Conheça as iniciativas do Ministério Público do Trabalho na moda

Em conversa à Elle, o procurador público Gustavo Accioly ressalta o papel da indústria têxtil no combate ao trabalho análogo à escravidão.


Artistas imigrantes participam do projeto Faces e Sustentabilidade do Ministério Público do Trabalho
Foto: Gabryel Sampaio | Edição de moda: Thiago Biagi | Produção de moda: Melissa Janson | Camareira: Elke Oliveira



“O trabalho não é só uma forma de resgatar a dignidade e autodeterminação de uma pessoa, mas também de permitir a inclusão social, mais ainda numa sociedade marcada pelo racismo”, diz Gustavo Accioly, procurador do trabalho. No ofício desde 2010, ele é um dos nomes responsáveis por diferentes projetos criados pelo Ministério do Trabalho em São Paulo (MTP-SP) com o objetivo de defender os direitos dos trabalhadores, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade.

A iniciativa mais recente é o Faces e Sustentabilidade, desenvolvido em 2020 diante os desafios impostos pelas medidas sanitárias para o enfrentamento da Covid-19. “Durante a pandemia, pequenos agricultores não conseguiam escoar sua produção de alimentos orgânicos. Então capacitamos 20 pessoas resgatadas de situações de tráfico humano com um curso de culinária para que pudessem preparar marmitas com aqueles alimentos”, fala Gustavo. “Ao fim de cada dia, distribuímos as marmitas em algumas comunidades de São Paulo.”

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O procurador Gustavo Accioly veste camisa produzida pelos participantes do projeto Faces e Sustentabilidade Foto: Gabryel Sampaio

Com a redução nas infecções, graças às vacinas, o campo de atuação do projeto pode ser ampliado, inclusive para a moda. “A indústria têxtil é uma das que mais utiliza trabalho análogo à escravidão por meio de terceirização e de práticas como jornadas exaustivas, vigilância constante e a retificação de documentos pessoais”, relata o procurador. Isso sem falar nos salários, que, quando existentes, são pagos informalmente, com valores bem abaixo do suficiente para uma vida digna.

Só para ter uma ideia, uma pesquisa recente do site Fashion Checker revelou que mais de 90% das grandes marcas de fast fashion não pagam um salário digno aos seus funcionários, estabelecendo a fabricação em países em desenvolvimento, como Bangladesh, Índia e Indonésia, onde a mão de obra tem custo muito baixo. Em solo nacional não é muito diferente. De acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, 494 trabalhadores foram resgatados pela fiscalização em confecções de peças de vestuário desde 2010, sendo a maioria mulheres e imigrantes. Em 2022, foram 39 resgatados em empresas do setor, entre o total de 2.575.

Por isso, Gustavo reitera que o setor é importante para uma virada de jogo e para a promoção de um trabalho digno e decente. No Faces e Sustentabilidade, por exemplo, foram oferecidas oficinas de costura e artesanato a imigrantes, refugiados e mulheres trans. “São indivíduos mais propensos a serem vítimas do tráfico de pessoas”, explica ele.

“Imigrantes e refugiados fogem de seu país numa situação de completa vulnerabilidade. Dizemos que eles sofrem uma discriminação tripla: na saída de seu país, onde geralmente há violação de seus direitos fundamentais; na travessia, que muitas vezes é árdua; e na entrada, quando sofrem barreiras linguísticas e xenofobia”, declara Gustavo, que adiciona à lista o racismo quando se trata das migrações do continente africano, por exemplo.

Artistas imigrantes participam do projeto Faces e Sustentabilidade do Ministério Público do Trabalho

Os artistas Duchelier Kinkani, Lavi Israël e Paulo Chavanga Foto: Gabryel Sampaio

Por isso, em uma das fases do projeto, levaram os artistas Paulo Chavanga, Lavi Israël e Duchelier Kinkani – o primeiro da Angola, e os dois últimos da República do Congo – para compartilhar seus talentos e expertises nas oficinas.

Além do Faces e Sustentabilidade, o procurador público já encabeçou outros projetos na moda do MTP-SP. Realizado em parceria com a UNICAMP e a Organização Internacional do Trabalho, a ação Trabalho Escravo Nunca Mais, em 2021, com uma série de atividades que buscavam a emancipação de imigrantes sulamericanos, entre elas o oferecimento de aulas com profissionais conhecidos da moda brasileira e a organização de um desfile presencial com as peças confeccionadas pelos participantes.

“Vestir-se é um ato político. Você decide se vai se vestir com humanidade e sustentabilidade – que também se entende pelo combate do racismo, da xenofobia e de qualquer tipo de discriminação – ou com sofrimento e dor”, defende Gustavo. Entre suas dicas para que cidadão comum faça escolhas mais conscientes está o de dar uma olhada na Lista Suja do Ministério do Trabalho e no aplicativo Moda Livre. “O próprio Google é uma ferramenta. Em vez de só esperar uma informação, a gente precisa ir lá e pesquisar porque essa luta contra o trabalho escravo é uma luta de todos”.

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