunta.

Por outro lado, é importante distinguir algumas partes. A moda é um vetor de seu tempo. E há de se dizer que, não fosse a aparição de um Paulo André, Pedro Scooby ou Gil do Vigor, a semana teria ainda menor destaque nas redes sociais e portais de notícias mainstream.

Fora isso, àqueles que lamentam e dizem que “há pouca moda” na São Paulo Fashion Week, fazem isso com injustiça: algumas apresentações foram umas das melhores de suas respectivas etiquetas. Existe sim uma potência de novos criadores. E é bem difícil não associar tais declarações de que “a moda morreu” com uma opinião elitista. Há também mais do povo na passarela e menos cabelo de madame com laquê na fila A. Em termos de estrutura, essa edição nos mostra que a moda precisa, sim, de mais investimento. Em termos de gente, representatividade e experimentações visuais, porém, ela segue um caminho próprio, aparentemente mais plural, e que não tem volta.

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