Alta-Costura Em Quarentena

Sem grandes emoções, desfiles digitais de alta-costura buscam refletir parte das emoções e sentimentos durante a pandemia.


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Seis meses atrás, a Chanel transformou o Grand Palais, em Paris, num grande jardim para o desfile de verão 2020 de alta-costura. Era uma reprodução do convento de Aubazine, no interior da França, onde Gabrielle Chanel passou parte de sua infância. A coleção era composta por 62 looks de silhueta contida, sem grandes mirabolâncias de estilo ou extravagâncias decorativas. Tudo bem nos conformes do que Virginie Viard vinha apresentando desde que assumiu a direção criativa da maison, após o falecimento de Karl Lagerfeld.

Corta para julho de 2020 e parece que os meses de lockdown tiveram algum efeito sobre Viard. Na contramão das coleções passadas, o inverno 2020 couture da Chanel tem uma leve pegada punk – 100% de boutique, mas tudo bem, né? O ponto de partida desta vez não foi Chanel em si, mas Lagerfeld nos anos 1970 e 1980, quando frequentava a fervida Le Palace, um equivalente parisiense do Studio 54 de Nova York.


“Estava pensando numa princesa punk saindo do Le Palace ao amanhecer”, escreveu Viard em um comunicado à imprensa. “Com um vestido de tafetá, cabelão, plumas e muitas joias. Essa coleção é mais inspirada em Karl Lagerfeld do que Gabrielle Chanel. Karl sempre ia ao Le Palace acompanhando por essas mulheres sofisticadas e supermontadas, que eram também bastante excêntricas.”

Foi um certo alívio observar a estilista em modo mais livre. Afastada daquela simplicidade restritiva, volumes, brilhos e toda uma opulência entram em cena para jogar luz às peças agora apresentadas em 30 fotos de Mikael Jansson e em um vídeo de pouco mais de um minuto de duração com as modelos Adut Akech e Rianne van Rompaey.

Vídeo Cortesia/Chanel

É um formato complexo, que ninguém soube explorar bem até agora. E talvez nunca consigam. Parte do que faz um desfile especial é a experiência da coisa toda: roupas, styling, make, cenário, música, modelos, plateia. As tentativas de adaptação digital fragmentam a tal ponto cada elemento dessa narrativa que inexiste qualquer tipo de emoção. No caso da Chanel, por exemplo, as fotos são ótimas para quem quer se debruçar sobre os detalhes de cada peça, mas são imagens estáticas sem grande apelo. Já o vídeo, é menos sobre a roupa e mais sobre a atitude. Ainda que o movimento ajuda no nosso entendimento sobre caimento e como a roupa se move no corpo, os cortes frenéticos dificultam uma apreciação completa.

De um modo geral, interessante notar como os meses de quarentena e lockdown afetam não só as estruturas práticas de uma semana de moda (coleções menores, apresentadas em vídeo ou foto), mas também a própria criatividade e percepção sobre a moda.

Do lado prático, as coleções ficaram menores, devido às restrições de trabalho e contato social. Na Valentino, por exemplo, o tempo de produção mais que dobrou, já que não era possível ter duas costureiras trabalhando num mesmo vestido ao mesmo tempo. Muitos profissionais também trabalharam de casa, fazendo com que uma peça tivesse de viajar diversas vezes entre cada etapa da confecção. Ou seja, mais delongas no processo.

Sobre a percepção, vale ressaltar como muito do que vimos nos últimos dias corresponde com estados de espírito e emocionais pelos quais passamos – muitas vezes num mesmo dia – durante a pandemia. Como já dito, desfiles estão proibidos, então novos formatos precisaram ser pensados com urgência. Tudo isso num momento em que o déficit de atenção de muita gente chegou ao nível máximo. Não à toa, boa parte dos vídeos postados nesses dias tem pouco mais de um minuto de duração.

Sem contar nas limitações para captação do material. Algumas marcas, como Maison Margiela e Valentino, não conseguiram finalizar seus materiais a tempo e irão apresentar suas coleções em outras datas (16 e 21 de julho, respectivamente).

Já do ponto de vista criativo, é inegável como meses de ansiedade, angústia, medo e mais um punhado de sentimentos afetam a maneira como algumas pessoas se expressam na moda. A dupla de estilista holandeses Viktor Horsting e Rolf Snoeren, da Viktor & Rolf, criou uma coleção de alta-costura com apenas nove looks, cada um inspirado em um estado emocional relacionado à pandemia. As peças foram feitas com tecidos que a marca já havia em estoque, de acordo com as práticas sustentáveis com as quais a label já vinha trabalhando.

Sobre o inverno 2021 de alta-costura da Chanel, Viard escreveu que seu modo de trabalho é assim mesmo: “indo na direção oposta àquela da última temporada”. Ainda assim, é impossível não associar a rebeldia dessa princesa punk com o estado de espírito de muita gente nos últimos meses. Quem não teve um momentinho de surto dentro da própria casa ou da própria cabeça que atire a primeira pedra. Um pouco de loucura e excessos não faz mal a ninguém.

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