A indústria da moda na COP29
Mais recente Conferência do Clima da ONU, a COP29 discutiu metas de financiamento climático, mas setor do têxtil e vestuário ainda precisa de ambição para liberar investimentos em descarbonização e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Entre os dias 11 e 22 de novembro, aconteceu em Baku, no Azerbaijão, 29ª Conferência do Clima (COP29), da Organização das Nações Unidas (ONU). Chamado de COP do Financiamento, o evento foi considerado não exitoso por muitos ambientalistas e organizações especializadas. Isso porque o cerne das negociações foi a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG), acordo que deve especificar quem pagará a conta das mudanças do clima. Ou seja, o valor que os países devem desembolsar em políticas de adaptação e mitigação, bem como suas formas de obtenção, distribuição e responsabilização.
Países em desenvolvimento pediram 1,3 trilhões de dólares. O texto final, contudo, prevê a destinação de 300 bilhões por ano até 2035. Conforme o Observatório do Clima, caso o valor acordado fosse dividido entre as 45 nações mais vulneráveis, cada uma receberia 6,6 bilhões de dólares por ano. A título de comparação, o cálculo para auxílio e recuperação do Rio Grande do Sul após as enchentes históricas deste ano foi de 17 bilhões de dólares.
A discussão sobre financiamento climático na COP29 expõe um dado conhecido: quem mais sofre com a crise climática é quem menos contribui com ela. E isso se reflete no sistema de moda. Os países que compõem a cadeia de fornecimento são os mais vulneráveis ao clima extremo:Bangladesh, Índia, Paquistão, Etiópia, Brasil e Turquia.
“Houve chuvas no Paquistão que inundaram grande parte da produção de algodão do país, ou confecções seriamente afetadas por enchentes, tanto em Camboja quanto no Rio Grande do Sul”, fala Isabella Luglio, pesquisadora de policy & advocacy do Fashion Revolution.
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As consequências, segundo ela, podem ser graves. Existe o risco das marcas trocarem fornecedores que estão em zona de risco por outros em locais mais seguros. Cenário que agravaria ainda mais a situação econômica e social de algumas nações.
Para a diretora do Instituto Febre, Eloisa Artuso, as desigualdades expostas e agravadas pela crise do clima são um fator crucial a ser considerado nas buscas por soluções. “Se a gente pensar na crise climática a partir de uma perspectiva de gênero, raça, classe e território, vemos que as trabalhadoras – as mulheres que somam a maior parte da força de trabalho do setor têxtil e do vestuário – estão cada vez mais suscetíveis às consequências da crise climática”.
Outro gargalo apontado por Isabella é a exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras da moda na construção e implementação de políticas de prevenção e reparação. A pesquisadora integrou a equipe do estudo Qual o Combustível da Moda, que analisa o nível de divulgação de dados relacionados ao clima e à energia de 250 empresas de moda no mundo. Desse total, apenas sete divulgaram algum tipo de esforço para compensar financeiramente funcionários afetados pela crise climática.
“As trabalhadoras e os fornecedores são as pessoas que estão sofrendo os maiores impactos e os que melhor conhecem as operações do setor. Eles sabem onde as mudanças podem e devem ser feitas. Mas eles precisam de apoio financeiro para que isso possa acontecer”, diz Isabella.
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Desta análise nasce o chamado para que as nações ricas e mais poluidoras paguem a conta. “O mercado de consumo de muitas marcas globais se concentra nos países ricos, no Norte Global, mas as cadeias de produção estão nos países mais pobres. Quem paga o preço e sofre as consequências desse modelo de produção e consumo excessivo são as economias vulnerabilizadas do Sul Global”, defende Eloisa.
Para a diretora, a próxima conferência, em novembro de 2025 em Belém, no Brasil, será uma chance de incluir a justiça climática na agenda da moda, considerando assuntos amplos como direitos das mulheres, antirracismo e combate ao desmatamento. “Obviamente, precisamos nos afastar dos combustíveis fósseis, mas também precisamos combater as desigualdades que permeiam o setor, colocando os direitos humanos no centro das tomadas de decisão.”
As emissões da moda
Uma das principais contribuições da indústria da moda com a crise climática é por meio dos combustíveis fósseis, os principais agravantes do aquecimento global e um dos pilares de sustentação da indústria têxtil e do vestuário. Até 2030, quase três quartos dos produtos serão feitos a partir do petróleo – sendo o poliéster o responsável por 85% do montante, conforme o Instituto ClimaInfo.
Foi essa realidade que impulsionou a criação da Carta da Indústria da Moda para a Ação Climática, em 2018, na COP24 (o documento foi atualizado em 2021, na COP26). A publicação, atualmente com cerca de 100 marcas signatárias, elenca compromissos para o fim das emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050, e sua redução pela metade até o final desta década.
A proposta está alinhada ao Acordo de Paris, tratado internacional estabelecido em 2015 que tem como principal objetivo fazer com que os países limitem suas emissões de GEE, para evitar o aumento da temperatura média do planeta acima de 1,5ºC dos níveis pré-industriais.
Alguns dados apontam que a contribuição da moda nas emissões globais de GEE é de 3% a 10%. O número, contudo, é impreciso por “falta de transparência e de dados primários do setor”, defende Isabella Luglio. Segundo a pesquisa Qual o Combustível da Moda, mais de 90% das emissões do setor têxtil e de vestuário estão concentradas na cadeia de fornecimento. Se quisermos realmente descarbonizar essa indústria, é necessário olhar também para a cadeia produtiva.
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A COP29 chegou a um acordo sobre o mercado de carbono, que diz respeito às cotas de emissão de gases do efeito estufa que podem ser compradas e vendidas por empresas e governo, para zerar ou neutralizar suas emissões. Também foram definidas as bases para um mercado de carbono global, quais as diretrizes para a troca de créditos entre os países e como isso será administrado pela ONU.
Ao mesmo tempo, durante a Conferência, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Ambas as medidas atravessam o setor da moda, que pode usar os mecanismos acordados para reaver sua pegada de carbono e mirar no carbono neutro por meio da compra dos créditos.
Vale destacar que as emissões de GEE da Europa e Estados Unidos, polos consumidores e produtores de vestuário, estão relacionadas com sua matriz energética: grande parte das marcas locais utiliza fontes de energia suja (como petróleo, gás e carvão) em sua cadeira de produção. Contudo, no Brasil, o cenário apresenta outra camada de complexidade: “O desmatamento e as mudanças de uso da terra são os principais responsáveis pelas emissões de gás de efeito estufa no Brasil”, lembra Eloisa, ao citar os últimos dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
A diretora do Instituto Febre afirma que isto está diretamente relacionado à produção agropecuária, e, no caso da moda, do algodão. O Brasil tornou-se, recentemente, o maior exportador da fibra do mundo. Como alternativa à monocultura, ela destaca os sistemas agroecológicos, que são sistemas regenerativos de plantio e colheita, que preservam a biodiversidade local, sem agrotóxicos e com participação das comunidades.
“Esses sistemas podem ser uma potência capaz de trazer transformações para as pessoas, para a moda, para a terra e para o clima, de forma viável e escalável, para as empresas tentarem gerir as emissões de carbono e não só reduzi-las mas principalmente criar mais resiliência no meio ambiente e com as pessoas”, diz Eloisa.
Para Isabella, falta ambição por parte das empresas e marcas de moda. A pesquisadora afirma que as principais políticas de redução de emissões a nível internacional são incipientes Boa parte deles concentram-se no uso de frota elétrica ou frete colaborativo para entregas, e na geração de energia solar e eólica para a própria empresa.
Já no Brasil, embora algumas marcas de moda – como Renner, Farm, Amaro, Reserva e Pantys – já tenham apresentado algum tipo de meta relacionada à redução de emissões, falta unidade e transparência, e “ainda não temos métricas para fazer uma avaliação qualificada”, complementa a pesquisadora.
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